12/02/2025 - 17:45
Trump tem feito anúncios e assinado decretos num ritmo alucinante desde que retornou à Casa Branca. Especialistas veem precedente em Roosevelt, mas dizem que meta trumpista é muito mais radical.Das drásticas mudanças na política migratória ao desmantelamento da burocracia do “Estado Profundo”, o presidente Donald Trump está levando adiante transformações fundamentais nos EUAe mostra pouca consideração por oponentes políticos.
Essa abordagem tempestuosa pode até parecer inédita, mas na verdade tem precedentes históricos, analisa o cientista político Thomas Greven, da Universidade Livre de Berlim. Ele se refere ao ex-presidente Franklin Delano Roosevelt. Em 1933, o democrata queria combater as consequências da crise econômica global e lançou o programa New Deal.
Em março de 1933, pouco depois de assumir o cargo, Roosevelt, com uma enxurrada de leis e decretos, transformou o Estado no ator central da recuperação econômica – uma ruptura radical com as políticas de seus antecessores. “Com seu New Deal, Roosevelt disse ‘precisamos de um governo federal ativo’. O Estado deve intervir ativamente em recessões e crises. Inicialmente, porém, ele esbarrou em grande resistência do Judiciário, da Suprema Corte”, explica Greven.
Com seu programa de emergência, Roosevelt queria causar um impacto rápido na crise econômica global. Por isso o presidente americano contornou os longos processos legislativos e implementou elementos centrais de sua reforma por meio de decretos presidenciais (as ordens executivas). Imediatamente após assumir o cargo, por exemplo, ele ordenou o fechamento temporário de todos os bancos.
Em apenas cem dias, Roosevelt aprovou 15 projetos de lei fundamentais no Congresso, incluindo programas sociais, uma reforma bancária e medidas de criação de empregos. Com isso, ele iniciou também a prática de avaliar um governo pelos seus primeiros cem dias, pela qual até hoje políticos do mundo todo são avaliados. Trump também está impondo grandes mudanças por meio de ordens executivas em seus primeiros cem dias. Mas, se Roosevelt queria fortalecer o Estado como ator econômico, Trump quer enfraquecê-lo.
Suprema Corte ao seu lado
Roosevelt inicialmente teve que encarar a resistência da Suprema Corte para aprovar suas reformas. Os juízes declararam inconstitucionais várias das medidas, mas depois cederam. Também os adversários de Trump estão tentando adotar medidas legais contra vários decretos presidenciais.
Só que Trump persegue uma meta muito mais ambiciosa e radical do que a de Roosevelt: se o que o democrata queria era transformar o governo federal num ator econômico ativo, o que Trump quer é remodelar radicalmente o poder executivo — deixando o presidente como a autoridade de controle quase única. Com isso ele rompe com a tradicional linha republicana.
Porém, ao contrário de Roosevelt, Trump não precisa lutar contra uma corte constitucional hostil: já durante o primeiro mandato ele encheu a Suprema Corte de juízes conservadores que tendem a apoiar sua agenda.
E também para Trump o tempo é um fator central: o presidente tem pouco menos de dois anos para implementar as suas reformas fundamentais, avalia Greven. “Se as instituições democráticas ainda estiverem funcionando em 2026 e 2028, e sobretudo eleições puderem ser realizadas de forma livre e justa, provavelmente haverá uma correção, ou pelo menos poderá haver uma correção se a população disser ‘isso está indo longe demais’.”
Até onde Trump conseguirá ir?
Por enquanto, porém, Trump pode contar com o apoio dos eleitores. Ele está se beneficiando de uma “difusa fadiga da democracia”, que não é exclusiva dos EUA, diz Greven. Entre o eleitorado predomina uma certa frustração por um governo eleito ser limitado em sua capacidade de agir por vários mecanismos constitucionais, sociais e legais.
“Observa-se uma crescente disposição entre os cidadãos por uma democracia que eu descreveria como hipermajoritária. Trump quer remover os obstáculos institucionais à ação governamental, os freios e contrapesos [sistema pelo qual os poderes do Estado se controlam e limitam uns aos outros].”
Para Greven, pode-se falar de uma “revolução reacionária”, ou seja, uma reestruturação nos fundamentos do Estado com o objetivo de enfraquecer os mecanismos de controle democrático e estabelecer estruturas autoritárias. “A questão é até onde Trump conseguirá ir”, observa.
Para atingir seu objetivo, Trump usa métodos que eram estranhos aos seus antecessores: “Inundar a área de merda” é como o ex-conselheiro de Trump Steve Bannon descreve uma abordagem. Isso significa inundar deliberadamente o público, a mídia e os adversários políticos com ações, declarações e escândalos.
A oposição democrata nos EUA já ajustou sua estratégia e opta por não oferecer resistência política. “Acredito que os democratas tomaram uma decisão muito consciente de não reagir a cada provocação que Trump faz, até porque isso sobrecarregaria a oposição. Eles estão optando pela via legal – também na esperança de que haja uma correção de rumo nas urnas nas eleições de meio de mandato de 2026”, comenta Greven.
Abordagem maximalista
Mesmo que as declarações polêmicas, as ameaças constantes e os anúncios sucessivos deem uma impressão de falta de coordenação para quem olha de fora, o cientista político Sascha Lohmann, do Instituto Alemão de Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), parte do princípio de que Trump esteja seguindo um plano.
“Trump está adotando uma abordagem muito maximalista nas ordens executivas: ele está tentando impor o máximo possível. É por isso que os decretos também têm cláusulas de divisibilidade (severability), ou seja, se alguma parte for anulada por um tribunal, as outras partes continuam valendo. Aqui Trump já está antecipando uma reação legal”, avalia.
Trump está levando adiante questões que há décadas vêm sendo defendidas pelo Partido Republicano: o encolhimento da administração pública e políticas de imigração e de segurança de fronteira mais militantes. “Nesse sentido, nada disso é novo. O dramático e extraordinário é a radicalidade com que se tenta implementar essas prioridades no processo político”, diz Lohmann.
O sucesso dessa abordagem no longo prazo depende não apenas dos tribunais, mas também da dinâmica política dos próximos anos. É o que mostram acontecimentos recentes na França. Em 2007, o então presidente, Nicolas Sarkozy, também impôs uma série de reformas simultâneas para calar seus oponentes e transmitir a impressão de determinação e energia. A estratégia, porém, não foi bem-sucedida. Muitos críticos viam no método mais caos do que estratégia. Vários projetos de reforma ficaram pelo meio do caminho ou foram posteriormente retirados.
Historicamente, a expansão excessiva do poder político muitas vezes leva a uma contrarreação, mas a agenda de Trump, ao contrário de outros casos, pode mesmo mudar permanentemente as estruturas democráticas dos EUA.