Sérgio Fernandes e Marcos Zinani vão e voltam do trabalho de carro juntos, todos os dias. Eles se conheceram por meio do site Caronetas e há meses dividem custos e compartilham o tempo gasto no trajeto. Ana Luiza McLaren casou e sentiu seu apartamento ficar pequeno para duas pessoas. Então, juntou um monte de coisas encostadas e criou o blog Enjoei para vender tudo. A iniciativa teve tanto sucesso que foi promovida a site, reunindo muitos outros “enjoados”, e hoje é o sustento do casal.

Fernanda Dalla Costa adora ler, mas não faz questão de comprar livros na livraria. No portal DescolaAí ela encontrou a possibilidade de trocar obras com gente de todo o país. Marcelo Spinassé Nunes viu a esposa ajudar a amiga de uma amiga a decorar uma festa e criou a rede social Winwe para facilitar conexões que gerem troca de conhecimento e serviços – com o diferencial de não envolver pagamento em dinheiro. Rafael Mori se juntou a 749 fãs do DJ Tïesto para trazer seu ídolo ao Brasil com a ajuda da plataforma de patrocínio coletivo criada com três sócios.

Esses são exemplos recentes de uma mania que vem se disseminando pela – e graças à – internet: consumo colaborativo. Estão se multiplicando os sites de compartilhamento, de empréstimo, de troca ou venda de bens usados, de agendamento de caronas e de patrocínio compartilhado que aproximam interessados (quem oferece e quem procura), removem intermediários e criam novas redes de afinidades. “Eles quebram a lógica do individualismo estimulado pelo sistema econômico, que vive do consumismo combinado com obsolescência planejada – a estratégia de projetar tudo para ficar ultrapassado em curto prazo”, define o socioeconomista Marcos Arruda.

Nem sempre, entretanto, as iniciativas desse tipo acontecem de caso pensado. Ana Luiza confessa que a decisão de criar o blog Enjoei não teve o objetivo de reduzir o desperdício e cuidar do meio ambiente. Foi uma questão pessoal de ordem prática: falta de espaço no armário. “Mas é verdade que há um gosto especial em colocar uma coisa no correio, sabendo que outra pessoa vai continuar dando utilidade a ela”, completa. A linguagem divertida do blog atraiu leitores, compradores e gente que queria vender suas próprias coisas. Diante da demanda, em junho passado o blog virou site. O escritório que Ana abriu a partir daí foi todo equipado com móveis, acessórios e peças decorativas compradas no seu próprio site. Agora o Enjoei conta com uma equipe de 16 pessoas e sete mil produtos disponíveis para venda, e em um único dia recebe 600 novos artigos e realiza 300 transações.

“Acho que seria forçar a barra dizer que o perfil dos usuários é marcado pelo consumo consciente. Tem gente que está vendendo coisas simplesmente porque quer levantar dinheiro com o que tem parado em casa.” Para Ana, a distância do seu site para o Mercado Livre é pouca e muita ao mesmo tempo. “O barato do Enjoei é a curadoria. Tem um toque de amor e carinho, uma comunicação brincalhona e um visual bem cuidado.” O Enjoei seria um shopping em que é mais gostoso passear, e onde se consegue vender os produtos por um preço mais alto do que no Mercado Livre. Mas, ainda assim, um tanto abaixo dos valores sempre mais caros, e às vezes proibitivos, praticados hoje nas lojas de artigos novos.

União e força

O fato de o site de Ana Luiza não ter sido o produto de uma decisão ideológica não diminui o valor da proposta, segundo Marcos Arruda. “Aquilo que é portador de uma nova visão nasce às vezes da prática, e não da visão. Tirar riqueza morta e fazê-la circular é louvável. É uma iniciativa que mostra a criatividade dos consumidores, que são muito poderosos, mas não costumam ter consciência disso porque são fragmentados.”

