07/07/2025 - 11:14
Novo chanceler federal alemão criticou política externa “pouca ambiciosa” de antecessor e prometeu guinada. Até o momento, porém, há poucos indícios de que isso vá acontecer.”Germany is back on track” (“A Alemanha voltou aos trilhos”). Há três meses, na apresentação do acordo da nova coalizão de governo em Berlim, o chanceler federal alemão, Friedrich Merz, do partido conservador União Democrata Cristã (CDU), anunciava a intenção de seu governo de conquistar um novo papel para a Alemanha.
Merz acusa o governo anterior, liderado pelo social-democrata Olaf Scholz, de ter fracassado, de ter sido cauteloso demais e hesitante em seu apoio à Ucrânia, muito pouco ambicioso em sua política europeia, muito prepotente com seus parceiros.
Merz declarou a política externa como prioridade, afirmando que a Alemanha quer assumir mais responsabilidades e que o país deve desempenhar um papel de liderança na União Europeia (UE). A Alemanha deve se tornar o país com as Forças Armadas mais fortes entre as nações europeias da Otan.
Ao mesmo tempo, a Europa deve “alcançar a independência dos EUA” em termos de política de defesa, como Merz disse imediatamente após sua vitória eleitoral em fevereiro, afirmando não ver mais os Estados Unidos sob Donald Trump como um parceiro confiável.
Merz faz o que Trump quer
Ele cumprirá essa promessa? Em sua primeira visita como chanceler federal a Washington, a maioria da imprensa alemã já considerava um sucesso o fato de a entrevista coletiva conjunta com Trump ter ocorrido sem maiores problemas. Merz quase não disse nada e parecia nervoso, enquanto Trump falava ainda mais.
O premiê alemão prometeu sobretudo mais gastos com defesa, e o presidente dos EUA pareceu satisfeito. “Trump não está interessado em parceria, mas em vassalagem”, avalia o cientista político Johannes Varwick, da Universidade de Halle-Wittenberg.
Henning Hoff, do think tank Conselho Alemão de Relações Exteriores (DGAP, na sigla em alemão), destaca que, em vez de “independência”, Merz “retornou aos caminhos transatlânticos tradicionais”.
“Considerando a grande dependência da Europa em relação aos EUA em termos de política de segurança, afastar-se abertamente de Washington também seria imprudente e insensato”, avalia Varwick. “Não pode haver nenhuma questão de independência, nem política nem militarmente.”
Essa percepção também é apoiada pela reação muito cautelosa de Merz à iniciativa de política de segurança do líder do grupo parlamentar do bloco conservador CDU/CSU, Jens Spahn. Ele havia se manifestado a favor de um guarda-chuva nuclear europeu sob a liderança alemã. Em entrevista recente à emissora pública de televisão alemã ARD, Merz falou na sobre um projeto que só se tornará realidade “em prazo muito, muito longo”.
Alemanha pode e quer substituir os EUA na Ucrânia?
E de forma igualmente obsequiosa ocorreu a cúpula da Otan em Haia – como vários meios de comunicação disseram – com o secretário-geral da organização, Mark Rutte, se referindo jocosamente a Trump como “daddy” (papaizinho). Conforme exigido pelo presidente dos EUA, os europeus se comprometeram a gastar em defesa 5% de seus respectivos PIBs. A mensagem de Trump tem sido há muito tempo: se não pagar, não terá a proteção dos EUA. O principal objetivo da cúpula era manter os EUA como garantidor da segurança na Europa. Por enquanto, isso parece ter sido alcançado.
No entanto, um roteiro para a Ucrânia aderir à Otan, que também é de desejo da Alemanha, sequer foi discutido em Haia – os EUA sob o comando de Trump desistiram desse objetivo.
De modo geral, Trump parece estar perdendo lentamente o interesse em uma solução de paz na guerra da Ucrânia. A última entrega dos mísseis de defesa aérea Patriot, equipamento urgentemente necessário para Kiev, foi interrompida por Washington, supostamente porque o próprio país precisa deles.
