12/10/2024 - 6:35
Florestas do país europeu sofrem impactos da crise climática e de ataque de pragas. Situação possibilita, porém, chance de tornar esses ecossistemas mais diversos e resilientes.A região montanhosa do Harz, no centro da Alemanha, parece uma paisagem pós-apocalítica assustadora. Fileiras intermináveis de árvores secas, cinzentas, como um mar de agulhas quebradiças. Em apenas alguns anos, essa antiga floresta se tornou um cemitério de árvores.
“Em nenhum outro lugar da Europa Central, é possível vivenciar a crise climática como aqui nas montanhas do Harz”, afirma Roland Pietsch, diretor do Parque Nacional do Harz.
As florestas coníferas na Alemanha sofrem os impactos da seca, tempestades e de espécies invasoras, segundo um relatório do governo alemão sobre o estado das florestas do país. Mas não é só a vegetação alemã que enfrenta esse problema. A situação é semelhante na Polônia, República Tcheca e Escandinávia. Alguns, porém, veem essa perda como algo positivo para o clima a longo prazo.
Para entender por que a perda de florestas pode ser, em alguns casos, algo bom é preciso voltar à Segunda Guerra Mundial. Após a derrota da Alemanha, os Aliados ordenaram que o país pagasse reparações. Essas foram pagas, em parte, com madeira. Estimativas calculam que até 10% de todas as florestas do país foram derrubadas para atender à demanda.
Para compensar essa devastação, silvicultores alemães começaram a plantar uma espécie específica de árvore: o abeto. A escolha foi baseada nas qualidades desta conífera: crescimento rápido e reto, o que faz da espécie ideal para a produção de madeira e para a construção.
O legado vulnerável da monocultura
Até hoje, a maioria dessas florestas é usada para a produção de madeira, com a indústria florestal representando de 1 a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) alemão. O abeto ainda é uma das espécies mais comuns.
Mas essas florestas de monocultura são menos hospitaleiras para outras espécies de plantas e animais, além de serem consideravelmente menos biodiversas do que as mistas. E, como é o caso de todas as monoculturas, elas são muito vulneráveis a estresses relacionados às mudanças climáticas, como a seca.
As secas recentes em várias partes do mundo são especialmente difíceis para os abetos, que são plantados geralmente em regiões mais baixas e secas do que seu habitat natural. Seus sistemas de raízes são superficiais, o que significa que eles não conseguem acessar reservatórios de água no subsolo.
Embora isso seja devastador para os abetos, uma espécie adora essas condições: o besouro da casca. O pequeno inseto de poucos milímetros tem devorado muitas florestas da Alemanha e Europa.
O besouro da casca faz buracos nas árvores e libera feromônios para atrair um parceiro para dentro. Lá, eles se reproduzem e põem ovos. “Um par pode gerar até 100 mil descendentes por ano. Eles se espalham como fogo”, afirma Fanny Hurtig, uma silvicultora na Floresta da Turíngia, no centro da Alemanha.
O estado da Turíngia, que fica há três horas ao sul do Parque Nacional do Harz, é uma das regiões onde o inseto se espalha com maior rapidez.
Uma árvore saudável geralmente produz resina para fechar os buracos e se proteger dos besouros. Mas as que estão fracas e secas não conseguem se defender. Os besouros comem as camadas que transportam nutrientes e água nos abetos, que acabam morrendo.
Deixar a natureza seguir seu curso
No Harz, a seca e a infestação mataram cerca de 90% dos abetos. Devido à grande concentração de espécie de árvores, essa é a região mais afetada da Europa.
Mas o diretor do Parque Nacional do Harz, assim como muitos outros, não vê essas faixas de árvores mortas como um desastre. “Quando cheguei aqui há dois anos e meio, muito disso ainda parecia morto. Levou dois ou três anos para a vida renascer. A floresta que pertence a esse lugar está voltando”, afirma Pietsch.
O Parque Nacional do Harz decidiu deixar a natureza seguir seu curso, e não combateu o besouro da casca. E a natureza está fazendo seu trabalho. Uma inspeção mais detalhada mostra que arbustos e árvores jovens estão brotando na região onde há enormes abetos mortos.
As primeiras a criar raízes foram espécies de árvores pioneiras, como a bétula ou o salgueiro, cujas sementes são espalhadas amplamente pelo vento e pelos pássaros. Mas a floresta ainda precisa de um pouco de ajuda. Assim, espécies nativas, como a faia, estão sendo reintroduzidas.
Os abetos mortos ainda têm uma função. Eles servem de habitat para insetos, fornecem sombra e mantêm a umidade retida. Fungos ajudam a decompor a madeira e adicionam nutrientes ao solo.
“É lindo ver a quantidade de força e vida presente lá”, diz Pietsch.
No entanto, os abetos mortos liberam também CO2 enquanto se decompõem, o que significa que essas florestas armazenam menos carbono do que as saudáveis. Espera-se que a capacidade de armazenamento das novas árvores que crescem no Harz compense isso a longo prazo.
Produção de madeira
Mas essa é apenas uma parte da história. O parque nacional é uma área protegida que não era mais usada para a produção de madeira. No entanto, apenas 3% das florestas alemãs são áreas protegidas. Todas as outras são voltadas para a produção de madeira – uma indústria que deve crescer com um aumento da demanda por materiais de construção sustentáveis.
Na Turíngia, silvicultores como Hurtig são obrigados a cortar muitas árvores antes que elas atinjam a maturidade. Assim que os abetos são infestados, a árvore é cortada para impedir a propagação do besouro da casca. “Meu coração dói todos os dias quando vejo isso”, diz Hurtig.
A silvicultora, porém, vê a situação como uma oportunidade para criar uma floresta mista mais sustentável. “É uma chance para plantar nessas áreas espécies de árvores completamente diferentes”, destaca Hurtig.
As novas espécies precisam sobreviver com pouco água, idealmente devem possuir sistemas de raízes mais profundas para enfrentar secas e tempestades, além de serem mais resistente a pragas. Árvores nativas como faia, carvalho e bordo, além do abeto-de-douglas, da América do Norte, são apontadas como boas candidatas. Mas se a mudança climática acelerar, espécies de habitats mais quentes, como o abeto turco ou a faia oriental, são boas opções.
Florestas mais resilientes
Mais parques nacionais e florestas privadas da Alemanha estão se mobilizando parar criar florestas mistas que se pareçam mais com os ecossistemas nativos e sejam mais resistentes a pragas e a um clima mais quente.
Órgãos como Conferência Ministerial para Proteção da Florestas na Europa estão aconselhando outros países com problemas semelhantes, como França, República Tcheca ou Bélgica, a fazerem o mesmo que a Alemanha.
Levará tempo para se ver os benefícios da reestruturação florestal, mas “é bom da perspectiva da crise climática e é bom para a resiliência, assim como para a biodiversidade”, completa Pietsh.