24/12/2022 - 6:48
Quando um ser humano testemunha ações notáveis de bondade, vive uma experiência única definida por pesquisadores como elevação moral. Estudos têm demonstrado que esse sentimento deflagra o otimismo e estimula a pessoa a querer agir de modo mais altruísta e fraterno com os semelhantes. Uma parceria entre a neurociência e a psicobiologia oferece uma nova contribuição a essa área, ao esmiuçar o funcionamento do cérebro e do corpo quando a elevação moral acontece.
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Em um estudo da Universidade Estadual do Oregon (EUA), publicado na revista Biological Psychiatry, 104 universitários assistiram a vídeos que mostram atos heróicos de bondade ou simplesmente situações divertidas. Enquanto isso, pesquisadores mediam sua frequência cardíaca e a atividade no córtex pré-frontal medial, uma estrutura do sistema límbico que tem papel importante nos processos da integração emocional e cognitiva.
Acerto parcial
Outro item avaliado foi a arritmia sinusal respiratória – a flutuação da frequência cardíaca com a inspiração e a expiração –, a qual sinaliza a atividade do sistema nervoso parassimpático (SNP). Esse sistema estimula ações que acalmam a pessoa, enquanto o sistema nervoso simpático (SNS), ligado à frequência cardíaca, está relacionado a reações do tipo “lutar ou fugir”.
Uma vez que a atividade do SNP está ligada a sentimentos de simpatia em relação a outras pessoas e a um comportamento mais sociável, os pesquisadores imaginavam que esse sistema nervoso estaria mais ativo quando os participantes vivenciassem momentos de elevação moral. O acerto foi parcial: os participantes que viram vídeos inspiradores da elevação moral apresentaram aumento na atividade não só do SNP, mas também do SNS.
Já os outros estudantes, que assistiram apenas a vídeos divertidos, não exibiram mudanças em nenhum desses sistemas nervosos. A ativação simultânea do SNP e do SNS despertou o interesse de Sarina Saturn, professora de psicologia da Universidade Estadual do Oregon e coautora do estudo. “É realmente um padrão incomum, no qual você vê esses dois sistemas recrutados para uma emoção”, avalia.
Coração acalmado
Ao pesquisar mais sobre o tema, ela verificou que o SNP e o SNS são ativados ao mesmo tempo em situações relacionadas a atos que beneficiam outras pessoas e que implicam estar alerta e estimulado, como cuidar dos filhos ou ter relações sexuais. Sarina deduz que a elevação moral deve estar vinculada a um padrão semelhante. Um gesto altruísta pressupõe, em geral, uma situação de sofrimento de algum indivíduo ou grupo, a qual gera estresse.
Observar que esse sofrimento é amenizado ou eliminado por um ato bondoso faz o SNP tranquilizar o coração, o que desfaz o estresse e abre espaço para um sentimento caloroso e agradável. O conjunto da experiência traz uma sensação de bem-estar que nos dá a impressão de que agir de forma compassiva e altruísta vale a pena.
Outro detalhe ressaltado pelos pesquisadores foi a atividade do córtex pré-frontal durante a experiência. Segundo eles, ocorreram variações de nível consideráveis nas comparações entre duas situações de elevação moral. A explicação para isso teria origem numa diferença entre essas situações: na primeira, ajuda-se uma pessoa com ferimentos físicos; na segunda, a pessoa não está ferida.
No primeiro caso, o córtex pré-frontal registrou maior atividade, o que indicaria que ele faz “escolhas” nas situações de elevação moral. “Pesquisas anteriores mostravam que quando você vê alguém com dores físicas, essa parte do cérebro se acende, o que pode explicar [o fenômeno]”, afirma Sarina.
Altruísmo estimulado
Os pesquisadores concluíram que a elevação moral estimula o altruísmo ao misturar o desejo de proteger os outros e a excitação. Para a professora, o provável responsável por isso é a oxitocina, conhecida como o “hormônio do amor” por ser liberada quando se está perto da pessoa amada e já relacionada a sentimentos altruísticos.
Enquanto planeja experiências que ampliem os conhecimentos científicos sobre a elevação moral, Sarina considera praticamente certo que esse sentimento tem efeito positivo sobre qualquer pessoa. “Não importa onde estamos emocionalmente, ele pode elevar a todos nós”, avalia.
“Penso que tendemos a absorver o que estamos testemunhando e que isso tem um impacto no nosso corpo e no nosso cérebro. Descobrimos que basta mostrar um vídeo inspirador de pessoas sendo gentis para fazer esses eventos dramáticos ocorrerem no corpo e permitir que você, por sua vez, queira entrar nessa corrente do bem e ser pró-social.”