Os neandertais tinham de fato capacidade de lidar com símbolos. Esta foi a conclusão de um estudo iniciado há 14 anos pela equipe de pesquisa dos sítios que compõem os Tesouros da Comunidade de Madri no Vale dos Neandertais, localizados em Pinilla del Valle (região central da Espanha). O trabalho, liderado pelo arqueólogo Enrique Baquedano, o paleontólogo Juan Luis Arsuaga, o diretor científico do Museu da Evolução Humana e codiretor dos sítios de Atapuerca (Burgos), e o geólogo Alfredo Pérez-González, foi publicado na revista Nature Human Behaviour.

A pesquisa abordada no artigo se concentrou no sítio arqueológico neandertal de Cueva Des-Cubierta, localizada em 2009. Trata-se de uma longa galeria-caverna com tetos rebaixados, ou seja, não mantém sua cobertura original. Dali foi recuperado um conjunto excepcional de 35 crânios de grandes herbívoros, alguns deles associados a pequenos incêndios.

Entre os restos mortais estão bisões (Bison priscus), auroques (Bos primigenius), veados (Cervus elaphus) e dois rinocerontes da espécie Stephanorhinus hemitoechus. Todos os crânios foram preparados pelos neandertais sempre seguindo o mesmo padrão: retirar o cérebro, a mandíbula e a maxila e deixar a parte do crânio com os chifres ou galhadas como troféus de caça.

Crânios recuperados na Cueva Des-Cubierta. Crédito: Baquedano et al., Nature Human Behavior 2023 (CC BY 4.0)

Várias gerações

Segundo os pesquisadores, essa atividade foi mantida ao longo de pelo menos várias gerações, pois os crânios foram encontrados ao longo de toda uma camada de sedimentos que levaria muitos anos para se acumular. Isso introduz o conceito de tradição cultural que teria passado de geração em geração. Junto com esses crânios, apareceram ferramentas de pedra típicas dos neandertais, bem como bigornas e martelos usados ​​para quebrá-los.

Para os especialistas, esse comportamento de neandertais de pouco mais de 40 mil anos não está relacionado a atividades de subsistência, mas a outras atividades que esclarecem aspectos pouco conhecidos dessa espécie de hominídeo: suas capacidades simbólicas, até agora atribuídas apenas à nossa espécie.

Em reforço a essa ideia, poucos dentes de animais ou ossos fragmentados foram encontrados na caverna, o que indica que as criaturas foram massacradas em outro lugar e que apenas suas cabeças decepadas foram levadas para dentro. Como tais esconderijos de crânios não foram encontrados em qualquer outra caverna neandertal, os pesquisadores ainda não sabem explicar por que esse grupo em particular adotou essa prática específica.

Exclusividade em xeque

A ideia de que os crânios seriam troféus de caça é a que parece explicar melhor o achado, afirmam os pesquisadores. “No entanto, outras interpretações não podem ser descartadas, como uma ligação com ritual e fogo […] alguma expressão da relação simbólica entre os neandertais e o mundo natural, ou algum tipo de rito iniciático ou magia propiciatória”, concluem eles no estudo.

Até agora não se descobriu outro sítio arqueológico em todo o território neandertal com um conjunto semelhante ao de Pinilla del Valle, o que torna a Cueva Des-Cubierta um lugar excepcional que abre portas para um novo conceito sobre essa espécie. Até hoje, o Homo sapiens era considerado o único capaz de atribuir conceitos a símbolos. As descobertas da Cueva Des-Cubierta, porém, demonstram que os neandertais devem ser considerados nesse cenário.