10/02/2016 - 19:14
Embora não sejam a cordilheira mais alta do mundo, os Alpes, no centro da Europa, representam uma imponente atração turística e um desafio para os seus visitantes. Nenhum país vive tão bem essa situação quanto a Suíça, com seu acidentado território marcado por vales verdejantes, lagos azuis e picos nevados. A visão do alto das montanhas é majestosa, mas chegar lá era, a princípio, privilégio de montanhistas. Como permitir a uma pessoa comum o acesso a essas maravilhas?
Viajando com sua filha, em 1893, o empresário suíço Adolf Guyer-Zeller observou o enorme maciço rochoso formado pelos picos Mönch, Eiger e Jungfrau, na fronteira entre os cantões de Berna e Valais, e vislumbrou uma ferrovia subindo pelas encostas até o topo da montanha. Magnata dos setores têxtil e financeiro em Zurique, Guyer-Zeller era um empreendedor visionário. Quatro meses depois daquela viagem ele pediu ao governo suíço uma concessão para fazer a obra que antevira. Ferrovias não lhe eram estranhas: uma parcela de sua fortuna viera da compra de partes de linhas férreas durante a recessão dos anos 1870.
A concretização do sonho dependia de soluções tecnológicas inexistentes à época. O sistema ferroviário suíço já era desenvolvido então, com várias linhas construídas. Uma delas levava à mais alta estação regional, Kleine Scheidegg, a 2.061 metros de altitude, localizada no passo entre as montanhas Eiger e Lauberhorn, aos pés da face norte do Eiger.
A concessão saiu em dezembro de 1894. Ao perceber que precisaria de muita energia elétrica para movimentar seus trens em terreno tão crítico, Guyer-Zeller solicitou e obteve autorização para fazer uma hidrelétrica no rio Lutschinen. Em 1896, a construção da ferrovia começou. A partir da estação Kleine Scheidegg, o terreno se inclina mais e os desafios logísticos cresciam exponencialmente. Foi usado o sistema de cremalheiras, uma roda dentada no meio dos trilhos, que permitia a aderência dos trens à via férrea. Sem a roda dentada, os trens patinariam nos trilhos e poderiam descarrilar.
Acima da Kleine Scheidegg, a linha traçada seguia frontalmente até a aresta na base do Eiger, ladeada por mais de 1.500 metros de paredes rochosas. Para progredir a partir daí, Guyer-Zeller concebeu um túnel de quase 7,5 km perfurando a montanha até desembocar no Jungfraujoch, o passo entre os cumes dos picos Eiger e Mönsch, a 3.454 metros de altitude.
Escavações e explosões
Teve início então o período mais árduo, lento e penoso da ferrovia. Cavar o túnel exigiu milhares de explosões de rocha por anos a fio. Durante a obra, foi preciso abrir buracos na lateral da montanha para despejar milhares de toneladas de rocha removida na escavação. Essas aberturas foram depois transformadas em amplas janelas panorâmicas. Durante o trajeto no túnel, o trem para diante dessas janelas por alguns minutos para que os turistas desçam e apreciem a paisagem.
Cheguei a Interlaken, cidade que dá acesso à ferrovia, numa manhã de tempo instável. Torcia para o tempo abrir, pois no dia seguinte subiria ao Jungfrau. O tempo não abriu, mas subi assim mesmo. Durante a ascensão, desembarquei em um desses pontos e fui até a janela. O tempo estava encoberto e não se via nada, mas uma brecha se abriu e tive um vislumbre do cenário a perder de vista, com a pequena Interlaken no fundo do vale. A visão de sonho acabou segundos depois, quando a brancura encobriu de novo a paisagem. Era hora de voltar ao trem.
A história da construção da Ferrovia Jungfrau é marcada por acidentes com explosivos e maquinários, greves e sérios problemas financeiros. Os operários, na maioria italianos, passaram anos furando, instalando explosivos e cavando o túnel, em troca de baixos salários.
Feita em uma época em que os trens alpinos causavam furor, a Jungfrau é a ferrovia de montanha mais radical e emblemática da Suíça. Sua construção atraiu admiradores, mas também despertou a ira de muitos. A Liga Suíça pela Proteção da Natureza (atualmente Pro Natura) afirmou à época: “É preciso parar com essa loucura destruidora e salvar o que resta de nosso patrimônio cênico para nossos descendentes”. Para o Guia Azul (um dos mais antigos guias de viagem do mundo) da época, porém, a ferrovia “é uma dos trens alpinos mais interessantes, pois permite aos menos esportistas alcançar cumes antes reservados apenas aos alpinistas mais habilidosos e experientes”.
A Jungfrau foi aberta por trechos, para garantir seu financiamento, e os primeiros turistas chegaram em 1905. Durante os primeiros anos de operação, ingleses, franceses, alemães e italianos acorriam a Interlaken para embarcar no trem que levava ao “teto da Europa”. Mas a Primeira Guerra Mundial interrompeu esse fluxo. Após a guerra, os estrangeiros não voltaram, e foi preciso encontrar outra clientela na classe média suíça.
Adolf Guyer-Zeller empenhou quase toda sua fortuna na construção da ferrovia, mas não viu sua conclusão. Ele faleceu em abril de 1899, de ataque cardíaco, aos 59 anos. Seu filho, Guyer-Zeller Söhne, concluiu a obra. No projeto original, a ferrovia seguiria acima do passo Jungfraujoch, mas as dificuldades financeiras levaram ao abandono do traçado final e o Jungfraujoch se tornou a última estação.
Continuação prevista
Mas isso poderá mudar. Em 2012, nas festividades do centenário da ferrovia, o diretor Urs Kessler, da JBH (empresa que administra a linha), revelou em uma coletiva de imprensa que, até 2016, uma extensão do trem levará os visitantes até Ostgrat, a 3.700 metros. Além da extensão, outras melhorias serão apresentadas ao público.
“Precisamos continuar atraentes para os novos mercados”, justificou Kessler. Mas para o arquiteto Benedikt Loderer, escritor e fundador da revista Hochparterre, “o conforto do turista é apenas um pretexto. O que querem é que os turistas se movam mais rapidamente para receberem mais pessoas”, disse a PLANETA.
Os anos de alpinismo que pratiquei me ajudaram a atenuar os efeitos da altitude, mas sucumbi ao cansaço e ao torpor depois de exagerar em uma refeição no alto da montanha. Durante a subida, no trem, já se viam turistas abatidos pelo rápido ganho de altitude.
Após algumas horas esperando o tempo se abrir, circulando pelas atrações da estação, percebi que a tarde se tornava cada vez mais sombria e cinzenta e os ventos, mais fortes. Refeito do mal-estar, peguei o trem de volta. Durante o lento trajeto, observam-se os efeitos da altitude: muitos turistas são tomados pelo torpor e adormecem no trem. São os efeitos no organismo da grande ascensão (quase 1.400 metros) realizada em tempo curto demais para a pessoa se acostumar à altitude e à atmosfera mais rarefeita. Mas esses percalços são um preço pequeno a se pagar em troca de paisagens que ficam para sempre na memória.