Reforma na Constituição do país latino-americano acaba com independência dos poderes e amplia mandatos do presidente e de sua esposa, Rosario Murillo, agora “copresidente”.O parlamento da Nicarágua concluiu na quinta-feira (30/01) a votação da reforma constitucional que dá ao presidente Daniel Ortega e sua esposa, Rosario Murillo, amplo controle sobre todos os poderes do Estado e organizações da sociedade civil, como a imprensa e a Igreja. O texto havia sido aprovado em primeira instância pelos legisladores em novembro, que agora ratificaram a mudança.

A reforma amplia de cinco para seis anos o mandato do governo e eleva o status da primeira-dama e vice-presidente para “copresidente”.

O texto foi aprovado por unanimidade, sem abstenções ou votos contrários, pelos 91 membros do Congresso.

Ortega, um ex-guerrilheiro de 79 anos que governou a Nicarágua na década de 1980 após o triunfo da revolução sandinista, está no poder desde 2007. Seus críticos o acusam de estabelecer uma “ditadura familiar” no país, ao lado de sua esposa, de 73 anos.

A reforma, aprovada “por unanimidade” por um Congresso dominado pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), estabelece que os copresidentes coordenarão “os órgãos legislativos, judiciais e eleitorais”, anteriormente reconhecidos como poderes independentes.

“Essas mudanças drásticas marcam a destruição do Estado de Direito e das liberdades fundamentais na Nicarágua”, disse o advogado norte-americano Reed Brody, membro de um painel de especialistas da ONU que avalia os direitos humanos no país.

O Congresso aprovou ainda uma moção do chefe do legislativo para tornar retroativa a regra sobre o mandato, estendendo o atual governo de Ortega até 2028, ao lado de Murillo.

A Nicarágua agora se define como um estado “revolucionário” e “socialista”, e inclui entre seus símbolos nacionais a bandeira vermelha e preta da FSLN, o antigo grupo guerrilheiro de esquerda que derrubou o ditador Anastasio Somoza em 1979.

O parlamento “selou um novo capítulo em nossa história de bênção, de liberdade, de dignidade nacional, de orgulho nacional, ao aprovar por unanimidade a nova Constituição”, disse Murillo, concluindo sua fala controversa dizendo que a Nicarágua é um “modelo de democracia direta”.

Cenário de retrocessos

O Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) pediu nesta sexta-feira (31/01) ao governo da Nicarágua que revise as reformas aprovadas pelo parlamento, que “aprofundarão o retrocesso na área dos direitos políticos e civis”, disse o porta-voz da organização, Jeremy Laurence, em uma coletiva de imprensa em Genebra.

Ele enfatizou que as mudanças aprovadas na Constituição causarão mais erosão em um sistema já extremamente frágil de freios e contrapesos em relação ao poder Executivo.

Ortega e Murillo radicalizaram suas posições e aumentaram o controle sobre a sociedade nicaraguense após os protestos de 2018, cuja repressão deixou 320 mortos, segundo a ONU. Os protestos foram classificados pelo governo como uma tentativa de golpe patrocinada por Washington.

A reforma estabelece que o Estado “monitorará” a imprensa e a Igreja para que não respondam a “interesses estrangeiros” e, no caso das empresas, para que não apliquem sanções como as impostas à Nicarágua pelos Estados Unidos.

Também oficializa a retirada da nacionalidade nicaraguense daqueles considerados “traidores da pátria”, como o governo fez com cerca de 450 críticos e opositores nos últimos anos.

“Polícia voluntária”

Outra das normas polêmicas da constituição reformada é a criação de uma “polícia voluntária”, formada por civis, como “órgão auxiliar e de apoio” às forças de segurança – considerado pela oposição como um grupo paramilitar.

Com os rostos cobertos por capuzes pretos, mais de 15 mil civis foram empossados pelas autoridades nicaraguenses como “policiais voluntários” desde meados de janeiro, antes mesmo de a reforma constitucional ser totalmente ratificada.

Durante os protestos de 2018, homens encapuzados e fortemente armados, que o governo chamou de “povo”, atuaram para controlar o movimento e desmantelar as trincheiras montadas por manifestantes, boa parte deles estudantes universitários. A ação foi chamada por ativistas e pela oposição de “Operação Limpeza”.

A Constituição de 1987 foi reformada várias vezes por deputados pró-Ortega, incluindo a que estabeleceu a reeleição presidencial indefinida. A crise no país se intensificou após as eleições de 2021, quando Ortega, no poder desde 2007, se reelegeu para um quinto mandato – o quarto consecutivo –, com adversários presos e expulsos do país.

sf/ra (DW, AFP, EFE)