01/04/2019 - 8:55
“O menor número de agulhas, a maior quantidade de respostas”. É o que costuma aconselhar o Dr. Toshikatsu Yamamoto, japonês de 88 anos, criador da Nova Craniopuntura de Yamamoto (YNSA), uma forma de acupuntura com inserção de agulhas na região do crânio, que repaginou a tradicional medicina chinesa, por sua eficácia, praticidade e baixo custo. Os pontos são localizados na fronte e no topo da cabeça, região yin (correspondente ao princípio feminino no taoísmo), e na nuca, lateral da cabeça e orelhas, região yang (ligada ao princípio masculino).
Yamamoto cursou medicina e anestesia em Tóquio, no Nippon Medical College, no período pós-Segunda Guerra. Especializou-se em Nova York, na Universidade de Columbia, com residência no Hospital Saint Lukes. Depois, fez ginecologia e obstetrícia em Colônia (Alemanha). Passou mais dez anos fora do Japão e enfim retornou, no início dos anos 1960, para sua cidade natal, Nichinan, famosa pelos campos alagados de arroz. Acompanhavam-no sua esposa, a enfermeira alemã Helen Yamamoto, e duas filhas pequenas. Uma delas, Michiko Yamamoto, também se tornou médica adepta da YNSA e trabalha com o pai.
Em Nichinan moravam muitos camponeses idosos com postura curvada devido ao trabalho de colheita e plantio nos arrozais. Tinham muitas dores na coluna e em outras articulações. Yamamoto costumava tratá-los inicialmente com infiltrações de lidocaína, um anestésico. Certa vez, uma paciente bastante idosa foi consultá-lo, reclamando de uma dor no ombro. Ele lhe aplicou uma injeção na testa, mas se esqueceu de colocar o anestésico. A paciente disse que a injeção doeu demais, mas, logo em seguida, as dores no ombro cessaram. No dia seguinte, ela retornou pedindo uma nova infiltração na testa, pois não somente a dor aguda no ombro havia desaparecido, mas todas as dores nas articulações que havia anos a afligiam.
Mapeamento empírico
Intrigado com o acontecimento, Yamamoto fez várias perguntas a essa paciente e relacionou a cura aos meridianos da acupuntura chinesa. Procurou um acupunturista das redondezas e pediu-lhe emprestado um antigo livro sobre a técnica milenar. “Antes de mapear os pontos que utilizamos na YSNA, ele praticou por muito tempo anestesia com eletroacupuntura, acupuntura sistêmica com estímulos elétricos”, explica Alexandre Yoshizumi, diretor do Colégio Médico Brasileiro de Acupuntura (CMBA), que atende em São Paulo. Yamamoto fez mais de 3 mil cirurgias, como apendicite, cesariana e amputações, utilizando esse método anestésico.
A ideia da aplicação das agulhas de acupuntura em um microssistema do corpo havia surgido na década anterior, com o médico francês Paul Nogier, desenvolvedor da auriculoterapia. Ele mapeou os pontos de cura da orelha em 1951, baseando-se numa curandeira da cidade de Marselha, Madame Barrin. Ela fazia uma pequena queimadura na orelha dos que a procuravam para curar dores nevrálgicas.
Empiricamente, Yamamoto mapeou as regiões reflexas do corpo no microssistema do crânio a partir de palpações nos seus pacientes e observação da relação com os pontos do corpo. Suas descobertas foram publicadas em 1970 e a técnica ganhou o mundo, trazendo o mestre inclusive para visitas ao Brasil, a partir de 1999 (veja mais ao final da reportagem). Numa de suas viagens ao nosso país, Yamamoto atendeu um rapaz que não mexia um dos braços devido a uma doença neurológica. Inseriu apenas uma agulha, estimulou um pouco o ponto e, na mesma hora, o paciente voltou a mover o braço.
A YNSA é mais recente que a craniopuntura chinesa, desenvolvida em 1960, e os pontos usados são distintos. O método de Yamamoto é pontual; dores agudas são curadas em uma sessão. Dividida em zonas – sensitiva, motora, de tremores –, a craniopuntura chinesa é um método que muitas vezes funciona apenas estimulando-se a agulha manualmente ou com eletroacupuntura. Já a YNSA não precisa de estímulos. Outra diferença é que na acupuntura chinesa não existe o lado de diagnósticos.
