20/12/2025 - 6:51
Pela primeira vez, Brasil vendeu mais motos do que carros. Nesse cenário, montadoras de modelos elétricos esperam conquistar cada vez mais consumidores.O Brasil passa por um boom na venda de motos. Nesse cenário, o setor de elétricos , que normalmente tem as atenções voltadas para os carros, apresenta espaço para crescer também em duas rodas. A força do delivery, a descarbonização e os custos menores estão por trás desse movimento, que atraiu fábricas para o país e impulsiona o desenvolvimento de empresas locais.
De janeiro a outubro, o número de motos elétricas emplacadas no Brasil cresceu 20,53% com relação ao mesmo período de 2024, conforme a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave). O segmento busca avançar num mercado amplo, que conta com mais de 35 milhões motocicletas no país.
Com uma economia em combustível e manutenção de até 40% em comparação com as motos convencionais, além de autonomia suficiente para rodar durante todo o dia na cidade, há grande expectativa para uma expansão do uso de elétricas, especialmente no setor de entregas.
Especialistas ressaltam o espaço para a descarbonização da frota neste segmento, o que é reforçado no caso brasileiro pelas energias renováveis , mais baratas que de outros países, além dos incentivos para a redução das emissões.
Recentemente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que o governo vem avaliando medidas para impulsionar o setor. “Uma coisa que a gente quer fazer é baratear o financiamento de uma moto para que os entregadores tenham o direito de ter uma moto, de preferência elétrica para economizar a emissão de gás de efeito estufa”, destacou.
Entre as grandes notícias em 2025, está o anúncio do começo da produção da chinesa Yadea na Zona Franca de Manaus. A montadora, apelidada de BYD das motos, escolheu o Brasil para sediar sua primeira fábrica fora da Ásia. É o quarto país além da China a possuir plantas da empresa, sendo os outros: Vietnã, Indonésia e Tailândia.
Na frente nacional, fundada em 2024, a Leva Motors vem se expandindo, mas busca um crescimento sustentável. Atualmente, a marca conta com nove lojas próprias, e planeja vender entre 100 e 200 motos por mês a partir do próximo ano, frente às cerca de 50 em 2025.
Apesar do potencial, o mercado elétrico ainda tem pouco peso dentro do todo. Segundo a Abraciclo, entre janeiro e novembro, apenas 0,52% das vendas de veículos duas rodas foram deste gênero.
Alternativas mais em conta
Neste ano, pela primeira vez na série histórica, o Brasil registrou uma maior venda de motos que de carros. “Em uma renda per capita menor, há busca de alternativas na área de mobilidade”, explica Antônio Jorge Martins, professor de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Na comparação entre elétricas e convencionais, as motos à combustão ainda são mais baratas. No entanto, há a expectativa do emparelhamento dos preços. “Há grande trabalho para que os valores sejam iguais. Os preços das baterias vêm caindo”, afirma Carlos Roma, diretor técnico da Associação Brasileira de Veículos Elétricos (ABVE). Estes componentes representam grande parte dos custos das motos.
Devido ao preço elevado das baterias, o mercado de segunda mão é praticamente inexistente hoje, o que tende a dissuadir aqueles que esperam amenizar os gastos com uma revenda. “Este mercado ainda é um desafio”, reconhece Roma.
Negócio da China
Os interesses chineses em expandir sua escala de produção e as exportações, assim como foi feito no mercado de carros, são vistos como essenciais para o cenário atual. Na avaliação de Martins, o avanço de montadoras como a BYD no país ajudou a gerar confiança nas marcas do gigante asiático, o que abriu espaço para outros negócios. “A vinda dos carros favoreceu as empresas chinesas de motos em conjunto”, afirma.
“Hoje, há uma relação muito boa do país com o governo chinês, que vem buscando gerar divisas”, aponta Roma. Em sua visão, quando houve a visão em Pequim de que haveria interesses governamentais em incentivar o mercado de motos elétricas no Brasil, a oportunidade de se posicionar foi reforçada.
Por outro lado, uma grande diferença, na visão de Gabriel Pilão, diretor e cofundador da Leva, é que o setor de carros realizou investimentos pesados em marketing no país. O avanço da BYD foi marcado por uma campanha massiva de publicidade, que incluiu alguns dos principais meios de comunicação brasileiros. Neste sentido, a capacidade das montadoras de motos realizarem ações de dimensão semelhante é limitada.
De olho nas entregas
“Em dez anos, todas as motos de trabalho tendem a ser elétricas no país. Inclusive, os centros das grandes cidades devem passar a não permitir modelos à combustão”, projeta Roma. Sua visão é amparada por decisões em uma série de localidades pelo mundo que prometem as mesmas restrições para carros a partir da próxima década. Neste cenário, a ampliação não apenas da frota, mas de pontos de troca de baterias é vista como essencial.
O delivery sempre foi visto como um ponto chave para a eletrificação, o que motivou algumas das principais empresas brasileiras do setor a operarem no aluguel de motos. Um elemento que vem impactando o mercado são os altos juros no país. Com a taxa básica Selic em 15%, os financiamentos de veículos próprios tendem a ficarem mais caros, o que estimula a locação.
Em setembro, a 99, em parceria com o governo federal, anunciou um montante de R$ 6 bilhões para facilitar o acesso de trabalhadores a motos e bicicletas elétricas, por meio de linhas de crédito, locação e acordos estratégicos com fabricantes. Já o Ifood, em conjunto com outros fundos, apontou neste ano a meta de comercializar por ano até 600 mil motos elétricas no prazo de 2035, em uma iniciativa que contou com aporte inicial próximo de R$ 40 milhões.
Legislação
O mercado aguarda com grande expectativa o impacto da série de mudanças que o governo vem promovendo no código de trânsito, incluindo necessidade de emplacamento para veículos de menor potência e redução de custo para obtenção de Carteira Nacional de Habilitação (CNH). No país, a estimativa é de que 50% dos motociclistas circulem sem licença, com os gastos com autoescola entre as grandes barreiras.
Na visão da Roma, a facilidade para obtenção de CNH tende a impulsionar alguns segmentos, no entanto, a obrigatoriedade de emplacamento de veículos que até então circulavam sem maiores entraves pode ser um desafio ao setor. “Neste caso, é possível que haja diminuição na velocidade de crescimento do mercado”, afirma.
A partir de 1º janeiro de 2026, novas regras valerão aos veículos considerados “ciclomotores”, que correspondem a uma boa parte das scooters e motonetas vendidas no país. Entre as exigências, além do emplacamento, estará a necessidade de obter carteira e o uso de capacetes. Já para as bicicletas elétricas, a obrigatoriedade não é a mesma, mas os condutores deverão obedecer as regras locais de circulação.
