06/11/2025 - 15:30
Dona do Facebook, Instagram e WhatsApp estimou que golpes e produtos proibidos responderiam por 10% de seus lucros, segundo a agência de notícias Reuters. Empresa diz combater irregularidades.A Meta lucrou em 2024 cerca de 16 bilhões de dólares (R$ 85 bilhões) com anúncios fraudulentos ou que promoviam golpes e produtos proibidos, segundo documentos internos da empresa obtidos pela agência de notícias Reuters.
A cifra se baseia em uma projeção da própria Meta, que estimou que 10% de toda a sua receita anual foi obtida por meio de anúncios pagos com este tipo de conteúdo. Segundo a Reuters, a gigante das redes sociais não teria interrompido campanhas que expuseram bilhões de usuários do Facebook, Instagram e WhatsApp a esquemas fraudulentos de comércio eletrônico, falsos investimentos, golpes, cassinos online ilegais e a venda de produtos médicos proibidos.
Segundo um documento interno de dezembro de 2024, os usuários das plataformas são expostos diariamente a cerca de 15 bilhões de anúncios de “alto risco” – aqueles que apresentam sinais claros de fraude. Somente com essa categoria mais danosa, a empresa arrecada 7 bilhões de dólares (R$ 37 bilhões) por ano, indica o dossiê obtido pela Reuters.
Meta cobra mais por anúncios suspeitos
Grande parte destes anúncios é tomada como suspeita e sinalizada pelos sistemas internos de alerta da Meta. Mas a empresa só bane anunciantes se houver 95% de certeza de que há fraude, mostram os documentos. Se o índice for mais baixo, mas ainda houver indícios de que a campanha não segue as regras da plataforma, a Meta cobra valores mais altos para veicular campanhas, sem suspender a conta.
Os documentos também indicam que usuários que clicam em anúncios fraudulentos têm maior probabilidade de serem novamente expostos a esse tipo de conteúdo, devido ao sistema de personalização de publicidade da Meta, que é moldado ao interesse de cada pessoa.
Os detalhes foram extraídos de documentos produzidos a partir de 2021, envolvendo os setores de finanças, lobby, engenharia e segurança da Meta. Eles mostram os esforços da empresa para quantificar a escala de abusos cometidos em suas plataformas.
“Lutamos agressivamente contra fraudes e golpes”
Em nota, o porta-voz da Meta, Andy Stone, disse que os documentos vistos pela Reuters “apresentam uma visão seletiva que distorce a abordagem da Meta em relação a fraudes e golpes”. A estimativa interna da empresa de que ganharia 10,1% de sua receita de 2024 com este tipo de publicidade era “aproximada e excessivamente abrangente”, disse Stone. A empresa posteriormente determinou que o número real era menor, porque a estimativa incluía também “muitos” anúncios legítimos, continuou a nota. No entanto, ele se recusou a fornecer um número atualizado.
“A avaliação foi feita para validar nossos investimentos planejados em integridade – incluindo o combate a fraudes e golpes – e fizemos isso”, defendeu o porta-voz. “Lutamos agressivamente contra fraudes e golpes porque as pessoas nas nossas plataformas não querem esse conteúdo, anunciantes legítimos não querem e nós também não queremos.”
“Nos últimos 18 meses, reduzimos em 58% os relatos de usuários sobre anúncios fraudulentos globalmente e, apenas em 2025, já removemos mais de 134 milhões de conteúdos de anúncios fraudulentos”, completou.
Plataformas viram hub de golpes
Alguns documentos mostram que a Meta procurou combater este tipo de conteúdo, segundo a Reuters. Ao mesmo tempo, porém, as pesquisas internas da empresa sugerem que seus produtos se tornaram um pilar da indústria de golpes e fraudes online.
Uma apresentação de maio de 2025 feita pela equipe de segurança teria estimada que as plataformas da empresa estavam envolvidas em um terço de todos os golpes bem-sucedidos nos EUA. A Meta também teria reconhecido em outros documentos internos que alguns de seus principais concorrentes estavam fazendo um trabalho melhor ao eliminar fraudes em suas plataformas.
“É mais fácil anunciar golpes nas plataformas da Meta do que no Google”, concluiu uma análise interna da empresa, de abril de 2025, sobre comunidades online onde golpistas discutem suas práticas.
As revelações dos documentos ocorrem num momento em que reguladores em todo o mundo pressionam o compliance da Meta. Nos EUA, a gigante de tecnologia é investigada pela Comissão de Valores Mobiliários (SEC) por veicular anúncios de golpes financeiros. No Reino Unido, um órgão regulador constatou que produtos da Meta estiveram envolvidos em 54% de todas as perdas financeiras relacionadas a golpes em 2023.
Multas de até 1 bilhão de dólares
Os documentos deixam claro que a Meta pretende reduzir este tipo de receita no futuro. Mas também indicam que reduções abruptas nos ganhos com publicidade fraudulenta poderiam afetar as projeções de negócios da empresa.
