31/10/2014 - 10:33
Cada vez mais frequentes em metrópoles congestionadas, os microapartamentos são uma resposta às novas necessidades urbanas e às mudanças do estilo de vida. Chegou a vez da casa para ficar pouco em casa.
Publicada em 23/12/2013
A uns 100 metros da estação de metrô Tatuapé, na zona leste de São Paulo, fi ca o apartamento de Áurea Karpor, 34 anos. O imóvel tem 33 m2, o que exige da diretora teatral muita improvisação e criatividade para organizar a pequena área, que ela ainda compartilha com um amigo. Os dois trabalham juntos e têm os mesmos horários, o que signifi ca que quando um está em casa o outro, invariavelmente, lhe faz companhia. A solução, então, é revezar o uso dos espaços conforme a necessidade.
Nenhum dos dois tem planos de sair. Além da proximidade da estação de metrô, que os leva para o centro da cidade em dez minutos, seu apartamento está cercado de lojas, restaurantes, bares, agências bancárias e dois shoppings. Ficar longe dessas comodidades urbanas, ainda que seja para ter um lar mais espaçoso, está fora dos planos.
Casos assim são cada vez mais comuns em metrópoles do mundo inteiro. Diante do grande problema que se tornou a mobilidade nos grandes centros, as pessoas estão preferindo morar em áreas adensadas que, apesar de superpovoadas, oferecem boa infraestrutura urbana, serviços e transporte público.
Ocorre que, como o valor do metro quadrado é mais caro nessas regiões – de maneira inversamente proporcional à disponibilidade de terrenos – a solução das construtoras é “erguer pequenas unidades para otimizar o uso da área e continuar vendendo imóveis a um preço que caiba no bolso do público”, diz o engenheiro civil João da Rocha- Lima Junior, professor titular de Real Estate da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Epusp).
Cidades como Rio de Janeiro e até Ribeirão Preto, no interior paulista, também já sentem esse processo. O símbolo dessa transformação que induz ao encolhimento global das moradias é Tóquio, onde há dez anos uma explosão no preço dos terrenos fez surgir apartamentos tão pequenos que parecem cápsulas urbanas. Em Hong Kong e na capital japonesa não faltam “hotéis-gaveta” e quartos embutidos nas paredes como prateleiras.
Apertamento global
Nova York atravessa uma fase parecida. Em julho de 2012, o prefeito Michael R. Bloomberg declarou que a cidade precisava se adaptar às necessidades do século XXI e achar uma solução para frear os preços exorbitantes e atender à demanda por residências =menores. A metrópole tem quase 2 milhões de lares com só uma ou duas pessoas e apenas 1 milhão de apartamentos de um quarto disponíveis, caríssimos. Todos querem um.
Na ocasião, ele lançou um concurso para a construção de apartamentos inovadores de 23 m2 a 34 m2 em Manhattan. O projeto vencedor sairá do papel até setembro de 2015, segundo as previsões. Se for bem-sucedido, Bloomberg acredita que poderá seguir adiante com a proposta de modificar a metragem mínima, atualmente de 37 m2, para novas obras.
Em São Paulo, onde a tendência se manifesta com mais força no Brasil, foram vendidos 4.147 apartamentos com até um dormitório nos primeiros seis meses de 2013, 330% a mais em comparação com o primeiro semestre do ano passado. O número de lançamentos nessa categoria foi igualmente alto: 3.565 unidades, 377% a mais em relação ao mesmo período de 2012. “Cerca de 95% desses imóveis estão no centro expandido”, afirma Celso Petrucci, economista-chefe do Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis Residenciais e Comerciais de São Paulo (Secovi-SP), que elaborou o levantamento.
Quanto à metragem, de 2004 em diante esses apartamentos encolheram quase 23%, passando de 52,4 m2 para 40,7 m2, em média. Mesmo assim, são mansões se comparadas às caixinhas de fósforo de San Francisco (EUA), onde é permitido construir “residências” com 20 m2, e de Vancouver (Canadá), cuja área mínima é de 21 m2. Tempos modernos.
