25/10/2025 - 11:37
Em “O Desaparecimento de Josef Mengele”, cineasta e dissidente russo Kirill Serebrennikov investiga a complexa mente do médico nazista em sua rota de fuga pela América do Sul.A decorracada do nazismo e a subsequente tentativa de levar seus algozes à Justiça resultaram na fuga de figuras centrais envolvidas nos crimes cometidos durante o Terceiro Reich.
Um desses fugitivos foi Josef Mengele, o médico nazista que realizava experimentos sádicos em judeus no campo de extermínio de Auschwitz. Sua fuga destaque devido à midiática descoberta de que fora enterrado, décadas depois, em um cemitério no interior de São Paulo.
Após o fim da guerra, o chamado “Anjo da Morte” conseguiu escapar da captura na Alemanha e fugir para a Argentina com a ajuda de ex-companheiros da SS – a guarda de elite do regime de Adolf Hitler.
Este é o ponto de partida do filme O Desaparecimento de Josef Mengele, drama que detalha as tentativas bem-sucedidas do criminoso de guerra de escapar de seu julgamento, se mudando de Buenos Aires para o Paraguai, e depois para o Brasil.
Dirigido pelo cineasta e diretor de teatro russo, Kirill Serebrennikov, o filme em língua alemã estreou em maio no Festival de Cinema de Cannes. No Brasil, foi exibido na última quinta-feira (23/10) na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, mas ainda não tem previsão de lançamento comercial nos cinemas.
Baseado no premiado livro homônimo de 2017 do jornalista e escritor francês Olivier Guez, o filme é um retrato sombrio das raízes e consequências do extremismo ideológico.
Em busca de justiça
Enquanto arquitetos nazistas do Holocausto, como Adolf Eichmann, enfrentaram a justiça, outros escaparam para a América do Sul com o apoio de colaboradores, simpatizantes de imigrantes alemães e, no caso da Argentina, com a ajuda do presidente Juan Perón, um aliado do fascismo europeu.
O Desaparecimento de Josef Mengele começa no ano de 1956, quando o médico vivia exilado em Buenos Aires sob o nome falso de Helmut Gregor. Mas agentes da Mossad, o serviço secreto israelense, oficiais da Alemanha Ocidental e caçadores de nazistas estavam em seu encalço.
Estrelando August Diehl (Bastardos Inglórios) no papel principal, o filme mostra como dinheiro, conexões e um talento camaleônico para o disfarce ajudaram um dos homens mais procurados do mundo a escapar da justiça internacional por décadas. Mengele acabaria morrendo afogado em uma praia brasileira em 1979.
O filme também trata sobre como o homem que realizou experimentos eugênicos brutais em Auschwitz jamais conseguiu escapar de seu passado. Idoso, solitário, doente e vivendo sob uma identidade falsa em São Paulo, Mengele tem um encontro com seu filho, Rolf, que o questiona sobre o que realmente aconteceu no campo de concentração. Confrontado com uma nova geração que exige a verdade, Mengele só consegue reproduzir as antigas mentiras fascistas usadas para justificar seus crimes.
De pessoa comum a sádico criminoso
“O que acontece com os criminosos de guerra quando a guerra acaba? Existe justiça divina? Essas pessoas acabarão sendo punidas por seus atos?” Essas são as perguntas que inspiraram Serebrennikov a adaptar o livro de não ficção de Olivier Guez, que explorava a natureza do mal. “A questão do carma, da punição, da justiça. Tudo isso sempre me interessou”, acrescentou, durante uma entrevista concedida pela distribuidora do filme.
O diretor, um crítico do regime de Vladimir Putin que passou anos em prisão domiciliar na Rússia, tentou propositalmente aproximar o espectador de Mengele, permitindo-lhe compreender a maneira dogmática de pensar do médico nazista. Tal abordagem foi parcialmente inspirada pela filósofa alemã Hannah Arendt, cujo conceito de “banalidade do mal” – concebido após o julgamento de Adolf Eichmann – conclui “que os monstros não são diferentes de pessoas comuns”, esclarece o diretor russo.
“A questão é pedir ao espectador que coloque a máscara de Mengele para entender que o caminho da pessoa comum para o criminoso e o sádico pode ser assustadoramente curto”, acrescentou. “Na mente dele, ele não se vê como a personificação do mal absoluto. Havia muitos outros médicos em Auschwitz – por que ele deveria ser o culpado?”
Ainda assim, o cineasta insiste que essa abordagem nunca deve despertar simpatia. “Simpatia por Mengele é impossível”, disse ele.
Serebrennikov também se inspirou no romance histórico As Benevolentes (2006), de Jonathan Littell. O livro trata sobre um oficial muito instruído da SS que vivia confortavelmente na França do pós-guerra e que reconta sua fúria homicida na frente oriental.
Além do personagem principal, O Desaparecimento de Josef Mengele também se concentra na rede de pessoas na Europa e na América do Sul que protegeram, financiaram e esconderam Mengele até sua morte.
“O mal não é apenas Mengele, mas também todas essas pessoas”, aponta o diretor. “Muitas delas escaparam impunes.”
Um alerta contra o extremismo ideológico
Não sendo falante de alemão, Serebrennikov disse que teve que aprender muito sobre a maneira como gerações de alemães se reconciliaram com essa história.
Atualmente baseado em Berlim, ele entrevistou atores, jornalistas, amigos e produtores para ouvir histórias sobre seus avós e suas vidas antes e depois da guerra.
“Muitos permaneciam em silêncio”, recorda. “É um assunto muito doloroso. Mas talvez o filme tenha o potencial de desencadear um grande debate. Isso seria bom.”
Com o ressurgimento da ideologia de extrema direita em um amplo espectro político global, O Desaparecimento de Josef Mengele também visa lembrar os espectadores sobre os perigos do dogma.
“Estamos atualmente cercados por sistemas fortemente ideológicos, e espero que o filme, em sua descrição precisa da estreiteza ideológica, ajude a evitar que as pessoas sejam enganadas por ideologias de qualquer tipo”, disse o produtor do filme, Felix von Boehm.
