08/07/2021 - 12:40
Um processo desconhecido de produção de metano está provavelmente em funcionamento no oceano oculto sob a capa gelada de Encélado, a lua de Saturno, sugere um novo estudo de cientistas da Universidade do Arizona (EUA) e da Universidade de Ciências e Letras de Paris (França). O trabalho foi publicado na revista Nature Astronomy.
As gigantescas plumas de água em erupção observadas em Encélado fascinam há muito tempo os cientistas e o público, inspirando pesquisas e especulações sobre o vasto oceano que se acredita estar imprensado entre o núcleo rochoso da lua e seu manto gelado. Voando através das plumas e coletando amostras de sua composição química, a espaçonave Cassini, da Nasa/ESA/ASI, detectou uma concentração relativamente alta de certas moléculas associadas a fontes hidrotermais no fundo dos oceanos da Terra, especificamente di-hidrogênio (hidrogênio molecular), metano e dióxido de carbono. A quantidade de metano encontrada nas plumas foi particularmente inesperada.
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Caminho mais fácil
“Queríamos saber: será que micróbios semelhantes aos da Terra, que ‘comem’ o di-hidrogênio e produzem metano, explicam a quantidade surpreendentemente grande de metano detectada pela Cassini?”, disse Regis Ferriere, professor associado do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade do Arizona e um dos dois principais autores do estudo. “A busca por tais micróbios, conhecidos como metanógenos, no fundo do mar de Encélado exigiria missões de mergulho profundo extremamente desafiadoras que não estão à vista há várias décadas.”
Ferriere e sua equipe seguiram um caminho diferente e mais fácil. Eles construíram modelos matemáticos para calcular a probabilidade de que diferentes processos, incluindo a metanogênese biológica, pudessem explicar os dados da Cassini.
Os autores aplicaram novos modelos matemáticos que combinam geoquímica e ecologia microbiana para analisar os dados da pluma de Cassini e modelar os possíveis processos que explicariam melhor as observações. Eles concluíram que os dados da Cassini são consistentes com a atividade microbiana de fonte hidrotérmica ou com processos que não envolvem formas de vida, mas são diferentes dos que ocorrem na Terra.
Atividade hidrotérmica
Na Terra, a atividade hidrotérmica ocorre quando a água do mar fria penetra no fundo do oceano, circula pela rocha subjacente e passa perto de uma fonte de calor, como uma câmara de magma, antes de ser expelida na água novamente por meio de fontes hidrotermais. Na Terra, o metano pode ser produzido por meio da atividade hidrotérmica, mas em um ritmo lento. A maior parte da produção se deve a microrganismos que aproveitam o desequilíbrio químico do di-hidrogênio produzido hidrotermicamente como fonte de energia e produzem metano a partir do dióxido de carbono, em um processo chamado metanogênese.
A equipe analisou a composição da pluma de Encélado como o resultado final de vários processos químicos e físicos ocorrendo no interior da lua. Primeiramente, os pesquisadores avaliaram qual produção hidrotérmica de di-hidrogênio se ajustaria melhor às observações da Cassini e se essa produção poderia fornecer “alimento” suficiente para sustentar uma população de metanógenos hidrogenotróficos semelhantes à Terra. Para isso, eles desenvolveram um modelo para a dinâmica populacional de um hipotético metanogênio hidrogenotrófico, cujo nicho térmico e energético foi modelado a partir de cepas conhecidas da Terra.
Os autores então executaram o modelo para ver se um determinado conjunto de condições químicas, como a concentração de di-hidrogênio no fluido hidrotérmico, e a temperatura forneceriam um ambiente adequado para o crescimento desses micróbios. Eles também analisaram o efeito que uma população hipotética de micróbios teria em seu ambiente – por exemplo, nas taxas de escape de di-hidrogênio e metano na pluma.
Participação biológica
“Em resumo, não só poderíamos avaliar se as observações da Cassini são compatíveis com um ambiente habitável por toda a vida, mas também podemos fazer previsões quantitativas sobre as observações esperadas, caso a metanogênese realmente ocorra no fundo do mar de Encélado”, explicou Ferriere.
Os resultados sugerem que mesmo a estimativa mais alta possível da produção abiótica de metano (ou produção de metano sem ajuda biológica) com base na química hidrotérmica conhecida está longe de ser suficiente para explicar a concentração de metano medida nas plumas. Adicionar metanogênese biológica à mistura, no entanto, poderia produzir metano suficiente para coincidir com as observações da Cassini.
“Obviamente, não estamos concluindo que existe vida no oceano de Encélado”, disse Ferriere. “Em vez disso, queríamos entender a probabilidade de que as fontes hidrotermais de Encélado pudessem ser habitadas por microrganismos semelhantes aos da Terra. Muito provavelmente, nos dizem os dados da Cassini, de acordo com nossos modelos. E a metanogênese biológica parece ser compatível com os dados. Em outras palavras, não podemos descartar a ‘hipótese de vida’ como altamente improvável. Para rejeitar a hipótese de vida, precisamos de mais dados de missões futuras.”
Metodologia promissora
Os autores esperam que seu artigo forneça orientação para estudos que visem compreender melhor as observações feitas pela Cassini e incentive pesquisas destinadas a elucidar os processos abióticos que poderiam produzir metano suficiente para explicar os dados.
Por exemplo, o metano poderia vir da decomposição química da matéria orgânica primordial que pode estar presente no núcleo de Encélado e que poderia ser parcialmente transformada em di-hidrogênio, metano e dióxido de carbono por meio do processo hidrotérmico. Essa hipótese é muito plausível se for descoberto que Encélado se formou por meio do acréscimo de material orgânico rico fornecido por cometas, explicou Ferriere.
“Em parte, tudo se resume a quão prováveis acreditamos que sejam as diferentes hipóteses”, disse ele. “Por exemplo, se considerarmos que a probabilidade de vida em Encélado é extremamente baixa, esses mecanismos abióticos alternativos se tornam muito mais prováveis, mesmo se forem muito estranhos em comparação com o que conhecemos aqui na Terra.”
Segundo os autores, um avanço muito promissor do artigo está em sua metodologia. Ela não se limita a sistemas específicos como oceanos interiores de luas geladas. Abre caminho inclusive para lidar com dados químicos de planetas fora do Sistema Solar, à medida que eles se tornarem disponíveis nas próximas décadas.