“Evite gordura”, “não coma carboidratos”, apregoam autores de certas dietas, com base nos males que o excesso dessas

substâncias faz ao corpo. Mas é a moderação, e não o radicalismo, que deve prevalecer: tudo o que é consumido na quantidade certa só benefi cia a saúde

Na era dos fast-foods e das “bombas” calóricas, ganha força a ideia de se manter uma dieta “saudável” – ou melhor, a falsa dieta saudável. “Não coma carboidratos. Não ingira nenhum tipo de gordura. Nada de sal na comida.” Essas regras são a face mais evidente de dietas que demonstram o medo de uma série de doenças causadas pelo consumo exagerado desses componentes. Por medo, muitas pessoas acabam banindo alguns nutrientes da alimentação – e se prejudicam por isso.

Já dizia o ditado que tudo em excesso faz mal. Mas isso não significa que parar de consumir determinado alimento faça algum bem. “As dietas restritivas são, em sua maioria, deficientes em uma série de macronutrientes (carboidratos, gorduras e proteínas) e micronutrientes (vitaminas e minerais)”, alerta Bruna Elias Rebello, nutricionista do departamento de Nutrição Clínica da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP). Segundo ela, quando há falta de algum nutriente, nosso corpo trabalha para suprir a carência. “Se falta cálcio, famoso por ser importante para os ossos, mas igualmente importante para diversos processos celulares, o corpo se mobiliza para retirar esse micronutriente dos ossos”, exemplifica.

Nossa dieta deve ser colorida e diversificada, recomenda o nutricionista Daniel Henrique Bandoni, do departamento de Nutrição da FSP-USP. Segundo ele, as refeições diárias devem conter porcentagens de macronutrientes adequadas à nossa necessidade energética: cerca de 55% a 60% do total de calorias diárias da dieta deve ser composto por carboidratos, de 20% a 30%, por gorduras e de 10% a 15%, por proteínas. Portanto, o recomendável é consumir de tudo um pouco, em porções moderadas, em vez de banir alguns nutrientes tachados de prejudiciais à saúde. Veremos agora alguns “mitos” da nutrição.

Gorduras

Com o objetivo de emagrecer e manterem-se magras, muitas pessoas deixam de consumir gordura. Trata-se de um erro grave, pois ela é um componente essencial da nossa alimentação. “Gordura é importante para o transporte de vitaminas no organismo, por exemplo”, diz a nutricionista Bruna. Gorduras, proteínas e carboidratos compõem o grupo de macronutrientes, as três fontes de energia diária que temos. “Há um grande mito de que a gordura é muito ruim”, observa Bandoni. “Na verdade, a gente tem de consumir gordura entre 20% e 30% do total de calorias da nossa dieta. A gordura é proveniente de uma dieta saudável, mas, acima da porcentagem mencionada, se torna insegura.” Bandoni incentiva o consumo das gorduras oriundas de peixe, de óleo vegetal, de azeite de oliva e até mesmo de óleo de soja. Segundo ele, esses alimentos são fontes das gorduras que aumentam o nível de colesterol bom. Ele lembra, no entanto, que tipos específicos de gordura, como a trans e a saturada, prejudicam a saúde, pois são associados ao aumento do colesterol ruim. As gorduras trans podem ser encontradas em produtos industrializados, como margarinas e congelados, como meio de dar firmeza e ressaltar o sabor. Já as saturadas são encontradas em carnes gordas. O nutricionista não proíbe a ingestão dessas carnes, mas recomenda que as pessoas variem, comendo mais peixe e frango.

Carboidratos

Outro macronutriente frequentemente confundido com um vilão dos alimentos, o carboidrato é essencial para uma alimentação saudável, além de ser a base da nossa alimentação. Bandoni recomenda que de 50% a 60% das calorias ingeridas em nossa dieta sejam compostas por carboidratos. “Os carboidratos presentes em cereais, pães, massas, raízes, tubérculos, frutas, verduras, açúcares e doces têm a função de fornecer energia ao corpo humano; quando digeridos, são quebrados em glicose, que é o combustível da célula”, explica Bruna.