O caso do site de crowdfunding (patrocínio coletivo) Ativa Aí é prova disso. “Queríamos equilibrar o sistema atual, em que só grandes empresários e empresas de entretenimento podem concretizar shows. Nossa vontade era democratizar a realização de eventos”, conta Mori. A plataforma, especializada em eventos culturais, surgiu em outubro de 2011, de olho na demanda no mercado de entretenimento. Começou com um desejo dos próprios sócios: fazer com que o DJ holandês Tïesto, um dos melhores do mundo, se apresentasse em São Paulo. De início, a cidade não estava incluída na turnê pela América Latina realizada em Novembro passado.

O site também está aberto a sugestões de terceiros. Os projetos apresentados são analisados pela equipe do Ativa Aí antes de ganhar a home page do site para conquistar patrocinadores. Neste ano de atividades, foram quatro shows – Tïesto, Raimundos, Soulfly e Atari – e a criação de um camarote especial no show do ex-Pink Floyd Roger Waters, todos concretizados por meio da plataforma.

O funcionamento é simples: os interessados nos eventos propostos compram cotas que, além de garantir o ingresso, muitas vezes dão direito a sessão de autógrafos, acesso à passagem de som e camisetas, entre outras coisas. Na melhor das hipóteses, o show pode sair de graça para o patrocinador, porque depois de arrecadar o montante necessário para pagar as contas começam as vendas de entradas na bilheteria e os “ativadores” podem ser reembolsados pela viabilização do projeto. “Essa é uma forma também de fidelizar ativadores. Por outro lado, se não juntamos o valor necessário para a realização do evento, o dinheiro é devolvido”, destaca Mori.

Fazer acontecer

 

O consumo colaborativo é a demonstração de que as pessoas podem se mexer sem ter de esperar que as empresas digam o que devem consumir, e sem depender do governo para atender a desejos e necessidades. Segundo a norte-americana Rachel Botsman, coautora do livro O Que É Meu É Seu (Editora Bookman, Porto Alegre, 2011), o consumo compartilhado é uma força cultural e econômica poderosa que está reinventando não apenas o que consumimos, mas a forma de consumir, além de pressionar pela resolução de problemas ambientais.

Para o site Caronetas trata-se de matemática: chegar mais cedo em casa implica tirar carros da rua, e a carona é uma solução que não depende nem de um centavo do poder público. “A conta é esta: hoje, existem cinco milhões de carros em São Paulo. Se todo motorista desse carona, 2,5 milhões de automóveis desapareceriam como num passe de mágica. Todo mundo ia chegar pelo menos 20 minutos mais cedo em casa, inclusive os usuários de ônibus, porque o trânsito ia andar”, explica Marcio Nigro, fundador do site que recebeu este ano o Smart Mobi Prize, reconhecimento internacional no setor de deslocamento urbano.

A fim de viabilizar a proposta de apresentar pessoas que vão para os mesmos pontos de forma prática, o Caronetas fechou acordo com as empresas para os funcionários interessados em se cadastrar usarem e-mails corporativos. “Dessa forma damos a garantia de que a pessoa que você vai colocar no seu carro trabalha em tal lugar, onde sabem muito da vida dela, e não é fruto de uma conta de e-mail fictícia”, diz Nigro. Mais de 300 mil pessoas que trabalham em 1.200 empresas – como Pepsi, Nextel, Vivo, Sul América, Catho, Leroy Merlin, Fnac – já aderiram à ideia, viabilizando em média cinco mil caronas por dia. O site cresce de 20% a 30% ao mês. “É bom para todo mundo. Menos carro nas ruas, menos poluição, menos trânsito e mais economia de gastos para os passageiros, sem perder a comodidade desse tipo de transporte.”

Quando a Usiminas divulgou o site Caronetas internamente, Sérgio Fernandes, especialista em logística, considerou o anúncio uma boa referência. “Se ela divulgou é porque avaliou e considera a iniciativa séria. Gostei da ideia e ofereci a carona”, relata. Ao ver pelo Caronetas que o trajeto casa-trabalho do Sérgio coincidia com o seu, Marcos Zinani, também da Usiminas, foi conversar com o colega. A partir de então passaram a ir e voltar do trabalho todos os dias juntos.