Com isso, fica aberta a questão sobre se os europeus, e a Alemanha em particular, querem entrar nesta brecha deixada. Johannes Varwick acredita que, se os europeus quisessem compensar o papel dos EUA, a tarefa não seria “muito promissora, tanto financeiramente quanto em termos de alcance político”. “Por isso, mais cedo ou mais tarde, Berlim e Bruxelas provavelmente acabarão tendo que seguir a reviravolta de 180 graus realizada pelos EUA.”
Em meio a tudo isso, Merz permanece vago sobre a questão de fornecer ou não à Ucrânia mísseis de cruzeiro de longo alcance Taurus. “É e continua sendo uma opção”, disse ele em um talk show da ARD. Seu antecessor, Scholz, sempre rejeitou o envio com o argumento de que a Alemanha poderia, com isso, ser arrastada para a guerra. “Uma coisa é certa. A Alemanha não participará da guerra”, ressaltou Merz. Como o presidente da Rússia, Vladimir Putin, vê isso, é outra questão.
Controles fronteiriços prejudicam as laços com Polônia
O novo chanceler federal viajou para Paris e Varsóvia imediatamente após assumir o cargo, como um sinal de que ele atribui uma importância especial a esses dois parceiros europeus. Houve uma recepção cordial do presidente francês, Emmanuel Macron.
No entanto, Merz se desentendeu com o primeiro-ministro polonês, Donald Tusk, quando mandou reforçar controles de fronteira pouco antes para evitar a entrada ilegal de migrantes. A Polônia não quer receber de volta esses migrantes e agora está controlando sua fronteira com a Alemanha. Henning Hoff chama isso de um “tropeço inicial” de Merz, “porque a política simbólica de migração parece para ele mais importante do que a coesão europeia e as relações de boa vizinhança com a Polônia”.
Apenas espectador no Oriente Médio
Enquanto isso, a segunda maior crise ao lado da guerra na Ucrânia, o conflito no Oriente Médio, está ocorrendo praticamente sem os europeus. Israel e, alguns dias depois, os EUA, atacaram alvos no Irã para impedir que o país construísse uma bomba nuclear. Não houve consultas com os europeus. O papel da Alemanha se limitou, em grande parte, a pedir uma redução da escalada depois disso.
Merz já parece orgulhoso só por ter sido informado dos ataques após eles terem sido realizados. “Fui um dos primeiros, se não o primeiro, a ser informado”, disse ele na ARD.
“Podemos ver a que nível baixo chegamos. A Europa e a Alemanha não desempenham nenhum papel nessa questão. E Merz não conseguirá mudar isso”, lamenta Johannes Varwick.
O que as enormes dívidas rendem em política externa?
Uma visita bem-sucedida aos EUA, principalmente graças a um comprometimento de defesa significativamente maior, um futuro incerto para o apoio na Ucrânia, a esperança de uma reaproximação com a França, mas um relacionamento tenso com a Polônia e um mero espectador no conflito do Oriente Médio – um balanço inicial dos planos de política externa de Merz tem um resultado misto. Entretanto, o novo governo está no cargo há apenas dois meses.
“Continua sendo um mistério o que exatamente Merz quer dizer com ‘a Alemanha voltou aos trilhos’ em termos de política externa – ou sobre o que ele quer construir e em que ‘trilhos’ ele quer colocar o país de volta”, avalia Hoff.
Ele ressalta que as ideias de Merz sobre um papel maior para a Alemanha “baseiam-se em uma política de gastos maciços financiados por dívidas para defesa e infraestrutura, possibilitada por sua própria reviravolta de 180 graus nessa questão e pelo apoio do Partido Social-Democrata (SPD) de Scholz e dos verdes. O governo anterior não teve essa opção”.
Pelo menos entre a população alemã, o premiê parece estar marcando pontos depois de ter sido bastante impopular por um longo tempo. Nas últimas sondagens, seu índice de aprovação aumentou três pontos percentuais. . Apesar de estar em apenas 42%, esse é o patamar mais alto desde que Merz voltou à política, há quatro anos.