Os açúcares são uma forma mais simples de carboidratos – duas moléculas formam a sacarose, açúcar de cozinha. Bandoni é cauteloso quanto à ingestão desse alimento: “Recomendamos o consumo de açúcar de, no máximo, até 10% do total de energia da nossa alimentação.”

Sal

O sal é associado a derrames, pressão alta, ataques cardía cos e doenças nos rins – mas parte dessa crença se baseia em pesquisas médicas de muito tempo atrás, dizem os britânicos Stanley Feldman, professor de anestesia da Universidade de Londres, e Vincent Marks, ex-professor de bioquímica da Universidade de Surrey. Em seu livro Global warming and other bollocks (“Aquecimento global e outras bobagens”, John Blake Publishing), que busca desmistificar abordagens extremadas de certos temas científicos, eles observam que, antes de surgirem os primeiros remédios contra pressão alta, os pacientes eram forçados a seguir uma dieta com pouquíssimo sal.

O sal é, na verdade, um alimento essencial para o organismo. Por exemplo, é impossível transpirar sem sal. O resultado de não liberar suor após um exercício puxado é o superaquecimento do corpo, que pode levar à morte. Bandoni ressalta que o sódio, que representa 40% do sal de cozinha e é considerado o “vilão do sal”, responde pelo mecanismo celular ligado aos processos de contração muscular de condução dos impulsos nervosos. Mas o nutricionista alerta que, mesmo com os benefícios desse composto, deve haver moderação: “No Brasil, estima-se que consumimos o dobro do que é recomendável (em torno de seis gramas). Podemos reduzir o sal que pomos no arroz, no feijão, porque isso não altera o gosto. Pessoas que trabalham com redução de sal na fórmula do pão – retiram 30% dele – dizem que ninguém nota a diferença.”

“Evite gordura”, “não coma carboidratos”, apregoam autores de certas dietas, com base nos males que o excesso dessas

substâncias faz ao corpo. Mas é a moderação, e não o radicalismo, que deve prevalecer: tudo o que é consumido na quantidade certa só benefi cia a saúde

Vitaminas

A crença de que as vitaminas ajudam a prevenir doen ças cardíacas não passa de um mito – pelo menos é o que concluiu um estudo publicado no Journal of the American Medical Association (Jama) em 2008.

A pesquisa usou 14.641 médicos homens, divididos em quatro grupos com cerca de 3.600 pessoas. O grupo 1 tomou uma dose de vitamina E dia sim, dia não, e outra de vitamina C diariamente. Nos mesmos prazos, o grupo 2 ingeriu vitamina E e um placebo da vitamina C; o grupo 3, vitamina C e um placebo da E; e o grupo 4, apenas placebos. Para evitar distorções no estudo, nenhum dos participantes sabia o que cada grupo ingerira. Depois de oito anos analisando os resultados, os pesquisadores não encontraram diferença entre os grupos em relação à incidência de males como derrames, ataques e falências cardíacas. Segundo o autor principal do estudo, Howard D. Sesso, professor assistente do Brigham and Women’s Hospital, nos Estados Unidos, ainda não se comprovou nada sobre os suplementos multivitamínicos.

“Muitas pessoas acreditam que só a alimentação não é suficiente para suprir suas necessidades e acabam tomando suplementos vitamínicos”, diz Bruna. Para Feldman e Marks, não há evidências de pessoas que, adotando uma dieta balanceada, tenham desenvolvido deficiência de vitaminas. Bandoni acrescenta: “Em certos casos, pode haver uma ingestão excessiva de vitaminas. Boa parte delas Fotos vai ser eliminada pela urina. Então, é jogar dinheiro fora.” Feldman e Marks asseguram que esse excesso é causado pela ingestão descontrolada de suplementos vitamínicos. “A alimentação natural dificilmente leva a esse quadro”, garante Bruna. Os suplementos são indicados apenas para pessoas que apresentem alguma patologia ou que, por algum motivo específi- co, tenham carência de vitaminas

As consequências da hipervitaminose (excesso de vitaminas no corpo) dependem do tipo de vitamina, diz Bruna, mas, em geral, todas sobrecarregam os rins. Bandoni cita a vitamina C, cujo excesso é eliminado pela urina, e a A, que, em demasia, pode mudar a pigmentação da pele e causar lesões no fígado.