De volta às raízes

A intenção de Marcelo Nunes ao criar a rede social colaborativa Winwe também foi viabilizar velhos costumes comunitários, por meio da internet. “Sou do interior do Espírito Santo, de uma cidade pequenininha, onde a troca é natural. Em São Paulo e Rio de Janeiro as pessoas são mais reservadas. Até para encontrar um eletricista é complicado!”, comenta. Ele queria oferecer uma forma simples de conectar pessoas que não se conhecem, mantendo certo nível de segurança para troca de serviços. A fim de evitar o uso de dinheiro, Nunes criou uma moeda virtual: o job (“trabalho”, em inglês). Assim, um professor de idioma, por exemplo, pode “vender” aulas a outro usuário e juntar os jobs que precisa para “pagar” o serviço do marceneiro.

O próximo passo de Nunes será linkar a Winwe ao Facebook para os usuários terem mais informações sobre as pessoas com quem estão tratando e também permitir a criação de subgrupos de amigos ou de pessoas que moram na mesma região. “Se for usada direito, a ferramenta vai ajudar muita gente.” A duas semanas do lançamento, em agosto, a rede já contava com dez mil usuários, reunia mil ofertas e 500 demandas.

Há mais tempo no ar, o DescolaAí sabe que no início os usuários entram para espiar e só aos poucos as transações vão se multiplicando. No primeiro mês, o site de troca e aluguel viu três mil cadastros acontecerem, mas a atividade era baixa. “Com o surgimento de mais sites do mesmo tipo e a maior divulgação sobre consumo colaborativo, o interesse foi aumentando”, lembra o diretor e idealizador, Guilherme Brammer. Hoje o portal possui 15 mil usuários por todo o Brasil e promove mil trocas por mês, sobretudo de livros e CDs. “É uma mudança de mentalidade: acabou aquele negócio de ‘eu crio e você consome’.”

“O aluguel, entretanto, não emplacou. Mesmo com 600 artigos disponíveis e a boa exposição do site na mídia, não aconteceram nem dez alugueis este ano”, revela Brammer. O problema, afirma, é a desconfiança e a insegurança do brasileiro. “Ele pode alugar um terno numa loja, mas não o videogame de um vizinho do prédio. E se quebrar? E, do outro lado, se não me devolver?”

A Tecnisa, construtora e incorporadora no segmento da construção residencial, decidiu promover a bandeira do consumo compartilhado entre os moradores de seus empreendimentos, por meio do Facebook, mas sabe que o assunto ainda encontra muitos entraves. “Com 30 mil unidades lançadas no mercado, entendemos que cada um dos nossos empreendimentos é uma comunidade criada, pois são cerca de 50 a 150 famílias que passam a morar juntas. Na nossa visão, a proximidade física facilita que a escada e a furadeira sejam compartilhadas, por exemplo. O nosso aplicativo para Facebook facilita a conexão entre os vizinhos”, descreve Patrícia Alves, gerente de marketing da Tecnisa.

“De um lado temos os recursos mais escassos e, de outro, uma consciência mais elevada. Agora que o cerco está mais apertado, as pessoas estão em busca de soluções mais efetivas, mais coletivas. Acho que demorou para chegarmos até aqui, mas não é possível acelerar o curso do rio”, analisa Rita Mendonça, especializada em sociologia do desenvolvimento e ciências biológicas, autora de Meio Ambiente & Natureza (Editora Senac, São Paulo, 2012). Rita é adepta das feiras e dos mercados de troca. Para ela, a humanidade está em processo evolutivo e o consumo colaborativo é um novo passo no sentido de encontrar um estilo de vida menos extenuante e individualista, baseado no consumo inteligente e compartilhado.