Nanopartículas envoltas em membranas de células pulmonares humanas e membranas de células imunes humanas podem atrair e neutralizar o vírus SARS-CoV-2 na cultura de células, fazendo com que o vírus perca sua capacidade de sequestrar células hospedeiras e se reproduzir.

Os primeiros dados que descrevem essa nova direção de combate à covid-19 foram publicados em 17 de junho na revista “Nano Letters”. As “nanoesponjas” foram desenvolvidas por engenheiros da Universidade da Califórnia em San Diego e testadas por pesquisadores da Universidade de Boston (EUA). Os pesquisadores da UC San Diego chamam suas nanopartículas de nanoescala de “nanoesponjas” porque elas absorvem patógenos e toxinas prejudiciais.

Em experiências de laboratório, tanto os tipos de nanoesponjas das células pulmonares e do sistema imunológico fizeram o vírus SARS-CoV-2 perder cerca de 90% da sua infectividade viral de acordo com a dose. A infectividade viral é uma medida da capacidade do vírus de entrar na célula hospedeira e explorar seus recursos para replicar-se e produzir partículas virais infecciosas adicionais.

LEIA TAMBÉM: Covid-19 pode causar diabetes em pessoas saudáveis

Em vez de atacarem o próprio vírus, essas nanoesponjas são projetadas para proteger as células saudáveis ​​que o vírus invade.

Abordagem inovadora

“Tradicionalmente, os desenvolvedores de medicamentos para doenças infecciosas mergulham profundamente nos detalhes do patógeno, a fim de encontrar alvos drogáveis. Nossa abordagem é diferente. Só precisamos saber quais são as células-alvo. E então pretendemos proteger os alvos criando engodos biomiméticos”, disse Liangfang Zhang, professor de nanoengenharia da Faculdade de Engenharia da UC San Diego.

Seu laboratório criou essa plataforma de nanoesponjas biomiméticas há mais de uma década e, desde então, elas são desenvolvidas para uma ampla gama de aplicações. Quando o novo coronavírus apareceu, a ideia de usar a plataforma de nanopartículas para combatê-lo chegou a Zhang “quase imediatamente”, disse ele.

Além dos dados encorajadores sobre a neutralização do vírus na cultura de células, os pesquisadores observam que as nanoesponjas cobertas com fragmentos das membranas externas dos macrófagos podem ter um benefício adicional: absorver proteínas de citocinas inflamatórias, implicadas em alguns dos aspectos mais perigosos da covid-19 e que são impulsionadas pela resposta imune à infecção.

Fazendo e testando nanoesponjas para covid-19

Cada nanoesponja para covid-19 – mil vezes menor que a largura de um cabelo humano – consiste em um núcleo de polímero revestido em membranas celulares extraídas de células epiteliais pulmonares tipo II ou células de macrófagos. As membranas cobrem as esponjas com todos os mesmos receptores de proteína que as células que representam – e isso inclui inerentemente todos os receptores que o SARS-CoV-2 usa para entrar nas células do corpo.

Os pesquisadores prepararam várias concentrações diferentes de nanoesponjas em solução para testar contra o novo coronavírus. Para testar a capacidade das nanoesponjas de bloquear a infectividade por SARS-CoV-2, os pesquisadores da UC San Diego procuraram uma equipe do Laboratório Nacional de Doenças Infecciosas Emergentes (NEIDL) da Universidade de Boston para realizar testes independentes. Neste laboratório BSL-4 – o mais alto nível de biossegurança de um centro de pesquisa –, os pesquisadores, liderados por Anthony Griffiths, professor associado de microbiologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Boston, testaram a capacidade de várias concentrações de cada tipo de nanoesponja para reduzir a infectividade do vírus SARS-CoV-2 vivo – as mesmas cepas que estão sendo testadas em outras pesquisas terapêuticas e de vacinas contra covid-19.

A uma concentração de 5 miligramas por mililitro, as esponjas envoltas em membrana das células pulmonares inibiram 93% da infecciosidade viral do SARS-CoV-2. As cobertas por macrófagos inibiram 88% da infecciosidade viral do SARS-CoV-2. (A infecciosidade viral é uma medida da capacidade do vírus de entrar na célula hospedeira e explorar seus recursos para replicar-se e produzir partículas virais infecciosas adicionais.)

A pesquisadora Anna Honko prepara teste das nanoesponjas contra o coronavírus no NEIDL. Crédito: Laboratório Griffiths no National Emerging Infectious Diseases Laboratories (NEIDL), Universidade de Boston
Funcionamento mais holístico

“Do ponto de vista de uma imunologista e virologista, a plataforma de nanoesponja era imediatamente atraente como um antiviral em potencial por causa de sua capacidade de trabalhar contra um vírus de qualquer tipo. Isso significa que, ao contrário de um medicamento ou anticorpo que pode bloquear especificamente a infecção ou replicação do SARS-CoV-2, essas nanoesponjas da membrana celular podem funcionar de uma maneira mais holística no tratamento de um amplo espectro de doenças infecciosas virais. De início eu estava otimisticamente cética quanto ao funcionamento, e me emocionei quando vi os resultados e me dei conta do que isso pode significar para o desenvolvimento terapêutico como um todo”, disse Anna Honko, coprimeira autora do artigo e professora associada de pesquisa em microbiologia do NEIDL.

