Em discurso na cúpula do Mercosul, presidente brasileiro defendeu uma solução diplomática entre Venezuela e Guiana e instou países latinos e caribenhos a mediarem a situação.O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta quinta-feira (07/12) durante a cúpula do Mercosul, no Rio de Janeiro, que está “cada vez mais preocupado” com a crescente tensão entre Venezuela e Guiana e pediu que a Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) faça a mediação entre os dois países.

“Não queremos guerras nem conflitos, precisamos construir a paz, porque só com a paz podemos desenvolver nossos países”, alertou Lula na abertura da reunião de presidentes dos países do Mercosul.

O mandatário brasileiro disse que o Mercosul “não pode ficar alheio a essa situação” e que apresentará uma resolução aos outros três membros do bloco – Argentina, Paraguai e Uruguai – para que seja votada e incluída na declaração final da cúpula. A Venezuela está suspensa como membro do Mercosul desde 2017, por “ruptura da ordem democrática”.

Lula também afirmou que a América do Sul não deseja que essa “controvérsia contamine a retomada do processo de integração regional” nem que “constitua uma ameaça à paz e à estabilidade” de seus países.

Ele aconselhou que a Celac e a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) “sejam plenamente utilizadas para tratar pacificamente dessa questão”. “Sugiro que a Celac possa discutir a questão com ambas as partes. O Brasil estará à disposição para sediar qualquer reunião que seja necessária”, disse Lula.

A cúpula marca a despedida do Brasil na presidência rotativa do bloco, que será agora assumida pelo Paraguai.

Brasil manda militares à fronteira

Tendo em vista as crescentes tensões entre a Venezuela e a Guiana sobre a região de Essequibo, o Brasil reforçou militarmente sua fronteira com a Venezuela e a Guiana.

A área controlada pela Guiana, rica em petróleo e minerais e cuja posse Caracas reivindica há mais de um século, foi um dos primeiros pontos abordados por Lula em seu discurso no Mercosul.

O tema, de certa forma, tira o foco das discussões da cúpula sobre a ratificação do acordo UE-Mercosul, que enfrenta resistência de alguns países – especificamente da Argentina, do lado sul-americano, e da França, do lado europeu.

Também nesta quinta-feira, Lula lamentou que o Mercosul e a União Europeia (UE) não tenham conseguido assinar o acordo de livre-comércio neste ano, mas afirmou que ambas as partes avançaram para um texto mais equilibrado e pediu ao Paraguai que insista nas negociações em 2024.

“Acho que o texto que temos agora é mais equilibrado do que o assinado pelos governos anteriores [2019], mas ainda é insuficiente”, disse o petista.

Lula ressaltou que a versão anterior do acordo “era inaceitável” porque tratava os países sul-americanos “como seres inferiores e até colonizados”.

A questão do Essequibo

A disputa pela região do Essequibo é centenária, mas ganhou novos contornos recentemente, quando o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, anunciou um referendo sobre a redefinição da fronteira de seu país com a Guiana. A votação ocorreu no domingo, de forma unilateral, na Venezuela. Os 125 mil habitantes que vivem na área disputada não tomaram parte na votação. De acordo com as autpridades venezuelanas, a maioria dos votantes decidiu pela anexação de parte do território da Guiana.

A região em questão é uma área de 160 mil quilômetros quadrados localizada a oeste do Rio Essequibo, que hoje responde por cerca de 75% dos 215 mil km2 do território da Guiana. Essequibo inclui uma porção importante da costa guianesa, onde há poucos anos foram descobertas enormes reservas de petróleo e que a Guiana já está explorando, em parceria com companhias como a norte-americana ExxonMobil e a chinesa CNOOC.

A área está sob controle da Guiana desde que o país se tornou independente, em 1966. Antes disso, era dominada pelo Reino Unido. No século 19, quando a Guiana ainda era uma colônia britânica, ela delimitou seu território a leste do rio, mas gradualmente expandiu-se para o oeste, que já fazia parte da Capitania Geral da Venezuela.

A descoberta de depósitos de ouro e a chamada Linha Schomburgk, que empurrou a fronteira da Guiana Britânica para o oeste, anexando o atual território em disputa, motivou a criação de um tribunal arbitral em Paris para decidir a respeito. A sentença, emitida em 1899, “retirou da Venezuela todo o Esequibo”, diz Jorge Morán, cientista político da Universidade Rafael Belloso Chacín. A Venezuela, porém, considerou essa decisão “inválida e fraudulenta”, acrescenta Morán, citando indícios de imprecisões e parcialidade dos árbitros.

O Acordo de Genebra de 1966 – que a Venezuela defende atualmente – buscava uma solução política viável e eficaz para o conflito, ao mesmo tempo em que admitia a existência da disputa sobre a sentença arbitral de 1899. Mas as negociações se arrastaram sem resultados e, após esgotados todos os procedimentos, a ONU encaminhou o caso à Corte Internacional de Justiça (CIJ), também por insistência da própria Guiana. Em 2020, o tribunal concordou em examinar o caso, mas a Venezuela não reconhece sua legitimidade para tal. Em 1º de dezembro, a corte decidiu que o referendo promovido por Maduro era inválido para decidir a questão.

A região é conhecida na Venezuela como Guiana Essequiba, ou simplesmente, Essequibo, e, até o referendo, aparecia nos mapas oficiais do país como “Zona en Reclamación”, ou seja, um território que está sendo reivindicado. Depois da votação de domingo, Maduro apresentou um mapa venezuelano atualizado, já com a região da Guiana.

le/bl (EFE, AFP, Agência Brasil)