05/02/2019 - 12:30
A aliança do governo de Michel Temer com os ruralistas no Congresso pode ter salvo o presidente de ser investigado no Supremo Tribunal Federal por corrupção, mas deixou um monte de mortos pelo caminho. Um deles pode ser a meta brasileira de redução das emissões de gases que causam o aquecimento global, conforme sugere o estudo “The threat of political bargaining to climate mitigation in Brazil”, publicado em julho na revista “Nature Climate Change”.
Um grupo de pesquisadores do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de Brasília mostrou no periódico como as barganhas políticas feitas desde 2016 afetam o controle do desmatamento na Amazônia e no Cerrado. No pior caso, isso faria as emissões de gases de efeito estufa por desmatamento retornarem aos patamares do século passado. Dessa forma, o Brasil estouraria em 2030 todos os limites de emissões compatíveis com o cumprimento de sua meta no acordo do clima de Paris, firmado em dezembro de 2015.
Só por desmatamento o país emitiria, esse cenário, 1,8 bilhão de toneladas líquidas de gás carbônico em 2030 – um valor 50% maior do que a meta indicativa da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, na sigla em inglês), o compromisso brasileiro em Paris, que é de 1,2 bilhão de toneladas naquele mesmo ano.
No cenário mais provável, a conta da aliança com os ruralistas sobraria para outros setores, como a indústria e os transportes. E seria salgada: para o Brasil se manter na meta em 2030, o restante da economia teria de desembolsar US$ 2 trilhões (mais do que o valor total do PIB em 2017) para adotar tecnologias ainda imaturas ou não testadas e zerar suas emissões, de forma a compensar o carbono emitido a mais no setor florestal.
Governança comprometida
O grupo responsável pelo estudo, liderado por Roberto Schaeffer, do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe UFRJ), e Britaldo Soares-Filho, da Universidade Federal de Minas Gerais, recorreu a modelos de computador que fazem simulações de como o uso da terra evolui no território e de como as relações entre uso da terra e energia se desenvolvem em resposta a contextos diversos. Para isso, eles alimentaram o modelo com as taxas de desmatamento e as condições de governança ambiental em três momentos: antes de 2005, quando não havia controle sobre a devastação das florestas; entre 2005 e 2012, quando medidas foram adotadas e a taxa de desmatamento caiu; e entre 2012 e 2017, quando a tendência de queda se rompeu na esteira do enfraquecimento do Código Florestal e da crise política.
Nos últimos dois anos, o quadro de governança pós-2012 se agravou. Para tentar aprovar o impeachment, depois reformas impopulares, depois para salvar a própria pele, Michel Temer fez uma série de concessões à bancada ruralista, que representa cerca de 40% dos votos na Câmara dos Deputados: a grilagem de terras de até 2.500 hectares foi legalizada, a demarcação de terras indígenas foi congelada, unidades de conservação tiveram propostas de redução de limites e o licenciamento ambiental passou a ser ameaçado por vários projetos de lei.
Os ruralistas não ganharam tudo ainda. “Mas, para o desmatamento, a sinalização negativa que o governo dá tem uma importância enorme”, diz Raoni Rajão, da UFMG, coautor do estudo.
Com base nessas informações, os modelos produziram três cenários. Num deles, a governança ambiental é fortalecida, algo que soa pouco factível atualmente. Nesse caso, o desmatamento do Cerrado alcança 3.794 km2 em 2030, comparado aos mais de 9.484 km² hoje. O da Amazônia cairia dos atuais 7.000 km2 para 3.920 km².
No cenário intermediário, considerado o mais provável pelo grupo de estudos, o desmatamento no Cerrado vai a 14.759 km², e o da Amazônia, a 17.377 km2 em 2030. No pior cenário, a governança ambiental é completamente abandonada e o desmatamento anual retorna aos níveis mais altos: 18.517 km2 no Cerrado e 27.772 km2 na Amazônia.
Orçamento complicado
O carbono emitido por perda de florestas e savanas nos três cenários foi comparado com o chamado “orçamento de carbono” do Brasil, ou seja, quanto CO² o país ainda pode emitir para cumprir seu compromisso na meta do Acordo de Paris de estabilizar o aquecimento da Terra abaixo de 2oC em relação à era pré-industrial. Dado o tamanho da economia e da população do nosso país, esse orçamento foi calculado em 24 bilhões de toneladas líquidas de CO² equivalente entre 2010 e 2050. Como já emitimos 4,6 bilhões de 2010 a 2017, o orçamento remanescente é de 19,4 bilhões de toneladas.
No cenário mais provável, o intermediário, as emissões acumuladas apenas por desmatamento entre 2010 e 2030 chegam a 16,3 bilhões de toneladas. O Brasil só consegue se manter dentro do orçamento de carbono se impuser ao setor industrial e energético as tais tecnologias mais caras a custo de US$ 2 trilhões.
A NDC também vai para o vinagre já no cenário intermediário. “O compromisso assumido no Acordo de Paris é de chegar a 2030 com 1,2 bilhão de toneladas de emissões no conjunto da economia. Mas, no cenário tendencial, somente as emissões por desmatamento já alcançariam esse valor”, afirma Rajão.
O cenário mais grave é um alerta, mas por ora não é o mais provável, já que o Ministério do Meio Ambiente continua a agir para controlar a devastação. No governo Temer, paradoxalmente, o orçamento do Ibama para a fiscalização ambiental foi incrementado em relação ao do segundo mandato de Dilma Rousseff, com dinheiro doado pela Noruega.
Ainda em julho, o órgão anunciou que concluiria nesse mês a Operação Panopticum, que consiste no envio de 25,2 mil cartas e e-mails a proprietários de terra de 59 municípios com risco de desmatamento. O objetivo é informar aos proprietários que eles estão sendo monitorados por satélite e serão punidos em caso de desmatamento ilegal.
“O Ibama continua melhorando, mas, no caso da Amazônia, isso vai diminuir no máximo um terço do desmatamento total, que está em terras privadas que já estão no Cadastro Ambiental Rural”, disse Rajão, que concebeu a Operação Panopticum com Jair Schmitt, diretor de Políticas de Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente. Segundo ele, é mais difícil fazer esse controle em áreas privadas fora do CAR, em unidades de conservação, terras devolutas, terras indígenas e assentamentos.
“O estudo mostra que o Brasil está praticando hoje um tipo de política do século 19, o que faz com que talvez tenhamos de recorrer a tecnologias do século 21, muitas delas ainda não maduras ou comercialmente disponíveis, para compensar o aumento das emissões de gases de efeito estufa advindas do aumento do desmatamento decorrentes dessa política”, disse Roberto Schaeffer.