Mais da metade dos países ainda não apresentou suas projeções para cumprir o Acordo de Paris. Ritmo de implementação do pacto mantém o mundo distante das metas acordadas.Dez anos após a adoção do Acordo de Paris, considerado o mais ambicioso pacto climático global já firmado, o avanço rumo às metas estabelecidas ainda é lento. Para o responsável da Organização das Nações Unidas (ONU) para questões climáticas, Simon Stiell, apesar dos progressos reais alcançados até agora, o acordo “precisa funcionar de forma muito mais rápida e justa” para que seja possível mitigar os efeitos das mudanças do clima.

“Embora a direção esteja melhorando a cada ano, temos uma séria necessidade de mais velocidade e de ajudar mais países a tomarem medidas climáticas mais fortes”, disse Stiell em um comunicado divulgado em conjunto com um relatório da ONU que analisa as últimas metas climáticas apresentadas pelos países como parte das obrigações do Acordo de Paris.

Ao final de setembro, poucas semanas antes do início da Conferência do Clima (COP30), que acontecerá em Belém, apenas 64 dos 197 signatários do Acordo de Paris haviam apresentado formalmente suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (iNDC).

O relatório, previsto para ser apresentado a cada cinco anos, inclui as medidas de mitigação e adaptação renovadas pelos países para cumprir as metas do acordo. Juntos, os signatários que já apresentaram suas contribuições, entre eles o Brasil, representam cerca de 30% das emissões globais, de acordo com o relatório das Nações Unidas.

Em 2015, os líderes mundiais concordaram em limitar o aumento médio da temperatura global a menos de 2 ºC em relação aos níveis pré-industriais e conciliar esforços para restringi-lo a 1,5 ºC até 2035. Os novos planos de ação para alcançar essas metas, com horizonte de dez anos, deveriam ter sido apresentados até fevereiro deste ano, com nova revisão prevista para 2030. Nas últimas semanas, a pressão tem aumentado para que os países que ainda não o fizeram submetam suas contribuições antes do início da COP30.

As emissões decorrentes da queima de carvão, gás e petróleo estão provocando as mudanças no clima do planeta e levando a cada vez mais secas, enchentes, tempestades e calor mortal.

“Consequências devastadoras”

“A transição está em andamento, o progresso está acontecendo”, disse Melanie Robinson, diretora do programa global de clima, economia e finanças do World Resources Institute (WRI), citando investimentos já avançados em energia solar, veículos elétricos e financiamento climático. Mas isso não está acontecendo rápido o suficiente, ressaltou.

Em seu relatório, a ONU concorda que os novos NDCs mostram um “progresso em termos de qualidade, credibilidade e cobertura econômica”. Ao menos entre os países que já apresentaram seus planos, a expectativa é de uma redução nas emissões projetadas de 17% abaixo dos níveis de 2019.

Ainda assim, para o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, é “inevitável” que o planeta vá exceder o limite de aquecimento de 1,5 ºC.

“Vamos admitir nossa falha. A verdade é que não conseguimos evitar que a temperatura ultrapasse 1,5 °C nos próximos anos”, disse ele em entrevista exclusiva ao jornal britânico The Guardian publicada nesta sexta-feira (28/10), acrescentado que isso teria “consequências devastadoras”. “Algumas delas são pontos de inflexão — seja na Amazônia, na Groenlândia, na Antártica Ocidental ou nos recifes de corais.”

Segundo dados organizados pelo WRI, a União Europeia, a China e a Índia estão entre os grandes emissores que ainda não apresentaram suas metas. Outros, como Austrália, Rússia e Japão, têm sido criticados por não demonstrarem metas mais duras de redução dos gases do efeito estufa em comparação aos últimos dez anos. Os EUA, segundo maior emissor mundial, apresentou seu NDC, mas posteriormente se retirou do Acordo Paris.

Lacunas nas políticas ambientais

Em seu relatório, o Brasil trouxe maior clareza ao especificar cortes em determinadores setores para atingir sua ambiciosa meta de reduzir as emissões de gases de efeito estufa entre 59% e 67% em relação aos níveis de 2005. Contudo, a grande variação proposta se tornou alvo de especialistas, que acreditam que o modelo gera incerteza. Apesar de assumir papel de liderança ao presidir a COP30, o país também é criticado por avançar com a exploração de combustíveis fósseis.

Melanie Robinson acredita que mesmo com a entrega de todos os NDCs antes da COP, ainda há uma lacuna nas políticas ambientais.

“Acreditamos que os líderes precisam chegar a um acordo sobre uma resposta global decisiva para voltar ao caminho certo”, disse ela. Para Robinson, países deveriam se ater à meta de limitar o aquecimento global a 1,5 ºC grau, acelerar estratégias setoriais específicas para reduzir as emissões e esclarecer os caminhos para alcançar as metas nacionais de zero emissões líquidas.

“O quadro mais amplo é o de um mundo que já está pagando um preço enorme pelo aquecimento global, mas que também está se aproximando de pontos de inflexão econômicos em direção a um mundo mais seguro, saudável e rico, movido por energia limpa e resiliência climática”, disse Stiell.