01/03/2009 - 0:00
Milhões de pessoas em todo o mundo sofrem hoje de um mal para o qual, desde a infância, damos muito pouca ou nenhuma importância. Só há pouco tempo é aceita como uma doença e seus números a situam entre as que mais afligem a humanidade. É o medo, sua versão mais branda, e o pânico, a mais devastadora. Fobia é a palavra que define todas as suas formas.
Seus sintomas são bem conhecidos pelas vítimas: tremores, suor frio, taquicardia, sufocação e, no fim, uma paralisia total que pode ou não acontecer, e quando acontece o medo se transforma em pânico. Não tem hora para acontecer. Pode atacar mesmo quando a pessoa está dormindo, e destrói sua vida. Quando a fobia se estabelece, o prazer de viver desaparece.
A doença é cruel. Muitas pessoas, mesmo da própria família, riem ou zombam do sofrimento do outro. Se é homem, taxam-no de efeminado e outros adjetivos pouco edificantes; se é mulher, dizem que é uma criancice, um resquício de seu comportamento infantil. O doente sofre e ainda é humilhado. Muitos sofrem em silêncio, tanto quanto puderem, para não serem novamente molestados.
Mas a fobia tem tratamento, ainda que o medo não desapareça por completo. Aliás, fobias todos nós podemos ter. Elas só viram um problema quando seu impacto sobre o dia-a-dia se torna insuportável no trabalho, na família ou mesmo na rua. Há doentes que não conseguem andar numa calçada vazia ou descer uma escada sozinhos. Outros não podem ver aranhas, baratas e outros bichos.
O tratamento mais recomendado para todas as formas de fobias é a terapia cognitivo-comportamental.
Nos Estados Unidos, aproximadamente 13 milhões de pessoas procuram anualmente os consultórios especializados nessa terapia. Na população em geral, estima-se que uma em cada dez pessoas sofra de fobias. Menos da metade procura tratamento.
A definição clínica para fobia é que se trata de “um medo persistente e intenso, sem motivo e excessivo, desencadeado pela presença ou antecipação de confronto com um objeto ou situação específica”. O objeto ou situação servem apenas como um estímulo para o surto, que pode tomar a forma de um ataque de pânico. O doente sabe o que vai acontecer e, quando pode, evita o encontro com o objeto ou situação que disparam o processo. Mas mesmo conseguindo evitar o surto, há ansiedade e angústia.
A terapia cognitivo-comportamental é a mais eficaz na maioria dos casos. Suas técnicas evoluem rapidamente e há muita comunicação entre os psicólogos, garantindo que se mantenham sempre atualizados. Numa das técnicas mais utilizadas, a pessoa é colocada em contato virtual com o objeto que a oprime. Uma aranha, por exemplo. Ou com a situação que a ameaça: uma escada que precisa descer.
As imagens aparecem num visor eletrônico com monitor tridimensional, colocado sobre a cabeça do paciente. Sensores medem batimentos cardíacos, temperatura, respiração, contrações musculares, alterações cerebrais e outras perturbações, enquanto as imagens estão passando. O objetivo é “familiarizar” o paciente com os objetos e situações.
Antes, o psicólogo faz uma entrevista para saber como está o relacionamento familiar e profissional do paciente. Ele quer saber quando o problema começou, como aconteceu, o que o precedeu, como é a angústia que ele sente, se tem cansaço, insônia, depressão ou tristeza, se tem crises de angústia, se tem frequentemente ideias mórbidas, se pensa continuamente na morte. No decorrer do tratamento vai perguntar as mesmas coisas, mas com a intenção de saber se o paciente ainda sente os mesmos problemas que relatou.
O medo da morte é o sentimento mais forte durante as sessões. Quando o paciente é colocado numa situação em que uma enorme aranha negra anda sobre seu braço virtual, sua primeira reação é de desespero e grande agitação psíquica e motriz. O terapeuta comemora quando chega o dia em que o paciente mostra apenas ligeiras alterações quando a aranha “passeia” novamente sobre seu braço.
Descer uma escada é extremamente penoso para um paciente com esse tipo de fobia. Ele mal consegue descer os primeiros degraus e, em seguida, não consegue mais andar. Agarra-se ao corrimão como se fosse a corda que o mantém suspenso sobre o precipício. No final do tratamento, não descerá a escada virtual correndo, mas chegará até embaixo sem precisar da “corda”.
