Os mistérios do cosmos continuam a surpreender os astrônomos, e com cada nova observação surge uma chance de aprofundar – ou derrubar – nossa compreensão do universo.

Em artigo publicado na revista Nature, uma equipe internacional de astrofísicos relata a descoberta de uma explosão cosmológica única de raios gama (GRB) que desafia as teorias predominantes de como as violentas explosões cósmicas se formam. Essa explosão “estranha” levou a equipe a propor um novo modelo, ou fonte, para certos tipos de GRBs.

Explosões de raios gama são as explosões mais luminosas e violentas do universo. Eles significam a morte de estrelas ou colisões de remanescentes estelares. As GRBs observadas são normalmente colocadas em duas categorias: GRBs de curta ou longa duração. As GRBs longas se originam da morte de estrelas massivas e são tipicamente associadas a transientes ópticos (fenômenos visíveis por um período curto de tempo) brilhantes chamados supernovas. As GRBs curtas têm uma duração de menos de dois segundos e se originam das colisões de duas estrelas de nêutrons ou uma estrela de nêutrons e um buraco negro, e são tipicamente associadas a transientes ópticos mais fracos conhecidos como kilonovas.

Assinatura surpreendente

Por décadas, as GRBs se encaixaram perfeitamente nessas categorias aconchegantes. Até agora.

Em 11 de dezembro de 2021, uma GRB acionou vários detectores de raios gama no espaço, incluindo o telescópio espacial Fermi de raios gama e o Observatório Neil Gehrels Swift, da Nasa. Essa rajada, com uma duração de quase 70 segundos, normalmente seria considerada como uma GRB longa normal. Mas várias equipes dos EUA e da Europa realizaram observações de acompanhamento e descobriram nelas uma assinatura surpreendente.

“Essa GRB inclui duas partes: um pico forte de 13 segundos e uma emissão estendida mais suave de 55 segundos”, disse o autor correspondente do estudo Bin-Bin Zhang, ex-aluno da Universidade de Nevada em Las Vegas (EUA) que atualmente trabalha na Universidade de Nanjing (China). “A duração do pico forte de 13 segundos deveria ter excluído completamente essa explosão da categoria GRB curta.”

Em outras palavras, em vez de mostrar uma supernova muito mais brilhante, como esperado, a observação foi consistente com uma kilonova, que é mais tipicamente associada a uma GRB curta.

Novo modelo

“Uma GRB tão peculiar foi a primeira de seu tipo já detectada”, disse o professor de astrofísica da Universidade de Nevada em Las Vegas Bing Zhang, coautor do artigo. “Essa descoberta não apenas desafiou nossa compreensão das origens da GRB, mas também nos obriga a considerar um novo modelo de como algumas GRBs se formam.”

A equipe de pesquisa acredita que essa GRB única, conhecida como GRB 211211A, provavelmente se formou através da colisão entre uma estrela de nêutrons e uma anã branca, o que é conhecido como fusão WD-NS.

As anãs brancas são objetos do tamanho da Terra que se formam a partir da morte de estrelas de baixa massa – aquelas com massa menor que a de cerca de oito Sóis. As estrelas de nêutrons se formam quando estrelas mais massivas, aquelas com massa entre cerca de oito e 20 Sóis, morrem. Quando estrelas ainda maiores morrem, elas formam buracos negros diretamente.

Densidades intermediárias

Estrelas massivas e de baixa densidade produzem GRBs de longa duração, enquanto estrelas de alta densidade, incluindo estrelas de nêutrons, produzem GRBs de curta duração. De acordo com Bing Zhang, as anãs brancas têm densidades intermediárias. Isso as torna origens ideais para o tipo de GRB descoberto em 2021, pois o fenômeno exibe uma duração intermediária sem envolver uma estrela massiva.

“Apesar do número relativamente grande de GRBs observadas a cada ano, a assinatura única da GRB 211211A ultrapassou os limites de nossos sistemas categoriais atuais e exigiu uma nova maneira de pensar”, disse Zhang. “Após uma análise cuidadosa, o único cenário de fusão que fazia sentido era o de uma anã branca e uma estrela de nêutrons.”

Shunke Ai, doutorando da Universidade de Nevada em Las Vegas, e um estudante da Universidade de Nanjing colaboraram para desenvolver um modelo detalhado para interpretar a peculiar assinatura de kilonova observada na GRB 211211A. Ai descobriu que se uma fusão WD-NS deixa para trás uma estrela de nêutrons girando rapidamente, conhecida como magnetar, a injeção de energia adicional do magnetar combinada com a energia da reação nuclear do material lançado durante a explosão pode explicar a emissão de kilonova observada para a GRB 211211A.