A YNSA é de fácil aplicação. O paciente deve ficar sentado e não precisa se despir. Suas principais indicações são casos de dores osteomusculares e doenças neurológicas – sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), hemiplegia, paraplegia, afasia, paralisia facial periférica, paralisia de Bell, dores nevrálgicas, nos trigêmeos, nervo facial e fibromialgia. “É uma técnica bem completa de microssistema que serve tanto para o tratamento quanto para o diagnóstico. Consigo fazer diagnóstico palpando a região cervical, a abdominal e o braço. Isso me dá o que está alterado no sistema e os pontos onde inserir as agulhas”, afirma Alexandre Yoshizumi.
A experiência de Campinas
A primeira visita de Yamamoto ao Brasil foi em 1999, organizada pelo dr. Ruy Tanigawa, presidente da Associação Médica Brasileira de Acupuntura (AMBA). Tanigawa estava procurando um sistema de saúde para comprovar sua eficácia. Encontrou o dr. William Hyppolito, coordenador da área de Saúde Integrativa de Campinas (SP), em 2005. “Precisava de alguma coisa que desse um boom, fizesse um estrago, pois era um momento em que ainda estávamos engatinhando com a acupuntura. Precisava de algo fácil de replicar e com baixo custo”, comenta Hyppolito.
Pouco tempo depois, o secretário municipal de Saúde da época, Gilberto Selber, famoso por sua voz potente, acordou rouco, afônico. O diretor do departamento, dr. Pedro Humberto Scavariello, pediu a Hyppolito: “Não importa como, mas faça o homem voltar a falar, pois ele tem um discurso hoje e não vai ter como fugir”. Hyppolito examinou o secretário e disse que iria aplicar uma nova técnica de acupuntura: “Ele estava afônico e de repente voltou a falar, sem mais nem menos, pedindo que eu trouxesse imediatamente a técnica para Campinas. Esse foi o primeiro paciente do município”, afirma Hyppolito.
Em 2005, foram formados 65 médicos não acupunturistas em YNSA para atender gratuitamente nos postos do SUS, direcionando o tratamento para dores. A técnica foi implantada em 2006, e os resultados obtidos apresentaram uma redução em 12,5% no consumo de diclofenaco, um anti-inflamatório usado para dores em geral, com economia de 75 mil comprimidos mensais nos primeiros oito meses. Em 2006, o consumo foi de 549 mil comprimidos de diclofenato por mês; em 2007, caiu para 469 mil. Nos anos seguintes, a demanda se estabilizou em um patamar mais baixo: 329 mil em 2008, 335 mil em 2009 e 320 mil em 2010. Esse, aliás, foi o último ano de aplicação da craniopuntura de Yamamoto nos postos do SUS de Campinas e da última viagem do médico japonês ao Brasil, ocasião em que foi homenageado pelo secretário de Saúde de Campinas.
“O consumo menor de anti-inflamatórios gera uma economia aos cofres públicos, mas o mais importante é a economia no longo prazo, em cima dos efeitos colaterais: hemorragia no estômago, rim, problemas hepáticos, com custos muito maiores”, explica o médico Alexandre Yoshizumi. Em 2016, o consumo de diclofenato subiu para mais de 1 milhão de comprimidos mensais em Campinas.
Estudo brasileiro
Em 2013, a revista “British Medical Journal” publicou um ensaio clínico sobre YNSA realizado pelo Departamento de Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Participaram da pesquisa 80 pacientes com dores lombares agudas inespecíficas. Eles foram divididos em dois grupos de 40 pacientes. “Num grupo, apliquei as agulhas e no outro apenas fingi fazê-lo, tocando o invólucro de plástico das agulhas no crânio dos pacientes, mas sem introduzi-las. Os 80 usaram uma espécie de viseira e não enxergaram o procedimento”, diz o médico Alexandre Yoshizumi. Depois de 20 minutos, ele fazia um procedimento de fingir que estava tirando as agulhas. Um dos critérios de inclusão do trabalho era que o paciente não poderia ter feito acupuntura anteriormente.
O estudo foi orientado pelo dr. Jamil Natour e redigido por Tatiana Molinas Hasegawa. A conclusão do trabalho foi que o grupo que recebeu YNSA reduziu o consumo de anti-inflamatórios e suas dores lombares melhoraram muito mais significativamente do que os casos do grupo de controle.