Cientistas afirmam que incêndios devastadores neste verão europeu foram 40 vezes mais prováveis ​​devido ao aumento da temperatura global pela queima de combustíveis fósseis.Incêndios florestais intensos que devastaram grandes áreas da Espanha e Portugal neste verão europeu — ceifando pelo menos 8 vidas e forçando a evacuação de dezenas de milhares de pessoas — foram maciçamente alimentados pelas mudanças climáticas, afirma um novo relatório publicado nesta quinta-feira (04/09).

O documento afirma que as mudanças climáticas — impulsionadas principalmente pela queima de petróleo, gás e carvão — tornaram as condições climáticas que alimentaram os incêndios florestais 40 vezes mais frequentes e 30% mais intensas. A análise foi feita pela World Weather Attribution, um grupo de cientistas internacionais que estuda o papel do aquecimento global em eventos climáticos extremos.

A magnitude dos incêndios tem sido “assombrosa”, disse Clair Barnes, uma das autoras do relatório e pesquisadora do Centro de Política Ambiental do Imperial College London. “Condições mais quentes, secas e inflamáveis ​​estão se tornando mais severas com as mudanças climáticas e estão dando origem a incêndios de intensidade sem precedentes.”

Mudanças climáticas tornam incêndios mais frequentes e intensos

Os incêndios florestais, que começaram no final de julho e se estenderam por semanas, queimaram mais de 380 mil hectares na Espanha e 260 mil hectares em Portugal. Juntos, eles representaram dois terços das terras queimadas na Europa, que este ano quebraram recordes ao ultrapassar 1 milhão de hectares, uma área maior que a ilha de Chipre.

Embora os incêndios florestais sejam uma ocorrência anual natural, a seca intensa e o aumento das temperaturas estão criando um clima quente, seco e com muito vento, que os faz queimar mais rápido, por mais tempo e com mais ferocidade. Na Europa, assim como em todo o mundo, eles estão se tornando mais frequentes, intensos e disseminados.

A rápida análise examinou observações meteorológicas da região, incluindo os dez dias consecutivos mais quentes já registrados na Espanha e que antecederam os incêndios. A conclusão foi que as mudanças climáticas tornaram a onda de calor espanhola 3 graus Celsius mais quente e 200 vezes mais provável de ocorrer.

Em um mundo sem mudanças climáticas, ondas de calor de intensidade semelhante seriam esperadas com menos frequência, mais ou menos a cada 2.500 anos. Hoje, porém — com os níveis atuais de aquecimento de 1,3°C —, elas são esperadas a cada 13 anos, afirmam os cientistas.

Incêndios mais difíceis de combater

Neste verão do hemisfério norte, a Espanha fez seu primeiro pedido de apoio internacional para ajudar a combater incêndios florestais. O Mecanismo Europeu de Proteção Civil, um sistema criado pela UE para fornecer resposta a desastres aos Estados-membros, também foi contatado pela Grécia, Bulgária, Albânia e Montenegro para obter ajuda no combate a incêndios.

“Os incêndios florestais estão atingindo novos extremos na Espanha e em Portugal”, disse Theodore Keeping, um dos autores do relatório e pesquisador do Centro de Política Ambiental do Imperial College London. “Cada vez mais, bombeiros trabalham em condições caóticas e imprevisíveis, combatendo incêndios que se comportam de maneiras nunca vistas antes.”

Keeping apontou ainda que incêndios florestais intensos podem criar seus próprios ventos, que espalham chamas mais longas e podem causar brasas voadoras que, por sua vez, acabam provocando novos incêndios nas proximidades.

O terreno íngreme que caracteriza o norte de Portugal e a região noroeste da Galícia, na Espanha, onde os incêndios estavam concentrados, tornou o combate ainda mais difícil, disse Ricardo Trigo, um dos autores do relatório e professor associado do Departamento de Geofísica, Engenharia Geográfica e Energia da Universidade de Lisboa.

Gestão de florestas é fundamental na prevenção

Keeping acrescenta que essas áreas estão entre as mais propensas a incêndios florestais na Europa, pois recebem quantidades significativas de chuva entre outubro e março — permitindo o crescimento de muita vegetação, que então se transforma em combustível durante os verões secos e quentes.

O relatório enfatiza a importância do controle da vegetação em áreas regularmente impactadas por incêndios florestais, destacando como o movimento de populações do campo para áreas urbanas deixou muitas florestas e fazendas sem manejo adequado e cobertas de vegetação seca.

Com os recursos de combate a incêndios esgotados, especialistas argumentam que o foco precisa mudar para medidas de prevenção, como o manejo sustentável da terra e a melhoria da resiliência das florestas.

Métodos para isso incluem o desbaste e o espaçamento adequado das árvores e a redução da vegetação rasteira por meio de queimadas controladas. Outras alternativas incluem a introdução de mais animais de pasto, como gado e cabras, que comem os arbustos secos que servem de combustível para as chamas.

Abandonar as monoculturas e introduzir aceiros ou zonas de proteção contra incêndios também pode ajudar.

Abandonar combustíveis fósseis é necessidade urgente

Até agora, neste ano, os incêndios florestais na UE liberaram 38 milhões de toneladas de dióxido de carbono, o principal gás de efeito estufa responsável pelo aquecimento do planeta. Isso coloca o continente no caminho para quebrar recordes de emissão de CO2 em 2025.

A fumaça dos incêndios florestais também impacta significativamente a saúde, com partículas emitidas capazes de entrar nos pulmões e na corrente sanguínea. Estudos recentes relacionaram a fumaça dos incêndios florestais a 1,53 milhão de mortes por ano em todo o mundo.

Especialistas no relatório alertam ainda que os incêndios na Espanha e em Portugal são um sinal do que está por vir diante do aumento contínuo das temperaturas. Eles enfatizam, portanto, a urgência de interromper a queima de combustíveis fósseis.

“Os incêndios florestais na Europa mostram que 1,3°C de aquecimento hoje já é incrivelmente perigoso”, disse Friederike Otto, uma das autoras do relatório e professora de ciência climática no Centro de Política Ambiental do Imperial College London. “Sem uma transição mais rápida para o abandono dos combustíveis fósseis, podemos atingir 3 graus Celsius neste século. Incêndios florestais nesse nível seriam catastróficos.”