19/08/2014 - 16:29
Google e Facebook estão entre as empresas que oferecem aos funcionários os benefícios da meditação redutora de estresse.
O melhor lugar do mundo é aqui e agora”, cantava Gilberto Gil no passado, mas a maioria de nós pouco lembra disso. Nossa mente passa a maior parte do tempo recordando eventos passados, projetando para o futuro ou simplesmente fantasiando. Hoje em dia, a fuga do presente piorou com o efeito sedutor de smartphones, tablets e outros aparelhos do gênero sobre a nossa atenção. Trazê-la de volta para o aqui e agora – uma tarefa simples, desde que haja disposição para isso – tem um impacto significativo na vida, como indicam centenas de estudos realizados ao redor do mundo.
Direcionar a atenção integral para o momento presente é uma prática tradicional em filosofi as orientais como o budismo e o taoísmo. Em inglês, a atividade é conhecida como mindfulness (“atenção plena”) – “prestar atenção de uma forma específica, intencionalmente e sem julgar”, explica o americano Jon Kabat-Zinn, especialista no assunto deste lado do planeta. Kabat-Zinn deu uma nova dimensão ao mindfulness ao “secularizá-lo”, evitando assim que potenciais interessados na prática a descartassem de antemão por atribuir-lhe um viés religioso.
No início dos anos 1970, esse cientista doutorado em biologia molecular pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) assistiu a uma palestra sobre meditação e ficou tão fascinado pelo assunto que começou a meditar “naquele mesmo dia”, conta. “Quanto mais eu meditava, mais sentia que faltava algo que a ciência poderia dizer sobre a maneira como vivemos como seres humanos.”
A oportunidade para lidar com isso surgiu em 1979, quando Kabat-Zinn, trabalhando no Centro Médico da Universidade de Massachusetts, teve a ideia de usar meditação mindfulness para ajudar pacientes com problemas crônicos de saúde e dores. Com três médicos, ele abriu na universidade uma clínica de redução do estresse que adotava uma fórmula de mindfulness despida de roupagem religiosa. Foi um sucesso: muitos dos pacientes afirmaram que as dores diminuíram, e aqueles para quem o nível de sofrimento permaneceu igual disseram que havia ficado mais fácil lidar com o problema. O programa criado por Kabat-Zinn, denominado Mindfulness-Based Stress Reduction (Redução do Estresse Baseado em Mindfulness, ou MBSR, na sigla em inglês), virou referência e hoje tem mais de 1.000 instrutores certificados. Vários outros professores também adotaram formas não religiosas de ensinar mindfulness, ampliando o alcance da prática.
Algumas pesquisas sobre mindfulness estudaram monges budistas com longo treinamento em meditação. Os resultados obtidos foram impressionantes. Uma delas, feita na Universidade de Wisconsin em Madison (EUA) e publicada em 2004 na revista Proceedings of the National Academy of Sciences, revelou por exames de eletroencefalografia que o cérebro de monges com mais de 10 mil horas de meditação tinha mais conectividade funcional do que o de noviços e exibia mais atividade de ondas gama, o que aponta para estados de consciência mais elevados.
Mas não é preciso chegar a tanto para descobrir os efeitos positivos do mindfulness. Estudos revelam que práticas de curta duração já obtêm resultado (alguns instrutores sugerem cinco minutos por semana para começar). A lista de benefícios inclui fortalecimento do sistema imunológico, aumento das emoções positivas, redução das emoções negativas e do estresse, controle da obesidade e aumento da densidade da matéria cinzenta em áreas do cérebro ligadas a memória, aprendizado, regulação das emoções e empatia.
Musculatura mental
Naturalmente, quanto mais disciplinada for a prática, melhores os resultados. “Se você quer desenvolver sua musculatura, não lê um livro sobre isso; vai lá e pratica. O mesmo ocorre com a meditação: trata-se de treinar hábitos mentais”, afirma Luiz Ribeiro, sócio-instrutor da Assertiva Mindfulness, empresa de consultoria e desenvolvimento de programas de mindfulness.
Ribeiro é um dos primeiros a trabalhar no Brasil com um filão que cresce vigorosamente no exterior: o mindfulness aplicado ao mundo corporativo. Estudos confirmam que funcionários praticantes de mindfulness têm desempenho superior ao dos colegas que não dispõem desse recurso e atingem um nível de excelência maior. “Essas práticas meditativas, sobretudo de focalização da atenção, em geral levam a um estado de tranquilização e relaxamento”, diz José Roberto Leite, coordenador da unidade de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Isso é positivo no mercado de trabalho, porque, quando o indivíduo está em estado de ansiedade ou estresse, fica com muitas funções prejudicadas, entre elas a atenção.”
Em um estudo publicado em fevereiro na revista Psychological Science, da Associação de Ciência Psicológica dos EUA, o pesquisador Andrew Hafenbrack e sua equipe das escolas de negócios Insead e Wharton (da Universidade da Pensilvânia) concluíram que as decisões tomadas por praticantes de mindfulness são melhores do que as de seus colegas. “Descobrimos que um breve período de meditação mindfulness pode encorajar as pessoas a tomar decisões mais racionais considerando a informação disponível no momento presente, e ignorando algumas das preocupações que exacerbam tipicamente a distorção dos custos passados”, afirma Hafenbrack.
Aulas de mindfulness já são comuns em empresas pesos-pesados, como Google, Facebook, Twitter, Chase, e até no Pentágono. O Google, por exemplo, já tem um programa de mindfulness próprio, o Search Inside Yourself (“Procure Dentro de Você”). Em fevereiro passado, a técnica foi capa da revista Time.
No Brasil, em comparação, esse processo ainda está no início, considera Ribeiro. Mas há muito campo fértil – respeitando-se, naturalmente, a necessidade de adaptar o conteúdo oferecido à cultura do país. “No Reino Unido, por exemplo, os participantes não falam sobre as experiências, têm de ser estimulados a isso”, diz Ribeiro. “Já no Brasil é o contrário: temos de ‘segurar’ os alunos nesse sentido, estimular mais o silêncio, a precisão na fala.
Fontes: Centro de Atenção Plena em Medicina, Saúde e Sociedade, Escola de Medicina da Universidade de Massachusetts