Nos próximos meses, os pesquisadores e colaboradores da UC San Diego avaliarão a eficácia das nanoesponjas em modelos animais. A equipe da UC San Diego já demonstrou segurança em curto prazo nas vias respiratórias e nos pulmões dos ratos. Se e quando essas nanoesponjas para covid-19 serão testadas em seres humanos depende de uma variedade de fatores, mas os pesquisadores estão se movendo o mais rápido possível nesse sentido.

“Outro aspecto interessante de nossa abordagem é que, mesmo quando o SARS-CoV-2 sofre mutação, desde que o vírus ainda possa invadir as células que estamos imitando, nossa abordagem de nanoesponja ainda deve funcionar. Não tenho certeza de que isso possa ser dito das vacinas e terapias que estão sendo desenvolvidas atualmente”, disse Zhang.

Os pesquisadores também esperam que essas nanoesponjas funcionem contra qualquer novo coronavírus ou até outros vírus respiratórios. Isso inclui qualquer vírus que possa desencadear a próxima pandemia respiratória.

Imitando células do pulmão e células imunes

Como o novo coronavírus infecta células epiteliais do pulmão como o primeiro passo na infecção por covid-19, Zhang e seus colegas argumentaram que faria sentido esconder uma nanopartícula em fragmentos das membranas externas das células epiteliais do pulmão para ver se o vírus poderia ser enganado ligando-se a ela em vez de a uma célula do pulmão.

Os macrófagos (glóbulos brancos que desempenham um papel importante na inflamação) também são muito ativos no pulmão durante o curso da covid-19. Portanto, Zhang e seus colegas criaram uma segunda esponja envolta em membrana de macrófagos.

A equipe de pesquisa planeja estudar se as esponjas de macrófagos também têm a capacidade de acalmar tempestades de citocinas (fenômeno causado por uma reação potencialmente fatal dentro do sistema imunológico) em pacientes com covid-19. “Vamos ver se as nanoesponjas de macrófagos podem neutralizar a quantidade excessiva dessas citocinas, bem como neutralizar o vírus”, disse Zhang.

O uso de fragmentos de células de macrófagos como capas se baseia em anos de trabalho para desenvolver terapias para sepse usando nanoesponjas de macrófagos.

Em um artigo publicado em 2017 na revista “PNAS”, Zhang e uma equipe de pesquisadores da UC San Diego mostraram que as nanoesponjas de macrófagos podem neutralizar com segurança tanto as endotoxinas quanto as citocinas pró-inflamatórias na corrente sanguínea de ratos. A Cellics Therapeutics, empresa cofundada por Zhang, chamado está trabalhando para traduzir esse trabalho de nanoesponja de macrófagos para uma atuação clínica.

Potencial terapêutico contra covid-19

A plataforma de nanoesponja para covid-19 tem testes significativos pela frente antes que os cientistas saibam se seria uma terapia segura e eficaz contra o vírus em humanos, advertiu Zhang. Mas se as esponjas atingirem o estágio de ensaio clínico, há várias maneiras possíveis de administrar a terapia. Elas incluem a entrega direta no pulmão para pacientes entubados, através de um inalador, como feito para pacientes asmáticos, ou por via intravenosa, especialmente para tratar a complicação da tempestade de citocinas.

Uma dose terapêutica de nanoesponjas pode inundar o pulmão com um trilhão ou mais de nanoesponjas que poderiam afastar o vírus das células saudáveis. Uma vez que o vírus se liga a uma esponja, “ele perde sua viabilidade e não é mais infectante, e será absorvido e digerido por nossas próprias células imunológicas”, disse Zhang.

“Vejo potencial para um tratamento preventivo, para uma terapêutica que pode ser administrada precocemente porque, uma vez que as nanoesponjas entram no pulmão, elas podem permanecer ali por algum tempo”, disse Zhang. “Se um vírus vier, ele poderá ser bloqueado se houver nanoesponjas esperando por ele.”

Bom momento para as nanoesponjas

O laboratório de Zhang na UC San Diego criou as primeiras nanopartículas revestidas por membrana há mais de uma década. A primeira dessas nanoesponjas estava coberta por fragmentos de membranas de glóbulos vermelhos. Essas nanoesponjas estão sendo desenvolvidas para tratar a pneumonia bacteriana e passaram por todas as etapas dos testes pré-clínicos da Cellics Therapeutics. Atualmente, a empresa está enviando o pedido de novo medicamento experimental (IND) ao FDA (a agência americana que regula remédios e alimentos) para seu candidato principal: nanoesponjas de glóbulos vermelhos para o tratamento de pneumonia por Staphylococcus aureus resistente à meticilina (MRSA). A empresa estima que os primeiros pacientes em um ensaio clínico serão administrados no próximo ano.

Os pesquisadores da UC San Diego também mostraram que as nanoesponjas podem fornecer medicamentos para o local de uma ferida; absorver toxinas bacterianas que desencadeiam sepse; e interceptar o HIV antes que ele possa infectar células T humanas.

A construção básica de cada uma dessas nanoesponjas é a mesma: um núcleo de polímero biodegradável e aprovado pela FDA é revestido com um tipo específico de membrana celular, para que possa ser disfarçado de glóbulo vermelho, célula T imune ou plaquetas. A camuflagem impede o sistema imunológico de detectar e atacar as partículas como invasores perigosos.

“Penso nos fragmentos da membrana celular como ingredientes ativos. Essa é uma maneira diferente de ver o desenvolvimento de medicamentos”, disse Zhang. “Para a covid-19, espero que outras equipes criem terapias e vacinas seguras e eficazes o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, estamos trabalhando e planejando como se o mundo estivesse contando conosco.”