22/08/2024 - 16:48
A Ucrânia pretende levar a Rússia ao TPI não apenas por crimes de guerra, mas também por danos ambientais provocados pelo conflito, com prejuízo estimado em mais de 57 bilhões de euros. Condenação seria pioneira.Quando explosões abalaram a barragem de Kakhovka, no sudeste da Ucrânia, em 6 de junho do ano passado, levando ao seu rompimento pouco depois, imagens da tragédia rodaram o mundo.
Grandes quantidades de água inundaram rapidamente uma área com quilômetros de extensão, devastando localidades inteiras. Dezenas de milhares de pessoas foram afetadas, e o número exato de mortos segue desconhecido.
Cerca de 600 toneladas de petróleo bruto vazaram de instalações industriais danificadas, segundo autoridades ucranianas. Produtos químicos provenientes de fábricas destruídas também contaminaram a água, o solo, ecossistemas e áreas agrícolas, apontou a Organização das Nações Unidas (ONU). A guerra na Ucrânia não é apenas uma catástrofe humana, mas também ecológica.
Agora, a destruição da barragem de Kakhovka pode vir a ser objeto de um processo potencialmente pioneiro contra a Rússia.
Autoridades ucranianas estão reunindo provas para levar a Rússia ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia. O processo por crimes de guerra envolve também a destruição do meio ambiente por meio de atos de guerra. A Ucrânia acusa a Rússia de ter provocado a explosão da barragem, o que Moscou nega.
“O meio ambiente não pode continuar sendo uma vítima silenciosa da guerra”, diz o ministro ucraniano de Proteção Ambiental e Recursos Naturais, Ruslan Strilets, à DW. “A humanidade precisa se dar conta de que a guerra é cara. Todos os Estados precisam se dar conta de que a guerra é cara. Destruir o meio ambiente é caro.”
Qual é a dimensão do prejuízo?
A explosão da barragem e a subsequente inundação são apenas um dos muitos crimes ambientais que autoridades ucranianas estão investigando e que podem vir a ser incluídos na acusação contra a Rússia.
O Ministério de Proteção Ambiental e Recursos Naturais da Ucrânia estima que a invasão russa tenha causado mais de 5 mil casos de danos a florestas, solo, ar e água, com um prejuízo total de mais de 57 bilhões de euros (R$ 351,5 bilhões).
Cerca de 500 estações de tratamento de esgoto no país foram destruídas até o final de 2023, e pelo menos 20% das áreas de proteção ambiental estão ameaçadas. O procurador-geral da Ucrânia, Andriy Kostin, espera concluir a base para uma acusação até o final do ano.
“O grau de contaminação e os danos em muitas áreas só podem ser estimados, pois a coleta de dados é extremamente difícil”, afirma Oleksii Vasyliuk, chefe da organização ambiental ucraniana Nature Conservation Group.
No entanto, a organização não governamental ucraniana Ecoaction conseguiu coletar amostras de solo em algumas regiões. A análise de material coletado na disputada região de Donbass revelou que todo o terreno foi contaminado por metais pesados altamente tóxicos devido aos combates.
Em alguns casos, os níveis de mercúrio, vanádio e cádmio estavam 100 vezes acima do normal. Metais pesados em altas concentrações são extremamente tóxicos, pois se acumulam no corpo humano e muitas vezes não podem ser eliminados.
Vasyliuk acredita que efeitos dos danos ao ar, à água e ao solo serão sentidos por décadas após o fim da guerra. Além disso, em algumas das áreas em conflito, a agricultura dificilmente será viável no longo prazo.
Strilets exige que a Rússia seja responsabilizada. Além disso, o ministro ucraniano quer estabelecer um precedente e desenvolver procedimentos adequados para a aplicação da lei internacional, para que, no futuro, guerras à custa do meio ambiente não permaneçam impunes. A Ucrânia pretende exigir o pagamento de reparações pela Rússia.
No entanto, caso acatado pelo TPI, um processo provavelmente se arrastaria por muitos anos, diz Aaron Dumont, que pesquisa questões ambientais no direito internacional na Universidade Ruhr de Bochum, na Alemanha.
Quando danos ambientais são crimes de guerra?
A ONU define a destruição do meio ambiente como crime de guerra somente quando ela é desproporcional em relação à vantagem militar obtida pelo responsável e causa danos graves, abrangentes e de longo prazo à população.
O promotor-chefe do TPI, Karim Khan, anunciou em fevereiro que crimes contra o meio ambiente serão investigados com mais rigor e receberão maior atenção no futuro.
Até agora, nenhum país ou pessoa foi condenado por destruição ambiental no contexto de um processo por crimes de guerra. Isso se deve em parte à definição vaga no direito internacional, segundo Dumont.
“É preciso provar que, daqui a dez anos, ainda haverá uma destruição ambiental mensurável resultante do bombardeio ou da forma específica de guerra em questão”, diz Dumont, apontando que até hoje isso foi muito difícil de provar.
Campos de petróleo em chamas no Iraque
Dumont cita um exemplo de 1991, durante a Guerra do Golfo. Ao se retirarem do Kuwait, tropas iraquianas incendiaram mais de 700 campos de petróleo, provocando uma catástrofe ambiental em toda a região.
“Qualquer pessoa comum diria que isso é um crime de guerra com impacto ambiental”, afirma Dumont. “Mas, naquela época, nos anos 1990, era muito difícil para geólogos provar que as consequências desses incêndios ainda poderiam ser medidas dez anos depois. Metodologicamente, simplesmente não era possível.”
Reconhecimento de crimes
Hoje, isso é diferente. Graças a imagens de satélite e métodos científicos avançados, Dumont considera as chances de sucesso em um processo contra a Rússia promissoras.
Isso inclui a explosão da barragem de Kakhovka, afirma o pesquisador. Para ele, uma condenação seria um momento histórico. “Seria realmente um avanço, um momento pioneiro no direito ambiental”, diz.
No entanto, não está claro qual seria o efeito de uma eventual condenação. A Rússia não ratificou o Estatuto de Roma, a base legal do TPI, e não reconhece as decisões do tribunal.
Dumont destaca outro ponto: “A partir de estudos, sabemos que para os afetados é muito importante que esses crimes sejam reconhecidos. Isso inclui, por exemplo, agricultores ou outras pessoas da região que dependem da natureza. Eles querem que suas preocupações também façam parte desses processos.”