01/07/2009 - 0:00
O cientista norte-americano afirma que comportamentos e estados emocionais são contagiosos e podem se disseminar pela rede de relacionamentos
Fowler diz que políticas de saúde devem aproveitar a força das ligações sociais
Nos últimos dois anos, as ideias do cientista social , 38 anos, estão ganhando espaço nas principais revistas acadêmicas do mundo e na imprensa internacional. Com o colega médico Nicholas Christakis, que leciona sociologia na Escola de Medicina de Harvard, em Massachusetts, nos Estados Unidos, ele publicou uma série de artigos bastante provocativos demonstrando que nosso humor e a própria saúde são fortemente influenciados pelas pessoas com as quais convivemos e pelos amigos dos nossos amigos. A dupla de cientistas afirma que comportamentos e estados emocionais fluem, como uma onda, pela rede de relacionamentos sociais que mantemos. Pesquisas recentes de Fowler e Christakis demonstram que essa teoria é válida para a disseminação do tabagismo, da obesidade, do altruísmo, da depressão e da felicidade. Em janeiro, outro trabalho do cientista apontou o papel dos genes na posição ocupada pelos indivíduos nos seus grupos.
“Vimos que as pessoas se dirigem para o centro ou para a periferia das redes de acordo com aspectos genéticos”, diz. As conclusões dos pesquisadores figuram entre os grandes avanços da medicina e da ciência de 2007 e 2008 listados pelas revistas Time e Harvard Business Review. Os estudos contaram com recursos do governo norte-americano. Do ponto de vista estratégico, busca-se saber como usar o poder das redes sociais para traçar políticas públicas de combate ao tabagismo, por exemplo. Da Califórnia, nos Estados Unidos, onde ensina na Universidade de San Diego, Fowler deu a seguinte entrevista a PLANETA.
Pode explicar de que maneira os comportamentos e estados emocionais se disseminam entre as pessoas através das redes de relacionamentos sociais? A obesidade, o tabagismo, o alcoolismo, a felicidade, a tristeza e a depressão podem se propagar de uma pessoa para outra até três graus de separação. Isso significa que se algo acontecer ao amigo do seu amigo, existe uma chance significativa de que isso venha a ter efeitos sobre você. Em outras palavras, isso pode afetar a sua saúde, por exemplo.
Como eles são transmitidos de uma pessoa a outra? Acontece como uma linha de dominós, ou seja, quando o primeiro se inclina, os outros caem na sequência. Uma das possibilidades para que isso se propague é a pura imitação. Olho você fazer alguma coisa e faço o mesmo. Nossa tendência é copiar comportamentos das pessoas com as quais convivemos, reproduzindo gestos, o jeito de falar, as expressões do rosto e também hábitos. Há pesquisas mostrando que isso tem repercussões neuronais e no organismo.
Há outras maneiras? Outra forma é pela influência dos sentimentos. Eles alteram o seu comportamento, que se propaga e afeta o meu também. Explicando melhor com um exemplo simples: se você está feliz e decide ficar mais tempo comigo, isso vai me deixar mais feliz. Posso depois ficar mais tempo com outras pessoas e também deixá-las mais felizes. Mas isso não funciona de modo igual para todos. Entre outros fatores, depende da natureza da relação que existe entre os indivíduos e da frequência com que se encontram. Vimos em estudos anteriores que a infelicidade também se dissemina, mas de forma menos fiel. Atualmente, estamos estudando como a depressão se espalha pela rede. Ela tem papel importante na sua expansão, mas ainda não fechamos a análise dos dados.
Como a obesidade se propaga nessas cadeias de relacionamento? Observamos que pessoas que moram perto, mesmo que sejam vizinhas de porta, não se influenciam mutuamente nesse aspecto. Isso porque o contato incidental não surte efeito. A obesidade só se difunde em relações sociais muito estreitas, nas quais as pessoas convivem. Considerando a proximidade dos laços, portanto, as chances de uma pessoa se tornar obesa chegam a 57%, em média, se tiver um amigo ou amiga próxima que está engordando. Outro fator que contribui para o risco é ser do mesmo gênero. As possibilidades são menores se isso acontece com parentes próximos ou entre marido e mulher. Se você vê a sua melhor amiga do colégio depois das férias e percebe que ela ganhou algum peso, pode pensar, consciente ou inconscientemente, que é normal para você ganhar algum peso também. Agora temos um estudo em andamento sobre a propagação de dietas específicas de uma pessoa a outra. Será que se eu consumir alimentos fritos posso influenciar os meus amigos a aderir a esse tipo de comida também?
O cientista norte-americano afirma que comportamentos e estados emocionais são contagiosos e podem se disseminar pela rede de relacionamentos
“uma pessoa que é muito próxima de um fumante tem 61% mais chance de fumar também”
O que acontece em relação ao tabagismo? Não estamos certos de que o mecanismo seja o mesmo da obesidade, mas temos evidências de que a rede social importa muito nesses casos. Por exemplo, uma pessoa que é muito próxima de um fumante (um grau de separação) tem 61% mais chances de fumar também. Mas essa mesma chance é aproximadamente de 29% se os amigos da pessoa de quem você é próximo fumam (dois graus de separação) e 11% maior se os amigos dos amigos da pessoa de quem você é próximo são fumantes. Vimos que a partir do quarto grau de separação não há um aumento no risco.
