Condenado a 27 anos e três meses de prisão por crimes contra a democracia, ex-presidente vai começar a cumprir pena na sede da PF em Brasília. Defesa pode voltar a pedir prisão domiciliar.O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinou nesta terça-feira (25/11) que o ex-presidente Jair Bolsonaro comece a cumprir, em regime fechado sua pena de 27 anos e três meses de prisão por crimes contra a democracia.

Por ordem de Moraes, Bolsonaro vai permanecer detido para cumprimento da pena na sede da Superintendência da Polícia Federal em Brasília, onde já está preso preventivamente desde o último sábado (22/11), após tentar violar sua tornozeleira eletrônica. Moraes viu risco de fuga na ação.

A decisão histórica acontece quase três anos após uma turba de manifestantes depredar a Praça dos Três Poderes numa tentativa de reverter o resultado das eleições de 2022. Considerado líder do grupo que tentou executar um golpe de Estado, o ex-presidente também foi condenado pelos crimes de organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça e deterioração de patrimônio tombado.

Com isso, Bolsonaro passa da prisão preventiva, que foi recentemente acatada por unanimidade pela Primeira Turma do STF, à definitiva.

Outros condenados como parte de núcleo “crucial” de trama golpista também tiveram a execução de sua pena determinada.

Entre eles estão Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa; e Almir Ganier, ex-comandante da Marinha, que também foram presos nesta segunda-feira.

Outro ex-ministro de Bolsonaro, Walter Braga Netto, teve sua prisão determinada. Ele estava detido preventivamente por tentativa de obstruir a investigação. Acusado de comandar a operação que visava assassinar autoridades, ele cumprirá 26 anos de prisão na 1ª Divisão do Exército, a Vila Militar, no Rio de Janeiro.

O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro Mauro Cid cumpre dois anos de prisão em regime aberto por acordo de delação premiada. Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também teve pena determinada, mas é considerado foragido por estar nos EUA.

Por determinação de Moraes, Anderson Torres, ex-ministro da Justiça e ex-secretário de segurança do Distrito Federal, ficará detido no 19.º Batalhão da Polícia Militar do Distrito Federal, localizado dentro do Complexo Penitenciário da Papuda. Ainda não há informações de sua prisão.

Defesa não entrou com novo recurso

A decisão foi tomada após a defesa do ex-presidente não entrar com novos embargos de declaração, cujo prazo para requerimento se encerrou na última segunda-feira. Este tipo de recurso é interposto quando há divergência no voto dos magistrados que indiquem “obscuridade, dúvida, contradição ou omissão”. Um primeiro embargo declaratório já havia sido rejeitado pela Primeira Turma.

Moraes também não avaliou um recurso da defesa que pedia autorização para Bolsonaro cumprir as quase três décadas de prisão em regime domiciliar por motivos humanitários. Os advogados alegam que problemas de saúde do ex-presidente se agravariam na prisão, ocasionando risco à sua vida. Para o magistrado, o pedido foi considerado “prejudicado” devido à liminar anterior que determinou sua prisão preventiva, mas ele pode ser retomado após o início do cumprimento da pena.

A expectativa é que, por jurisprudência, Moraes venha a acatar o recurso, assim como fez com o ex-presidente Fernado Collor, que iniciou seu cumprimento de pena em regime fechado mas depois foi transferido à prisão domiciliar por motivos de saúde.

Os advogados de Bolsonaro ainda podem entrar com os chamados embargos infringentes, cujo prazo recursal se encerra na próxima semana. Esse modelo de recurso foi estabelecido quando o STF julgava esse tipo de processo exclusivamente no órgão colegiado com os 11 ministros. Eles atacam o mérito do julgamento e levam o recurso ao Plenário.

Contudo, ele só pode ser aceito se houver divergência substancial na votação. Por jurisprudência consolidada no regimento da Corte em 2023, o julgamento da trama golpista exigiria que ao menos dois juízes da Primeira Turma votassem pela absolvição, o que não aconteceu. Por isso, mesmo com o prazo recursal em andamento, Moraes decidiu pela execução imediata da pena de Bolsonaro.

Os embargos infringentes também podem ser considerados monocraticamente por Moraes, relator do processo, como tentativas protelatórias de execução da pena, o que acarretaria em uma multa ao réu.

Em entrevista à Folha de S. Paulo, o advogado de Bolsonaro, Celso Vilardi, criticou o fato de a decisão ter sido tomada antes do prazo final das contestações. “A defesa está sendo tratada como algo menor, e isso é ruim para o sistema jurídico, inclusive para aqueles que estão comemorando a prisão neste momento”, disse ele. A defesa entrará com embargos infringentes, afirmou.

O plano de golpe

A condução de Bolsonaro à prisão encerra um longo período de disputa jurídica e política que revelou a existência de uma trama golpista não apenas para impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também para assiná-lo. Outras autoridades como o vice-presidente Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes também estavam na mira dos golpistas.

De acordo com o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o grupo “documentou quase a totalidade” de suas ações, com mensagens, manuscritos, planilhas e gravações, “tornando ainda mais perceptível a materialidade delitiva”.

Durante o julgamento, a PGR apresentou documentos, gravações e depoimentos que mostraram uma tentativa organizada de aplicar um golpe de Estado. As ações envolveram ataques públicos ao sistema eleitoral, reuniões com ministros e embaixadores para dirimir a legitimidade das urnas eletrônicas, fomento a acampamentos golpistas nas portas de quartéis que pediam intervenção militar e a minuta de decreto que consumaria o golpe.

Os ministros também entenderam que as Forças Armadas foram instrumentalizadas para consumar o plano.

Considerado “trânsito julgado”, o processo contra Bolsonaro será agora encaminhado à Justiça Militar, que deverá decidir se o ex-presidente perderá sua patente de capitão reformado em virtude dos crimes ao qual foi condenado na Justiça comum.

jps/gq (OTS)