É o que aponta um documento de 2025 que discute o impacto de “receitas violadoras” – a renda de anúncios que violam os padrões da Meta, como golpes, jogo ilegal, serviços sexuais ou produtos de saúde duvidosos.
Ao mesmo tempo, a Meta reconheceu internamente que multas regulatórias por anúncios fraudulentos são certas, e antecipa penalidades de até 1 bilhão de dólares (R$ 5,3 bilhões), de acordo com um documento interno.
No entanto, essas multas seriam muito menores que a receita obtida com a veiculação das fraudes, uma vez que são estimados ganhos anuais de 7 bilhões de dólares (R$ 37 bilhões) obtidos com a parcela de anúncios que apresentam “maior risco legal”.
O mesmo documento afirma que a liderança da empresa decidiu focar esforços de combate em países onde temia ações regulatórias no curto prazo, segundo um documento que detalha a estratégia.
Os documentos também apontam que a Meta impôs limites sobre quanto de receita está disposta a perder ao agir contra anunciantes suspeitos. No primeiro semestre de 2025, a equipe responsável por verificar anunciantes duvidosos não podia tomar medidas que pudessem custar à Meta mais de 0,15% de sua receita total.
Stone contestou a afirmação de que a Meta só agiria se forçada por órgãos regulatórios. Ele argumenta que a cifra de 0,15% citada veio de um documento de projeção de receita e não era um limite rígido.
O dossiê indica que executivos da Meta tentam reduzir a porcentagem de receita estimada atribuída a golpes, jogos ilegais e produtos proibidos de 10,1% em 2024 para 7,3% até o final de 2025. A empresa pretende derrubar ainda mais essa fatia, para 6% em 2026, e 5,8% em 2027.
Aumento nas fraudes online
Entre as fraudes registradas pela Meta em 2022, por exemplo, está uma rede de contas que se passava por membros das forças armadas dos EUA em zonas de guerra. Os golpistas enviavam milhões de mensagens por semana, tentando conquistar usuários do Facebook para tirar dinheiro deles.
A prática de “sextorsão” – na qual golpistas obtêm imagens íntimas de um usuário sob falsos pretextos e depois o chantageiam – também estava se tornando comum nas plataformas. Naquele ano, a empresa classificou o problema como de “baixa gravidade” – vendo-o como uma má “experiência do usuário”, diz o material obtido pela Reuters.
Segundo a agência, a empresa orientou funcionários a focar o combate principalmente em golpistas que se passavam por celebridades e usurpavam grandes marcas. Tais “golpes de personificação” arriscavam irritar anunciantes e figuras públicas e assim ameaçavam reduzir o engajamento dos usuários e a receita.
Outro documento de 2023 citado pela Reuters apontaria que a Meta não considerou denúncias de usuários sobre golpes. Naquele ano, funcionários de segurança estimaram que usuários do Facebook e Instagram enviaram cerca de 100 mil denúncias válidas por semana de golpistas que os contatavam, mas a empresa teria ignorado ou rejeitado incorretamente 96% delas.
Entre as denúncias, a agência Reuters reuniu relatos de pessoas que tiveram suas contas invadidas por criminosos, que as utilizaram para promover investimentos em criptomoedas, fingindo ser os próprios usuários.
Internamente, a Meta se refere a golpes como esse como “orgânicos”, pois não envolvem anúncios pagos. Eles incluem publicações feitas gratuitamente no Facebook Marketplace, perfis falsos de namoro e promessas de curas falsas em grupos de tratamento de câncer, por exemplo.
Segundo uma apresentação de dezembro de 2024, os usuários da Meta são expostos a 22 bilhões de tentativas de golpes orgânicos todos os dias. Isso se soma aos 15 bilhões de anúncios fraudulentos apresentados aos usuários diariamente. No futuro, a empresa esperava rejeitar não mais que 75% das denúncias válidas, segundo outro documento de 2023.
Mesmo quando anunciantes são pegos em flagrante, as regras podem ser brandas, indicam os documentos. Um pequeno anunciante precisaria ser sinalizado por promover fraude financeira pelo menos oito vezes antes de a Meta bloqueá-lo, afirma a Reuters. Alguns grandes investidores de anúncios – conhecidos como “Contas de Alto Valor” – poderiam acumular mais de 500 infrações sem serem desativados, dizem outros documentos.
No ano passado, a empresa começou a cobrar mais dos suspeitos de fraude, cujos anúncios ficam mais caros para serem veiculados. Para a Meta, o impacto financeiro foi misto: embora a empresa fosse vender menos anúncios fraudulentos, ganharia mais com os que vendesse, compensando parte da receita perdida.
Stone argumenta que o objetivo da iniciativa era reduzir a publicidade fraudulenta geral, tornando os anunciantes suspeitos menos competitivos nos leilões de anúncios da Meta.
Nos meses seguintes à implementação do programa de lances de penalidade, ele afirmou, testes mostraram tanto uma queda nos relatos de golpes quanto uma leve queda na receita geral de anúncios.
gq/ra (Reuters)