A quase 650 quilômetros de profundidade abaixo de nossos pés encontra-se um vasto mundo de temperaturas e pressões extremas que está se agitando e evoluindo por mais tempo do que os humanos no planeta. Um novo modelo detalhado elaborado por pesquisadores da França e dos Estados Unidos ilustra o surpreendente comportamento dos minerais nas profundezas do planeta ao longo de milhões de anos e mostra que os processos estão realmente acontecendo de uma maneira completamente oposta ao que havia sido teorizado anteriormente. Um artigo descrevendo o estudo foi publicado na revista Nature.

“Apesar do enorme tamanho do planeta, as partes mais profundas são frequentemente negligenciadas porque estão literalmente fora de alcance – não podemos fazer uma amostragem delas”, disse Jennifer M. Jackson, professora de física mineral do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech, nos EUA) e coautora do estudo. “Além disso, esses processos são tão lentos que parecem imperceptíveis para nós. Mas o fluxo no manto inferior se comunica com tudo o que toca; é um mecanismo profundo que afeta as placas tectônicas e pode controlar a atividade vulcânica.”

O manto inferior do planeta é de rocha sólida, mas ao longo de centenas de milhões de anos ele escoa lentamente, como um caramelo espesso, transportando calor por todo o interior do planeta em um processo chamado convecção.

Questões sem resposta

Muitas questões permanecem sem resposta sobre os mecanismos que permitem que essa convecção aconteça. As temperaturas e pressões extremas no manto inferior – até 135 gigapascais e milhares de graus Celsius – dificultam a simulação em laboratório.

Para referência, a pressão no manto inferior é quase mil vezes a pressão no ponto mais profundo do oceano. Assim, embora muitos experimentos de laboratório em física mineral tenham fornecido hipóteses sobre o comportamento das rochas do manto inferior, os processos que ocorrem em escalas de tempo geológicas para conduzir o fluxo lento da convecção do manto inferior têm sido incertos.

O manto inferior é composto principalmente de um silicato de magnésio chamado bridgmanita, mas também inclui uma quantidade pequena, mas significativa, de um óxido de magnésio chamado periclase misturado entre a bridgmanita, além de pequenas quantidades de outros minerais. Experimentos de laboratório já haviam mostrado que a periclase é mais fraca que a bridgmanita e se deforma mais facilmente, mas esses experimentos não levaram em conta como os minerais se comportam em uma escala de tempo de milhões de anos. Ao incorporar essas escalas de tempo em um modelo computacional complexo, Jackson e seus colegas descobriram que os grãos de periclase são realmente mais fortes do que a bridgmanita que os cerca.

Inversão de comportamento

“Podemos usar a analogia do boudinage [um tipo de estrutura geológica] no registro de rocha, em que boudins, que em francês significa salsichas, se desenvolvem em uma camada de rocha rígida, ‘mais forte’, entre rochas menos competentes, ‘mais fracas’”, afirmou Jackson.

“Como outra analogia, pense em pedaços de manteiga de amendoim”, explicou Jackson. “Há décadas pensamos que a periclase era o ‘óleo’ da manteiga de amendoim e agia como o lubrificante entre os grãos mais duros da bridgmanita, a manteiga. Os grãos de periclase acompanham o fluxo, mas não afetam o comportamento viscoso, exceto em circunstâncias em que os grãos estão fortemente concentrados. Mostramos que sob pressão, a mobilidade é muito mais lenta na periclase em comparação com a bridgmanita. Há uma inversão de comportamento: a periclase dificilmente se deforma, enquanto a fase principal, bridgmanita, controla a deformação no manto profundo da Terra.”

Compreender esses processos extremos que acontecem muito abaixo de nossos pés é importante para criar simulações quadridimensionais precisas de nosso planeta e também nos ajuda a compreender mais sobre outros planetas. Milhares de exoplanetas (planetas fora do nosso Sistema Solar) já foram confirmados, e descobrir mais sobre a física mineral sob condições extremas fornece novos conhecimentos sobre a evolução de planetas radicalmente diferentes do nosso.