Aditivos e conservantes

Os dizeres “sem aditivos ou conservantes” convencem muitas pessoas a comprar certos produtos. Mas, segundo Feldman e Marks, poucas comidas são ingeridas sem passar por processos que alterem sua natureza química – o ato de cozer já é um exemplo de mudança no alimento. Eles afirmam que muitos alimentos que consideramos “puros” contêm substâncias que, em grande quantidade, fazem mal ao organismo. A amêndoa, por exemplo, tem cianeto; a banana, potássio. Mas dificilmente uma pessoa ingere uma quantidade perigosa de certos compostos apenas por fonte alimentar. Bandoni afirma também que ainda não há muitos estudos que comprovem os benefícios ou malefícios dos aditivos alimentares. Devido a essa falta de pesquisa sobre o tema, ele recomenda que as pessoas consumam produtos com aditivos moderadamente.

Junk food

O termo junk food – “comida-lixo”, em tradução literal – é contestado por Feldman e Marks. A expressão é um paradoxo, segundo eles, porque ou é comida, que pode ser ingerida, ou é lixo, que não deve nem passar pela boca. Eles acreditam também que ingerir gordura, ou comer num restaurante fast-food, não representa problema – desde que se tenha uma dieta bem balanceada, é claro.

O que importa mesmo é a dieta como um todo. Se você almoçar num fast-food e nos dias seguintes compensar se alimentando com comida caseira, já dará um grande passo para obter uma dieta balanceada. A esse respeito, uma nova área de pesquisa da disciplina de telemedicina da Faculdade de Medicina da USP, chamada Academia Nutricional, estuda métodos de reeducação dos hábitos alimentares por meio do acompanhamento de um nutricionista na elaboração de pratos balanceados (ver PLANETA 440, págs. 66-70). Seguindo os preceitos da Academia, os pacientes gradualmente substituiriam maus hábitos alimentares por bons, provando novos sabores dos alimentos naturais e planejando, com a ajuda do nutricionista, uma dieta saborosa e equilibrada ao longo da semana. Que bem pode conter ingredientes rotineiros nos restaurantes populares do País, como assinala Bandoni: “O hábito tradicional do brasileiro, que é o arroz com feijão, com acompanhamento de um legume e de uma porção moderada de carne, é extremamente saudável.”

Perfil da saúde do brasileiro

A pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico, a Vigitel 2008, entrevistou 54 mil pessoas residentes nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. A conclusão foi que o brasileiro está mais atento à saúde, praticando mais exercícios físicos, consumindo mais hortaliças e frutas e menos carnes gordurosas. No entanto, ainda persiste o número de pessoas com excesso de peso, obesos e que consomem bebida alcoólica de modo abusivo.

Em 2008, 19% dos entrevistados disseram ter consumido álcool em demasia nos últimos 30 dias. Em 2007, esse índice era de 17%. Segundo a Vigitel, o consumo é mais frequente em pessoas entre 18 e 44 anos.

Em 2008, 19% dos entrevistados disseram ter consumido álcool em demasia nos últimos 30 dias. Em 2007, esse índice era de 17%. Segundo a Vigitel, o consumo é mais frequente em pessoas entre 18 e 44 anos.

Uma boa notícia: em 2008, 15,7% dos brasileiros declararam consumir a quantidade de hortaliças e frutas recomendada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que é de cinco porções em cinco ou mais dias da semana. Essa porcentagem é três vezes maior do que a registrada em 2006.