Poupança curta
Por serem menores, os imóveis têm um preço proporcionalmente mais baixo, assim como o valor do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do condomínio. Isso os torna atraentes às poupanças individuais e explica seu sucesso comercial, esclarece Petrucci: “A maioria dos compradores na capital paulista tem entre 25 e 35 anos. São pessoas que valorizam a mobilidade, que trabalham muito, mas que também saem muito.”
A Vitacon é uma das construtoras que apostam no modelo. No seu portfólio de 36 empreendimentos, 25 oferecem moradias compactas. Em São Paulo, o edifício Quatá, lançado na Vila Olímpia com áreas privativas a partir de 19 m2, – “o menor apartamento de São Paulo”, segundo a publicidade – vendeu todas as 86 unidades em um dia. O que cabe aí? Não muito. No espaço podem ser acomodados uma cama de casal, um pequeno armário, uma pia, duas cabines de banheiro (uma com chuveiro e outra com vaso sanitário) e uma bancada para acoplar eletrodomésticos. O preço? R$ 266 mil.
A Requadra, outra empresa que investe no filão, ganhou a atenção do mercado ao vender 256 apartamentos no intervalo de duas horas. Situado na Bela Vista, na região central da capital paulista, o prédio tem apartamentos de um e dois dormitórios, com 36 m2 e 50 m2, respectivamente – os menores custam R$ 160 mil.
Mudança antropológica
Além do fator econômico e da localização, a escolha por residências compactas reflete as mudanças no estilo de vida. O arquiteto Paulo Lisboa, membro da diretoria da Associação Brasileira dos Escritórios de Arquitetura (Asbea), acredita que as novas gerações se pautam por uma “mentalidade mais sustentável”. A tendência é compartilhar serviços e assumir tarefas domésticas antes transferidas a profissionais. Nesse raciocínio, quanto menor a área, melhor.
Alexandre Lafer Frankel, CEO da Vitacon, também fala em transformações sociais para justificar a estratégia de negócios. Ele afirma que lavar roupa e cozinhar em casa são atividades em via de extinção nas metrópoles. “Todo mundo quer mais praticidade e menos empecilhos. O tempo livre é para ser gasto de outra forma”, declara. “As pessoas não moram nas cidades à toa. Elas enfrentam todos os problemas inerentes
a qualquer centro urbano porque valorizam as oportunidades profissionais e as opções de entretenimento concentradas ali”, completa.
Um apartamento bem localizado e que não dê trabalho é o ideal para esse público, acredita o executivo. Afinal, por que ter uma cozinha espaçosa se você vai acabar consumindo alimentos prontos, vendidos em supermercados? Por que habitar uma área de 70 m2 se vai passar uma boa parte do tempo fora de casa, aproveitando as atrações culturais e de lazer da cidade?
O engenheiro Fernando Monte Oliva Garcia, 25 anos, mora em um microapartamento de 28 m2 perto da estação de metrô São Judas, na zona sul de São Paulo. Para lá, só vai para dormir e tomar banho. “Trabalho 12 horas por dia, no mínimo. À noite faço um lanche rápido e nos fins de semana saio para comer em restaurantes com amigos. Desde que me mudei para cá, em 2011, utilizei o fogão apenas uma vez”, afirma.
Por isso, esses imóveis têm espaço apenas para o essencial, mas com conforto. “Estudamos o layout de aeronaves e de barcos para melhorar o uso do espaço”, revela Frankel. “Ninguém come e dorme ao mesmo tempo. Enprofistão, em uma área de 25m2 , você pode ter uma cama que, ao ser recolhida, dá espaço para uma mesa de jantar”, exemplifica. Como a área de serviço é minúscula – senão inexistente –, também dá para usar a lavanderia do condomínio. Essas facilidades são oferecidas por vários empreendimentos do gênero. O problema é que, enquanto o espaço encolhe, o preço diminui pouco.
