07/03/2016 - 17:54
A situação da Colômbia hoje não se parece nada àquela vivida durante a fase mais cruenta do narcotraficante Pablo Escobar, que milhões de pessoas relembraram ou conheceram em 2015 com a série Narcos, produzida pelo Netflix. Na temporada de 2016 da série, já programada, não deverá aparecer a reviravolta social do país, embora essa fase rendesse belas histórias, como bem sabe Luisa Villegas. Além de colombiana, ela é diretora de programas para a América do Sul da Fundação Pan-Americana de Desenvolvimento (PADF). A instituição, fundada em 1962 pela Organização dos Estados Americanos (OEA), há anos opera por trás do plano de reestruturação da Colômbia no período pós-domínio do narcotráfico. Agora, ela está instalando bases no Brasil.
A PADF já atuava aqui, há cerca de uma década, por meio de parcerias, mas só iniciou recentemente o processo de abertura de escritório próprio – que vai andando a passos lentos, conforme a burocracia local permite. Em conversa com PLANETA, Luisa conta da experiência na sua terra país e explica por que o Brasil é o escolhido da vez, ao lado do México. Além disso, destaca os grupos prioritários da fundação para a região: mulheres, meninas e jovens. Não poderia chegar em momento mais propício, em pleno movimento nacional de empoderamento feminino.
PLANETA – Como o governo da Colômbia se tornou o maior parceiro da PADF?
LUISA – Tudo começou em função do Plano Colômbia, que o governo dos Estados Unidos desenhou, em colaboração com o governo colombiano, para tirá-lo da posição de país das drogas. O plano era integral. Tinha apoio militar, erradicação de cultivo ilícito – que foi o mais conhecido –, mas tinha também o lado social, como apoio para ex-cultivadores de coca empreenderem em outras áreas. Nos primeiros anos, esses projetos foram financiados pelos EUA. Aí aconteceu uma transformação muito interessante: quando a situação política e econômica da Colômbia melhorou, o governo local assumiu esses projetos. Antes, o governo dos EUA bancava 80% deles, agora é o governo da Colômbia que mantém de 90% a 95% deles. Esse investimento representa quase 70% dos valores que a PADF maneja atualmente. Ou seja, dos US$ 100 milhões do nosso orçamento total de 2015, US$ 70 milhões são investimentos na Colômbia, financiados pelo governo do país. São cerca de 20 projetos.
PLANETA – Como a PADF participa desses projetos?
LUISA – O governo colombiano confia muito na seriedade do nosso trabalho, na prestação de contas e nos resultados que apresentamos. Com isso, a PADF virou uma organização de referência. Por exemplo, trabalhamos muito com as populações deslocadas pela guerra civil por que o país passou. Em geral, foram moradores da zona rural que precisaram fugir para a cidade. Como muitos deles têm dificuldade de se adaptar, já que o que sabem é viver da terra, outro projeto, mais recente, é o de retorno. Agora que o país já está sob controle, que o Estado retornou e existe mais segurança, estamos ajudando as famílias a voltar aos seus povoados – alguns chegaram a virar vilas fantasmas. É um trabalho psicossocial. Trabalhamos os conceitos de reparação, perdão e cura das feridas. Havia famílias com integrantes entre os paramilitares e famílias vizinhas com integrantes entre a guerrilha, que são grupos opostos. Algumas famílias encontraram suas terras e suas casas; outras, não. Mas o governo garante para todos um pedaço de terra. De qualquer forma, é sempre difícil começar do zero. A PADF dá capital, sementes, assistência técnica e avalia se o produto agrícola que querem cultivar tem mercado, como vão gerar renda, etc.
PLANETA – Por que Brasil e México foram os escolhidos como prioridade pela PADF agora?
LUISA – No Plano Estratégico da PADF 2013-17 decidimos atingir, nestes cinco anos, 10% da população da América Latina e do Caribe, que têm 600 milhões de habitantes. Para chegar a 60 milhões de pessoas (com projetos em continuação ou novos) até 2017, precisamos alcançar 12 milhões por ano, e já estamos cumprindo essa meta. Por isso definimos os países mais populosos como prioritários para as nossas ações. Mas a escolha por Brasil e México também tem a ver com oportunidades de projetos. Já tínhamos pequenas iniciativas nesses países e queríamos expandi-las. A PADF foi criada para envolver o setor privado no desenvolvimento da América Latina e do Caribe. E o setor privado está de olho nos mercados brasileiro e mexicano – são mercados estratégicos.
