Logo na entrada da aldeia de Chiang Dav, vejo crianças correndo e sorrindo. Aprendi, nas viagens, que o comportamento das crianças é um excelente termômetro para medir o clima psicológico das comunidades visitadas. Elas são espontâneas e permeáveis, e seus olhinhos, verdadeiras janelas da alma, revelam logo se estão felizes ou não. De imediato percebi que as crianças karens são alegres e bem cuidadas.

A etnia karen, à qual os padaungs pertencem, possui uma tradição cultural muito remota e antiga. O fato de seus membros se protegerem mutuamente constitui a base da sua organização social. Suas tradições, desenvolvidas ao longo de muitos séculos, são cheias de detalhes particulares. Toda a comunidade trabalha para que tais detalhes não sejam esquecidos. Uma primeira característica que chama a atenção de quem os visita é a beleza das mulheres karens.

James, um francês integrante da equipe da Expedição Indochina, da qual também eu fazia parte, logo se agacha e começa a se divertir com a meninada, fazendo-a rir. Aquele seria mais um desses dias mágicos que às vezes acontecem durante as viagens. A luz estava perfeita para fotografar, as cores, vibrantes, as mulheres, lindas.

Na entrada da aldeia, nas laterais de uma rua de terra batida, pequenos bangalôs exibem artesanatos maravilhosos: echarpes coloridas, anéis, bolsas… Uma infinidade de cores. Entrávamos no reino dos long ears (“orelhas longas”), como também são conhecidos os karen-padaungs.

Eles são um dos povos mais antigos do Sudeste da Ásia. Já habitavam essas montanhas bem antes de a região ser dividida em muitas nações. Para eles, a orelha é uma das partes mais sagradas do corpo humano. Por isso, tornou-se importante adorná-la. Na mulher, a orelha adornada exprime a beleza; no homem, a força. Na comunidade que visitávamos, essa tradição, hoje, é mantida apenas pelas mulheres casadas.

A etnia karen possui uma tradição cultural muito remota e antiga, repleta de detalhes particulares. o fato de seus membros se protegerem mutuamente constitui a base de sua organização social

 

Na chegada, uma primeira surpresa; os poucos homens que vimos por ali estavam todos com os olhos colados na única tevê do lugar, vendo uma luta de muay thai… Esse esporte está para a Tailândia assim como o futebol está para o Brasil.

Boa parte dos karens migrou da região do Triângulo Dourado, em Mianmar (a antiga Birmânia), para se fixar no norte da Tailândia. A etnia é, na verdade, uma confederação de várias tribos intimamente relacionadas. Cada uma das suas aldeias possui dialetos próprios, bem como distintos padrões de beleza e de costumes.

Alguns passos mais e dou de frente com a cena tão esperada, e que até então só vira em documentários: o grupo das “mulheres-girafa”, ou karen baan thaton.

A expressão “mulher-girafa” (long neck, em inglês) deriva de um curioso costume das mulheres dessa tribo: elas usam grandes anéis de latão ao redor do pescoço. Isso os faz parecer muito mais compridos do que o normal. Fico atônita diante das emoções que sinto: elas são lindas e vestem-se com trajes muito coloridos, mas os anéis no pescoço me causam estranheza e desconforto.

Acima, a beleza irretocável de uma menina da tribo hill. Na página ao lado, acima à esquerda, garotos da tribo h’mong aproveitam a época de seca para brincar entre os arrozais; à direita, outra menina hill. Abaixo, vista da entrada da aldeia das mulheres-girafa karens.

Diante de sua barraca de artesanatos, uma senhora permanece sentada a sorrir para nós. Tem o pescoço literalmente coberto por uma sucessão de anéis de metal. Logo à sua frente está um objeto igual, em exposição.

– Como é pesado! – exclamo, segurando os anéis. – Devem pesar uns cinco quilos!

Além de usar anéis no pescoço, braços e pernas, essas mulheres muitas vezes enfeitam suas orelhas com vários brincos e adornos de marfim.

Sinal de beleza e status, os anéis no pescoço começam a ser colocados nas meninas por volta dos 5 ou 6 anos de idade. A cada ano que passa, outros anéis são adicionados. Uma mulher adulta usa 37 anéis de bronze em volta do pescoço e esse é considerado o número ideal.

