07/12/2025 - 18:11
Produção de metanfetamina e ópio vêm se expandindo em ritmo acelerado no país do sudeste asiático, segundo a ONU, com muitos grupos armados usando lucro das drogas para comprar armas.Palco de uma devastadora guerra civil desde 2021, a nação de Mianmar se tornou epicentro de um bilionário e ilícito mercado de drogas no sudeste da Ásia, que vem se expandido de maneira acelerada.
O cultivo de ópio, usado na produção de heroína, aumentou 17% no último ano no país, passando a ocupar mais de 53 mil hectares — equivalente a um terço da área da cidade de São Paulo —, de acordo com uma pesquisa do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) divulgada nesta semana.
Mianmar também continua sendo o maior produtor de ópio do mundo. O país tomou esse posto do Afeganistão em 2023, dois anos após o grupo Talibã reassumir o controle do país da Ásia Central e erradicar a grande maioria de seus campos de papoula – a flor que produz a seiva que serve de matéria-prima para a fabricação de heroína e outros opiáceos.
Dados publicados pelo UNODC no início deste ano também mostraram que as apreensões de metanfetamina no Leste e Sudeste da Ásia atingiram um recorde de 236 toneladas em 2024.
Acredita-se que a maior parte dessa droga seja produzida em Mianmar. Segundo a ONU, a combinação de aumento das apreensões e queda dos preços nas ruas sugere que a produção dentro de Mianmar continua crescendo.
Cartéis chineses no Triângulo Dourado
Mianmar é um grande produtor de drogas há décadas, em parte devido à sua geografia. A nação, anteriormente conhecida como Birmânia, abriga uma parte do chamado Triângulo Dourado, região que também inclui fatias do Laos, Vietnã e Tailândia e que há décadas é conhecida pela produção de ópio e atuação de grupos criminosos.
No estado de Shan, em Mianmar, cartéis criminosos se estabeleceram nos últimos anos sob a proteção de senhores da guerra locais que controlam enclaves onde o governo exerce pouca ou nenhuma influência. A maioria dos cartéis de drogas atualmente baseados ali veio originalmente da China.
Produção de metanfetamina impulsionada pela guerra civil
Segundo a ONU, a caótica guerra civil desencadeada pelo golpe militar de 2021 criou condições favoráveis para o crescimento do comércio de drogas em Mianmar. A economia oficial do país e administração governamental entraram em colapso e os senhores da guerra continuam a precisa de recursos para financiar suas milícias privadas.
“Por causa do conflito, grupos armados ou agricultores precisam encontrar formas de conseguir dinheiro, porque a guerra desorganiza a economia… E o cultivo de ópio é uma área onde isso fica evidente”, diz Inshik Sim, pesquisador de drogas ilícitas do UNODC para a região da Ásia-Pacífico, à DW.
A produção de metanfetamina já vinha aumentando muito antes do golpe, mas, segundo Sim, a guerra civil provavelmente intensificou ainda mais essa tendência.
Crise relacionada às drogas “em rápida expansão”
A Tailândia tem sido o país mais afetado pelo boom das drogas que ocorre no país vizinho de Mianmar. No ano passado, autoridades tailandesas apreenderam enormes quantidades de metanfetamina, incluindo um recorde de 1 bilhão de comprimidos de metanfetamina.
“Esses números são um alerta claro de que o problema das drogas não apenas continua, como está agora se expandindo rapidamente”, diz Thanapon Thanikkun, chefe de inteligência do Escritório do Conselho de Controle de Narcóticos da Tailândia.
Ele alertou que os traficantes estão explorando a rede de transporte bem desenvolvida da Tailândia para enviar seus produtos por terra, ar e mar, provocando ainda um aumento de consumo de drogas entre os tailandeses.
O UNODC também aponta que o uso de metanfetamina está aumentando na Tailândia e em grande parte do Sudeste Asiático.
Agricultores e grupos armados dependem da venda de drogas
Para os grupos armados que abastecem essa demanda regional a partir de Mianmar, a venda de drogas é uma forma rápida de conseguir dinheiro – e consequentemente mais armas –, afirma Khun Oo, vice-presidente da Organização Juvenil Pa-O, uma ONG que atua no estado de Shan, em Mianmar. Os Pa-O são um dos principais grupos étnicos do estado.
“Eles [os grupos armados] precisam de armas e de dinheiro, então esse é o caminho para consegui-los: o tráfico de drogas”, diz ele.
Ao contrário da metanfetamina, que pode ser produzida em pequenos laboratórios em enormes quantidades por poucas pessoas, a produção de ópio emprega muitos agricultores.
A papoula há muito tempo é uma cultura de subsistência durante períodos difíceis em Mianmar. Khun Oo afirma que a guerra civil dificultou ainda mais para os agricultores levar suas colheitas tradicionais ao mercado, enquanto os traficantes de drogas que compram o ópio vão até eles.
“No passado, ainda era possível cultivar outras culturas”, diz ele, mas agora “eles não têm opções”, a não ser plantar ópio.
Segundo Khun Oo, os traficantes também estão pagando até US$ 500 (R$ 2.700) por cerca de um quilo de ópio bruto em algumas áreas — o dobro do que pagavam antes do golpe — tornando o cultivo da papoula ainda mais atraente.
Heroína de Mianmar na África e na Europa
Os produtos dos campos de papoula e dos laboratórios de metanfetamina de Mianmar viajam grandes distâncias.
Depois de saírem de Mianmar rumo ao Laos e à Tailândia, eles se espalham pelo restante do Sudeste Asiático e, a partir daí, podem ser vendidos a preços ainda mais elevados em países como Japão e Austrália.
No ano passado, a Polícia Federal Australiana estimou que até 70% da metanfetamina consumida no país veio de Mianmar.
Segundo Sim, a China provavelmente ainda é o principal mercado da heroína de Mianmar. No entanto, as apreensões mais recentes sugerem que os traficantes agora também estão voltando seu olhar para o oeste.
O UNODC observa uma série de apreensões recentes de metanfetamina e heroína no nordeste da Índia, que também faz fronteira com Mianmar.
Além disso, uma sequência de apreensões relativamente pequenas, porém incomuns, de heroína de Mianmar na Nigéria e em partes da Europa — via Tailândia — pode indicar que os cartéis do país asiático estão tentando expandir seus mercados para novos continentes.
“Não costumávamos ver esse tipo de fluxo de tráfico de heroína dessa região para outras, porque os mercados tradicionais da heroína proveniente do Triângulo Dourado são basicamente o Leste e o Sudeste Asiático e partes da Oceania. No entanto, agora vemos também um fluxo maior em direção ao oeste”, diz Sim.
