Economia russa tem se mostrado surpreendentemente resiliente às sanções ocidentais, mas paira a dúvida se continuará assim diante de possível tarifaço contra qualquer país que comprar produtos do país.O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou novas armas para a Ucrânia e ameaçou aplicar sanções aos compradores de produtos russos, a menos que a Rússia concorde com um acordo de paz em 50 dias.

Sentado ao lado do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, no Salão Oval, Trump disse a repórteres na segunda-feira (14/07) que estava decepcionado com o presidente russo, Vladimir Putin, e que por isso enviaria “bilhões de dólares” em armas “de última geração” para a Ucrânia. Faria parte dessa leva o sistema de mísseis Patriot, fabricado nos EUA e solicitado por Kiev para defesa contra ataques das forças russas.

O presidente americano ameaçou ainda Moscou com sanções secundárias, dizendo que “se não chegarmos a um acordo em 50 dias, é muito simples, elas serão de 100%”. Trump se referia a tarifas direcionadas a países que compram produtos da Rússia – o que incluiria o Brasil, grande importador de fertilizantes e diesel.

A nova ameaça de Trump pode ter um impacto sem precedentes na economia da Rússia, até então resiliente às medidas impostas por países ocidentais em retaliação à guerra na Ucrânia. Essas sanções não afetam, por exemplo, a venda de petróleo para China e Índia.

Economia de guerra

Em 2023, o produto interno bruto (PIB) da Rússia cresceu 4,1%, e em 2024, 4,3%, impulsionado pelos negócios em torno da guerra. Esse impulso tem perdido força, e analistas avaliam que a taxa de crescimento econômico deve cair pela metade, para cerca de 2%.

Até mesmo o banco central russo espera uma desaceleração, informou recentemente a agência de notícias estatal russa Interfax, mantendo sua previsão mais baixa de crescimento entre 1% e 2% para 2025 e de 0,5% a 1,5% para o próximo ano.

O Instituto ifo, com sede em Munique, na Alemanha, é ainda mais pessimista, prevendo que, após um modesto aumento em 2025, a economia da Rússia sofrerá uma contração de 0,8% em 2026.

Um dos principais fatores que contribuem para isso é a taxa de juros exorbitante da Rússia, atualmente em 21%, que está sufocando os investimentos privados. Os setores automotivo e de engenharia mecânica são os mais afetados, seguidos pelos de construção e siderurgia.

Ao mesmo tempo, o ganho de cerca de 40% da moeda russa, o rublo, em relação ao dólar americano desde o início do ano surpreendeu muitos analistas.

De acordo com Vasily Astrov, especialista em Rússia do Instituto de Estudos Econômicos Internacionais de Viena (WIIW), a valorização do rublo foi em grande parte uma resposta à postura conciliatória do presidente dos EUA, Donald Trump, em relação à Rússia no início deste ano.

“Quando o presidente Trump assumiu o cargo, ele disse que adotaria uma abordagem radicalmente diferente em relação à Rússia do que seu antecessor, Joe Biden”, disse Astrov à DW. Trump havia sugerido uma cooperação mais estreita e até mesmo um afrouxamento ou revogação das sanções dos EUA, o que provocou “euforia” nos mercados financeiros russos, com as ações e o rublo “valorizando-se significativamente”, disse Astrov.

Efeitos de sanções mais rígidas

Em novembro de 2024, os EUA endureceram as sanções contra o Gazprombank, um grande banco russo pertencente à gigante estatal de energia, excluindo-o do sistema financeiro americano. A medida congelou seus ativos nos EUA e cortou negócios com empresas americanas. O Gazprombank é fundamental para o processamento de pagamentos de gás e financiamento de projetos relacionados ao setor militar.

Embora a União Europeia tivesse isentado o Gazprombank das sanções até o final de 2024 para permitir a continuidade dos pagamentos pelo gás russo, a medida dos EUA teve um impacto imediato. O rublo perdeu um quarto de seu valor em relação ao dólar, e o mercado de ações despencou, especialmente nos setores financeiro e energético.

Não foi surpresa, então, que os formuladores de políticas russos prestassem muita atenção quando Donald Trump, após uma reunião no final de abril com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy em Roma, sugeriu que talvez fosse hora de “lidar com [Putin] de maneira diferente”.

Senado dos EUA prepara nova legislação sobre sanções

A ameaça de Trump de sanções secundárias recai sobre países terceiros, empresas ou indivíduos que continuam a fazer negócios com a Rússia.

O senador Lindsey Graham, aliado de Trump, e um grupo bipartidário de senadores dos EUA, prepararam uma legislação para expandir as sanções a qualquer país que importe produtos energéticos russos.

A proposta pareceu ter sido deixada de lado nas últimas semanas em meio a outras prioridades no Congresso. A Casa Branca buscava ainda mais flexibilidade ao presidente dos EUA na imposição das sanções.

Mas o líder da maioria no Senado, John Thune, disse na semana passada que os líderes do Partido Republicano fizeram “progressos substanciais” na legislação e previu que a medida poderia estar pronta para apreciação no plenário do Senado ainda em julho.

Astrov afirma que o novo projeto de lei de sanções à Rússia de Graham pode ter como alvo principal a China e a Índia.

“A China é agora o parceiro comercial mais importante da Rússia, respondendo por cerca de 40% de suas importações e 30% de suas exportações em 2024. Importações cruciais para a indústria militar são encaminhadas através da China e Hong Kong”, disse Astrov.

A Índia também desempenhou um papel fundamental no apoio à economia russa, acrescentou ele, pois, juntamente com a China, absorve “mais da metade do total das exportações de petróleo da Rússia”.

Embora a recusa da China em aderir às sanções ocidentais fosse esperada e a neutralidade da Índia também não fosse uma grande surpresa, o participante inesperado no jogo das sanções foi a Turquia, disse ele, porque o país também recusou as sanções, apesar de ser “membro da Otan e parte de uma união aduaneira com a União Europeia”.

Canais de pagamento da Rússia enfrentam fechamento

Durante a gestão de Joe Biden, as sanções secundárias foram rigorosamente aplicadas, e as violações foram punidas. Astrov observa que especialmente os bancos chineses e turcos que aceitaram pagamentos da Rússia sofreram forte pressão do governo nessa época.

O governo Trump, no entanto, mudou a política, por exemplo, dissolvendo o departamento dentro do Ministério das Finanças responsável por visar os ativos dos oligarcas russos e “facilitando enormemente” a aplicação das sanções secundárias.

Astrov acredita que atualmente é “difícil prever”o impacto que novas sanções secundárias teriam sobre os parceiros econômicos da Rússia.

Uma das razões para isso foi recentemente divulgada pela agência de notícias Reuters, que informou que os principais bancos russos criaram um sistema de pagamentos chamado “The China Track” para transações com a China, com o objetivo de “reduzir sua visibilidade para os reguladores ocidentais e mitigar o risco de sanções secundárias”.

Fontes bancárias disseram à Reuters que o sistema já estava em operação há algum tempo e era usado por vários bancos russos sancionados. Ele contava com intermediários em países que ainda estavam dispostos a negociar com a Rússia e “ainda não havia sofrido nenhum revés significativo”, segundo a Reuters.

“Não descarto que os parceiros chineses deixem de temer sanções secundárias”, afirmou Alexander Shokhin, citado pela Reuters — o chefe do poderoso grupo de lobby empresarial RSPP, que participa de negociações comerciais com a China.