Novos serviços
Em alguns microapês, os clientes podem terceirizar o serviço de lavanderia sem sair do prédio. As empresas parceiras são acionadas por um SMS enviado pelo cliente, que deixa as roupas em um armário e as retira limpas no mesmo lugar, horas ou dias depois, dependendo do que for contratado.
Como muitos compram mantimentos pela internet, há prédios preparados para receber alimentos e demais produtos e armazená-los em uma área refrigerada até a chegada do morador. “Procurei um apartamento para não ter trabalho”, diz a estilista Juliana Silva, 35 anos, que habita um dos prédios desenvolvidos pela Vitacon, na sofisticada Vila Olímpia.
Extinguir espaços ociosos não implica acabar com a vida social e deixar de receber amigos em casa. Marcos França, diretor comercial da Requadra, conta que as áreas comuns dos prédios funcionam como verdadeiras extensões dos apartamentos. Em seus empreendimentos, há espaços equipados para cozinhar e servir, escritórios – ideais para profissionais autônomos que precisam realizar reuniões –, além de spa, academia e outras facilidades.
Segundo Lisboa, a procura por esses imóveis também tem motivações antropológicas: os casamentos cada vez mais tardios, o aumento dos divórcios, o maior número de idosos morando sozinhos sem filhos e o prolongamento da vida estudantil, com a maior adesão das pessoas a programas de pós-graduação, também pesam.
Adensar e verticalizar
Do ponto de vista urbanístico, a popularização desse tipo de empreendimento torna as cidades mais densas. O aumento esperado da verticalização, no entanto, não é visto de maneira negativa pelos especialistas. “Desconcentrar a cidade requer investimentos em infraestrutura numa capacidade sempre superior à da prefeitura de supri-los”, diz Rocha-Lima Júnior. “Manter a população em regiões centrais, providas de serviços e de toda a estrutura necessária, pode diminuir os deslocamentos e trazer mais qualidade de vida”, defende.
Lisboa avalia que o adensamento também favorece a criação de espaços multiuso nas cidades, elemento que contribui igualmente para minimizar o trânsito. “Tem coisa melhor do que sair de casa, andar duas quadras e jantar em seu restaurante favorito?”, declara o arquiteto.
A Prefeitura de São Paulo pretende impulsionar esse processo com a proposta do novo Plano Diretor Estratégico (PDE), que será discutido e votado no início de 2014. De acordo com o professor Rocha-Lima Júnior, o projeto induz a construção de unidades compactas em áreas localizadas no entorno de grandes eixos de deslocamento, que são as estações de trem e de metrô e os corredores de ônibus. Nesses espaços, será possível construir até quatro vezes mais do que a área o terreno, enquanto nas demais áreas esse aproveitamento será de apenas duas vezes. Também haverá um limite para vagas de garagem: uma por apartamento ou nenhuma, o que não é permitido atualmente.
Se depender de pessoas como Fernando Garcia, que não sofrem de claustrofobia, o modelo será bem aceito. Além de estar disposto a morar em espaços que mais parecem closets, ele considera a possibilidade de mudar de apartamento sempre que mudar de trabalho, tudo para evitar os congestionamentos. O engenheiro conta que antes usava o metrô para trabalhar, pois a localização do antigo empregador lhe permitia isso. Sem essa possibilidade hoje, estuda mudar-se das imediações do bairro da Saúde para a Aclimação. “Ficar 30, 40 minutos no trânsito já é muita coisa para mim”, diz Garcia.
Fica a dúvida se o ideal outrora “familiar” de morar em bairros afastados, formatados como condomínios-clubes, será substituído pelo sonho individual do microapê no centro e equipado com o básico e essencial, sem garagem. Talvez os dois modelos correspondam a momentos diferentes na vida.
* ABECIP é a Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança