16/02/2021 - 15:24
Mantido por muito tempo em uma coleção particular, o dente recém-analisado de uma criança neandertal de aproximadamente 9 anos aparentemente marca a região conhecida mais ao sul habitada por esse hominídeo. A análise do material arqueológico associado sugere que os neandertais usaram nas colinas de Hebron (sul da Cisjordânia, ao norte de Jerusalém) a técnica de ferramentas Nubian Levallois. Pensava-se que essa técnica era restrita ao Homo sapiens. O estudo a esse respeito foi publicado na revista “Scientific Reports”.
Com uma alta concentração de cavernas abrigando evidências de populações passadas e seu comportamento, o Levante é um importante centro de pesquisa sobre as origens humanas. Por mais de um século, as escavações arqueológicas acharam ali fósseis humanos e conjuntos de ferramentas de pedra que revelam paisagens habitadas por neandertais e Homo sapiens. Isso torna tal região um potencial terreno de mistura entre as populações.
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É difícil distingui-las apenas pelos conjuntos de ferramentas de pedra. Mas argumenta-se que uma tecnologia, a técnica Nubian Levallois, havia sido utilizada apenas pelo Homo sapiens.
Reexame de fósseis
No novo estudo, uma equipe internacional de pesquisadores reexaminou o registro fóssil e arqueológico da caverna Shukbah, nas colinas de Hebron. Suas descobertas estendem mais para o sul a gama conhecida de neandertais. Além disso, sugerem que nossos parentes agora extintos fizeram uso de uma tecnologia anteriormente considerada uma marca registrada dos humanos modernos. Esse estudo marca a primeira vez que o dente humano solitário do local foi investigado em detalhes, em combinação com um grande estudo comparativo que examinou o conjunto de ferramentas de pedra.
“Locais onde fósseis de hominídeos estão diretamente associados a conjuntos de ferramentas de pedra permanecem uma raridade. Mas o estudo de fósseis e ferramentas é fundamental para a compreensão das ocupações de hominídeos na caverna Shukbah e na região mais ampla”, diz o autor principal, dr. Jimbob Blinkhorn, ex-membro do Royal Holloway, da Universidade de Londres (Reino Unido), e agora no Grupo de Pesquisa da Evolução Pan-Africana do Instituto Max Planck para a Ciência da História Humana (Alemanha).
Exclusividade discutida
A caverna Shukbah foi escavada pela primeira vez na primavera de 1928 por Dorothy Garrod. Ela relatou um rico conjunto de ossos de animais e ferramentas de pedra cimentadas em depósitos de brecha, frequentemente concentrados em pisos bem marcados. Ela também identificou um molar humano grande e único. No entanto, o espécime foi mantido em uma coleção particular durante a maior parte do século 20. Isso proibiu estudos comparativos com o uso de métodos modernos. A recente reidentificação do dente no Museu de História Natural de Londres levou a novos trabalhos detalhados nas coleções Shukbah.
“A professora Garrod viu imediatamente como esse dente era distinto. Examinamos o tamanho, a forma e a estrutura 3D externa e interna do dente, e comparamos com os espécimes de Homo sapiens e de neandertal do Holoceno e do Pleistoceno. Isso nos permitiu claramente caracterizar o dente como pertencente a uma criança neandertal de aproximadamente 9 anos“, afirma o dr. Clément Zanolli, da Universidade de Bordeaux (França). “Shukbah marca a extensão mais meridional do alcance dos neandertais conhecida até hoje”, acrescenta Zanolli.
Embora o Homo sapiens e os neandertais compartilhem o uso de um amplo conjunto de tecnologias de ferramentas de pedra, argumentou-se recentemente que a tecnologia Nubian Levallois fora usada exclusivamente pelo Homo sapiens. O argumento foi baseado particularmente no sudoeste da Ásia, onde ferramentas Nubian Levallois foram empregadas para rastrear dispersões humanas na ausência de fósseis.
Região dinâmica
“As ilustrações das coleções de ferramentas de pedra de Shukbah indicaram a presença da tecnologia Nubian Levallois, então revisitamos as coleções para investigar mais. No final, identificamos muito mais artefatos produzidos usando as técnicas Nubian Levallois do que havíamos previsto”, diz Blinkhorn. “Esta é a primeira vez que eles foram encontrados em associação direta com fósseis de neandertal. Isso sugere que não podemos fazer uma ligação simples entre essa tecnologia e o Homo sapiens.”
O professor Simon Blockley, da Universidade de Londres, acrescenta: “O sudoeste da Ásia é uma região dinâmica em termos de demografia, comportamento e mudança ambiental dos hominídeos, e pode ser particularmente importante para examinar as interações entre os neandertais e os Homo sapiens. Esse estudo destaca a extensão geográfica das populações de neandertais e sua flexibilidade comportamental, mas também emite uma nota oportuna de cautela de que não há ligações diretas entre hominíneos particulares e tecnologias específicas de ferramentas de pedra”.
“Até agora não temos nenhuma evidência direta da presença de um neandertal na África”, disse o professor Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres. “Mas a localização meridional de Shukbah, a apenas cerca de 400 km do Cairo, deve nos lembrar que eles podem até ter se dispersado na África às vezes.”