PLANETA – O que levou a PADF a escolher mulheres, meninas e jovens como prioridade máxima?
LUISA – Muitos estudos regionais embasaram nossas escolhas. Estudos de organizações multilaterais, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), OEA, organizações não governamentais… São populações muito vulneráveis e excluídas, por isso queremos que metade dos 60 milhões atingidos seja desses grupos. As mulheres recebem, em média, 17% menos que os homens ao desenvolver as mesmas tarefas, e essa relação aumenta nos centros urbanos. Outro exemplo: em 2008, as mulheres chefiavam a casa em 31% das famílias – em 1990, eram 22%. Pouco mais da metade das mulheres trabalha, ante 80% dos homens. Há, ainda, a questão da violência. Em São Paulo, uma mulher é abusada a cada 15 segundos. Na América Latina, uma de cada duas mulheres vai ser vítima de violência de gênero – no mundo, essa proporção é de um para três. Entre 15 e 44 anos, as mulheres morrem mais devido à violência de gênero do que por causa de câncer, malária, acidente de trânsito ou guerra. No México, o preço para atacar uma mulher com ácido é de US$ 1,75. Na Colômbia, 90 mulheres são atacadas com ácido por ano. O panorama é triste.
PLANETA – Quais são os planos da PADF para o Brasil?
LUISA – Não vamos criar uma ONG aqui, como fizemos em alguns países. Decidimos iniciar um processo de registro. Você pode imaginar: papéis, cartório, legalização, tradução juramentada, etc. Agora já temos um endereço, em escritório compartilhado em Brasília. Ainda não temos equipe, mas já temos um representante legal, Paulo Cavalcanti. Ele foi representante legal da OEA e havia apoiado ações específicas que a PADF já fez aqui – doações em espécie como ônibus escolar, caminhão de bombeiro, equipamento médico. Como fazemos parte da OEA, às vezes também trabalhamos em colaboração com os escritórios da OEA. Mas a PADF é muito flexível, temos vários formatos. Na Colômbia, por exemplo, são cerca de 250 funcionários; no Haiti, mais de 100.
PLANETA – Como é o trabalho com as ONGs?
LUISA – As ONGs são muito boas na missão delas, mas costumam ser deficitárias para monitorar e não sabem comunicar seu sucesso. Ajudamos a pensar quais indicadores de impacto devem medir, a fazer as medições e a comunicar os resultados para os apoiadores deles, que estão cada vez mais sofisticados no tipo de indicadores que querem.
PLANETA – O Brasil é um bom lugar para conseguir financiamento e patrocínio?
LUISA – Ele ainda tem um bom caminho a percorrer. Ainda não há uma cultura muito forte de responsabilidade social no Brasil. Em geral, as empresas que têm essa mentalidade são multinacionais, que trazem a filosofia de fora. A maioria das brasileiras ainda vê na conservação a impossibilidade de lucro. Inclusive o governo brasileiro. Mostrar que as duas coisas podem ser aliadas ainda é uma conversa muito difícil. A crise hídrica no Sudeste está começando a mudar um pouco essa conversa. Começaram a fazer o link entre cuidar das bacias e das suas nascentes e garantir água para operar as empresas.
PLANETA – O Brasil é o país da região que mais cuida do ambiente?
LUISA – O Brasil é o lar de um dos biomas mais importantes do mundo, e a comunidade internacional fica de olho nisso. Ele tem também uma maior estabilidade democrática e um certo crescimento econômico. A comunidade internacional não vai exigir que a Colômbia cuide da Amazônia se ela tem um conflito civil que vem matando milhares de pessoas há anos. Na Venezuela ninguém está falando disso, há coisas muito mais urgentes acontecendo lá. A América Central sofre com uma enorme falta de governabilidade.