Mas o “milagre” não aconteceu só porque o doente repetiu inúmeras vezes no monitor a situação de surto. Nas entrevistas, o terapeuta descobriu suas maiores fraquezas e trabalhou para reduzi-las ou eliminá-las. Conta ao paciente tudo que já sabe sobre ele, fala claramente de suas fobias e de suas suposições sobre suas causas e origens. Se já identificou o problema, diz o que é e quantas sessões serão necessárias para resolvêlo. A ideia é pôr tudo às claras, dissipando todas as sombras que possam existir na mente do paciente sobre suas perturbações. Quando tudo estiver claro, isto é, desdramatizado, o medo desaparece – como quando se acende a luz do quarto.
O paciente tem sua primeira melhora só de saber que a fobia é conhecida, o processo é sabido e o número de sessões é estabelecido. É como o cerco ao inimigo no campo aberto, do qual não escapará. O paciente se torna agente de sua própria cura. As sessões com o monitor têm, então, somente o papel de dessensibilizar o paciente.
O primeiro combate é à angústia, que advém, falando genericamente, do medo da derrota – medo de perder, de errar. O terapeuta colocará o paciente em situações em que ele passa da derrota à vitória e, no final, ele mesmo concluirá que nunca foi realmente derrotado, mas acossado por algo que não o perturbará mais. Ambos elaboram uma lista de situações angustiantes, das piores às menores, e a luta começa.
O terapeuta pede que sua paciente imagine, por exemplo, que está só em casa com seu gato, confortavelmente instalados no sofá da sala, a lareira acesa e o frio e a chuva rolando lá fora. É noite e começa a trovejar. Em breve, relâmpagos jogam clarões pela sala e a luz se apaga em todo o bairro. Estrondos estremecem a casa e cai a tempestade. A angústia é crescente e de 20 em 20 segundos o terapeuta pede à paciente que relaxe com exercícios de respiração abdominal até que ela imagine o máximo da angústia: seu gato com o pelo todo eriçado, o corpo curvado para cima, miando desesperadamente a cada raio que risca a noite, a casa mergulhada na escuridão, tomada por sombras assustadoras.
Essa paciente sofria de alergia ao pólen e a pelos de gato, embora amasse as flores e seu gato. A cena – ou teatro – se desenvolveu em sete sessões semanais, com doses crescentes de angústia. Após cada sessão, ela saía do consultório com um dever de casa: dar uma nota de zero a dez às situações angustiantes que encontrasse no seu dia-a-dia. No final das sete semanas, as notas estavam todas baixas. O teatro cumpriu a função de representar suas angústias – a solidão, o medo da morte, a impotência diante de forças maiores do que ela, o pavor de ser atacada sexualmente. E de desdramatizá- las, pois ao fim de cada ato eram analisadas, explicadas, esmiuçadas, viradas do avesso pelo terapeuta, na parte cognitiva do tratamento.
As fobias remontam às nossas estruturas psíquicas. A maior parte vem de nossos instintos ancestrais de sobrevivência. O medo de forças poderosas que nos ameaçam vem quase sempre dos ataques que nossos ancestrais sofreram de predadores colossais, num ambiente hostil. Estes sentimentos se ligam frequentemente à escuridão, ao vazio, a lugares desconhecidos. Nossos esquemas de perigo são inatos, transmitidos por “memória coletiva”, como dizem os etnólogos. Mas em muitas pessoas, não se sabe por quê, esses esquemas – anacrônicos com o desenvolvimento da civilização – estão ainda ativos e fortes.
Coisas corriqueiras que se dizem às crianças, como “cuidado, você vai cair”, carregadas de medo ou angústia, podem realimentar fobias ancestrais. Os pais trancarem a casa cedo da noite sem necessidade, comentando que “há assaltantes à solta por aí”, também remetem nossas crianças a medos ancestrais. Canções de ninar, aparentemente inocentes, induzem as crianças a ter medo de tudo para que durmam logo, refugiando-se no sono para não morrerem de medo.
São maldades socialmente aceitas e que retroalimentam nossos esquemas de defesa inconscientes. Há, enfim, um matagal de causas possíveis e impossíveis de determinar. Melhor é animar o paciente a cada passo, elogiá- lo por suas conquistas, incentiválo a seguir em frente porque vai sair dessa por suas próprias forças. E nos momentos de surto, lá fora na vida, o esforço é físico mesmo: a respiração de baixo para cima, enchendo os pulmões pela energia muscular do abdome conjugada com a dos pulmões. Fazemos, assim, sugestiva e verdadeiramente, a união do inferior com o superior. E desse modo, não sem luta e coragem, se vence o medo.