Quais são as aplicações de suas descobertas? Elas irão transformar a maneira como pensamos sobre nós mesmos. De repente, pequenas coisas que eu faço para ficar mais saudável e feliz parecem muito mais importantes porque têm efeitos em dezenas ou mesmo em centenas de outros indivíduos. Pessoalmente, agora assumo maior responsabilidade pelo meu peso e pelo meu humor porque sei que isso não afeta somente o meu filho e a minha mulher, mas potencialmente pode atingir os amigos do meu filho e a mãe da minha mulher. Além disso, compreender como funcionam as redes em relação às várias facetas da saúde humana permitirá melhorar e criar políticas públicas que causem maiores impactos.
“Há pessoas com características genéticas que as direcionam para o centro ou para a periferia das conexões sociais”
Como foi feito o levantamento de informações que serviu de base para o sr. chegar a suas conclusões? Christakis e eu tivemos acesso a uma base de dados fantástica. Analisamos as informações de milhares de pessoas que participaram do Framingham Heart Study, um trabalho que investigou fatores de risco para doenças cardiovasculares. O estudo avaliou diversas gerações, a partir de 1948, e continha também dados sobre a saúde mental desses indivíduos. Nossa equipe digitalizou as informações, que estavam em diversos documentos e anotações arquivados na cidade, e começamos a verificar o que os dados mostravam. Decidimos submeter os participantes a novos questionários a respeito de sua felicidade pessoal e comparamos os resultados. Além disso, como tínhamos os endereços de todos os indivíduos do estudo, projetamos esses dados em um mapa e cruzamos com as outras informações. Queríamos saber se a distância física entre elas tinha alguma importância na transmissão da felicidade, por exemplo. A resposta foi positiva. Uma pessoa tem mais chances de se sentir feliz se viver a menos de 800 metros de um amigo com quem mantém contatos frequentes.
Qual é o papel da internet e dos emails nesse cenário? Considerando que estamos todos conectados pela internet, os sentimentos de alguém na Tailândia podem atingir uma pessoa no Brasil? Diria que isso é verdade para comportamentos, mas nem tanto em relação aos estados emocionais. A propagação das emoções exige contatos frequentes, e ainda não está claro se podemos chegar a esse tipo de contato online. Penso que duas pessoas que conversam em chats no vídeo todo o tempo provavelmente influenciam-se mutuamente. Estudando as imagens colocadas no site de relacionamentos Facebook, vimos que as redes das pessoas sorridentes parecem ser muito similares com as redes das pessoas felizes na vida real.
O SR. e alguns colegas estão escrevendo um livro sobre o que ch amam de “surpreendente poder das redes sociais”. O que será discutido? Contamos histórias sobre como as redes afetam as emoções, a saúde, o amor e o sexo, o dinheiro e as políticas. Também conectamos essas abordagens com as últimas descobertas que apontam para as mudanças que essas cadeias estão promovendo nas nossas vidas de um modo geral. Uma das mais evidentes é a possibilidade de ter uma vida social intensa no mundo virtual. Tudo isso configura uma revolução na ciência.
Qual é a extensão dessa mudança? As redes sociais online, por exemplo, estão mudando a forma como as pessoas pensam sobre elas mesmas e seus laços sociais. Há pessoas que participam do cotidiano de outras, com grande intimidade, sem nunca terem se encontrado.
Em janeiro deste ano, o sr. publicou um estudo no qual afirma que há um componente genético capaz de determinar o lugar que ocupamos nas redes sociais. Pode dar mais detalhes sobre o tema? Publicamos esse estudo na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Trata- se da primeira pesquisa feita para estabelecer o papel genético na formação e configuração das conexões que formam as redes de interação. Nossos estudos mostram que as redes sociais podem ser uma parte fundamental do nosso patrimônio genético.
De que maneira? Acreditamos que talvez a seleção natural esteja atuando não apenas em situações como resistir ou não a um resfriado comum, mas também com quem é que vamos entrar em contato. Para chegar a essa conclusão, estudamos gêmeos idênticos e fraternos. Vimos que os vínculos do primeiro grupo eram mais parecidos entre si do que as conexões formadas pelos gêmeos fraternos. Essa descoberta nos levou a pensar que a configuração de nossa cadeia de relacionamentos é influenciada pela genética. A fim de verificar essa hipótese, criamos um modelo que considera aspectos genéticos para simular o que pode acontecer nas redes sociais. Descobrimos que há pessoas com características genéticas que as direcionam para o centro ou para a periferia das conexões sociais. Com tudo isso, acredito que as redes sociais serão um fator essencial para se pensar a saúde.