Enquanto fotografava, ouvi um guia dando explicações interessantes. Ele dizia que, em Mianmar, mulheres da tribo eram constantemente atacadas por tigres; elas acreditavam que, se usassem aqueles anéis no pescoço, os tigres não as matariam. O guia disse também que se uma mulher tirasse esse adorno e “fosse para a cidade”, ao voltar não seria mais aceita na comunidade, “por trazer com ela os maus espíritos”. Os anéis dos braços podem ser colocados do pulso até os cotovelos e os das pernas, do tornozelo até os joelhos. Esses anéis são revestidos de tecido.

Passamos uma tarde encantada na companhia dessas belas meninas com seus rostinhos pintados, e das mulheres karens adultas que produziam estonteantes echarpes em seus teares manuais.

 

Abaixo, anéis de uma mulher-girafa karen adulta. No centro, crianças que já convivem desde cedo com os costumes da tribo. Na extrema direita, a repórter e uma amiga local: a tigresa Jennifer.

Anéis: sinal de beleza e de riqueza

Muitos conhecem os karens radicados no norte da Tailândia como o povo das mulheres-girafa. Mas as mulheres que usam esses anéis de latão ao redor do pescoço pertencem, na verdade, a um subgrupo dos karens conhecido como padaung. Outros subgrupos da mesma etnia não praticam esse costume. Outro mito é o de que esses anéis alongam o pescoço de quem os usa. Mas qualquer ortopedista diria, com razão, que tal alongamento levaria à paralisia dos movimentos da pessoa ou até à sua morte. Na verdade, a aparência de um pescoço mais longo que o normal é pura ilusão visual. Pouco a pouco, o peso dos anéis empurra para baixo os ossos do colarinho, bem como as costelas superiores, até o ponto em que os ossos do colarinho parecem fazer parte do pescoço!

Há várias versões sobre as razões pelas quais os karenpadaungs praticam esse costume bizarro. Sua própria mitologia explica que o fazem para impedir que os tigres, outrora abundantes na região, os mordam. Outros dizem que isso deixa as mulheres pouco atraentes, tornando-as pouco interessantes para os mercadores de escravas. A explicação mais corrente, no entanto, é o contrário de tudo isso: os pescoços extralongos são considerados um sinal de grande beleza e riqueza, e com eles uma mulher consegue um marido melhor. Parece, no entanto, que o adultério é punido com a remoção dos anéis. Nesse caso, como os músculos do pescoço ficaram severamente enfraquecidos depois de passar anos sem suportar o peso da cabeça, a mulher não mais conseguirá ficar em pé, sendo obrigada a passar o resto da sua vida deitada. De qualquer forma, segundo informam pesquisadores que estudaram os karens, o adultério e o divórcio entre os membros desse grupo são extremamente raros.

Seja qual for a origem do costume, uma das principais razões que o fazem perdurar até os dias de hoje, sobretudo na Tailândia, é o turismo. Embora tenham migrado para a Tailândia nas últimas décadas, vindos da vizinha Mianmar, os padaungs rapidamente se tornaram uma grande atração para os turistas estrangeiros amantes das longas caminhadas em montanhas. Alguns jornalistas interpretam isso como uma exploração dos padaungs, definindo uma visita às comunidades padaungs como sendo “um passeio a um zoológico humano”. A tal ponto que alguns operadores tailandeses agora recusam levar turistas a essas aldeias, enquanto, por seu lado, alguns turistas boicotam as operadoras que o fazem.

Talvez por causa de o costume de usar aros de latão ao redor do pescoço ser uma coisa tão chamativa, atenção muito menor tem sido dada a outros aspectos da cultura karen. Entre eles, o fato de que enormes brincos desempenham um papel dominante na ornamentação. Embora visualmente não tão sensacionais quanto os pescoços alongados, os assim chamados “karens de orelhas longas” continuam a alterar seus corpos de modo significativo. Da mesma forma que para as mulheres que colocam aros no pescoço, as que usam grandes brincos começaram a fazê-lo ainda meninas, usando adornos pequenos que aumentam de tamanho com o passar dos anos. Os karens são também ótimos músicos, particularmente guitarristas, e verdadeiros mestres na arte de domesticar e treinar elefantes.

A sociedade karen é matrilinear – é a mãe quem define a linhagem da família. O incesto é severamente desencorajado, e o casamento é considerado um dos momentos mais importantes da vida de uma mulher. A tal ponto que, se uma mulher morre antes de se casar, ela é enterrada (ou cremada) usando roupas de mulher casada. Isso, diz-se, reduz as chances de que espíritos malévolos a impeçam de entrar no reino dos espíritos desencarnados. Embora muitos historiadores afirmem que eles sejam originários de Mianmar, outros apontam detalhes das tradições orais dos karens que parecem indicar para eles uma origem chinesa.