17/11/2025 - 16:07
Figuras como Donald Trump têm usado obra da Avenida Liberdade no Pará para tentar deslegitimar conferência do clima. Projeto local é controverso, mas é anterior à COP30 e ainda não foi concluído.Uma polêmica tomou conta da esfera conservadora nas redes sociais desde que, dias antes da COP30 , o presidente Donald Trump criticou a conferência das Nações Unidas por supostamente ter provocado impacto ambiental negativo em Belém. Compartilhando uma notícia veiculada pela rede americana Fox News, o líder dos EUA afirmou que a floresta amazônica foi desmatada para a construção de uma rodovia que serviria ao megaevento.
“Eles devastaram a floresta tropical no Brasil para construir uma rodovia de quatro faixas para ambientalistas. Isso virou um grande escândalo!”, disse uma publicação de Trump na sua rede social, a Truth Social.
Canais conservadores, inclusive no Brasil, passaram a espalhar que 100 mil árvores haviam sido cortadas pela rodovia, no que interpretaram como uma contradição para uma conferência que discute como proteger o planeta das mudanças climáticas . O desmatamento é a principal fonte no Brasil de emissões de carbono, que provocam o aquecimento global.
Entretanto, a DW checou se a COP30 de fato foi a causa da obra e responsável pelo desmatamento da floresta amazônica em Belém. A afirmação é enganosa, uma vez que tenta simplificar o que, na verdade, é um caso complexo antigo no debate sobre a infraestrutura da região metropolitana de Belém.
Afirmação enganosa
É verdade, por um lado, que há impacto ambiental associado à construção da Avenida Liberdade, de aproximadamente 13 quilômetros de extensão, cujo objetivo é reduzir a sobrecarga da mobilidade urbana em Belém e seus arredores. Por outro lado, a construção não é um projeto novo nem foi ainda concluído.
O caso tem sido usado há oito meses por perfis dedicados a descredibilizar a COP30, minimizar a necessidade de ação contra o aquecimento global e negar a existência das mudanças climáticas . A polêmica, entretanto, recuperou tração em novembro, quando a conferência sobre o clima começou.
Segundo a Secretária Extraordinária para a COP30, vinculada à Casa Civil, a construção não fez parte das 33 obras de infraestruturas previstas para a realização da COP30.
A previsão inicial era de que a rodovia ficasse pronta em outubro de 2025, mas apenas 80% dos trabalhos haviam sido concluídos no fim do mês passado, a cerca de duas semanas da conferência. A nova data de entrega é projetada para o primeiro trimestre de 2026, de acordo com a imprensa paraense.
Plano antigo, demanda nova
Uma das portas de entrada para a Amazônia, Belém há anos sofre com o congestionamento na BR-316. Os planos para criar uma rota alternativa começaram há mais de uma década e, com a COP30, ganharam impulso.
O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), começou a discutir a proposta formalmente com a Prefeitura de Belém em 2017. Em 2020, ele buscaria aprovação da Assembleia Legislativa do estado para levar o projeto adiante.
O governo realizou em dezembro de 2023 audiência pública sobre o projeto da Avenida Liberdade, a última etapa para o licenciamento e início das obras. Sete meses antes, Belém havia sido escolhida como sede da COP30.
Embora o anúncio da COP30 tenha ajudado a acelerar o progresso da obra, não foi ele que originou o projeto, como Ana Claudia Cardoso, professora da Universidade Federal do Pará, disse à agência de notícias Reuters em março.
“Já se falava deste projeto há mais de 20 anos, mas havia muita resistência. A necessidade de preparar a cidade para um megaevento acaba dando a justificativa necessária,” explicou.
O governo do estado do Pará afirma que a Avenida Liberdade oferecerá viagens mais rápidas e seguras, reduzindo acidentes e desviando o tráfego da BR-316.
Sustentabilidade em xeque
A Avenida Liberdade corta a Área de Proteção Ambiental da Região Metropolitana de Belém (APA), que abrange Belém e Ananindeua. Por lei, uma APA é uma área em geral extensa, com limitada atividade humana, “onde se deve proteger a diversidade biológica, disciplinar o processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.”
O traçado da rodovia segue uma linha de cabos de energia já existente, onde parte da vegetação já havia sido removida antes do início da construção da Avenida Liberdade, afirma o governo do Pará. A DW conferiu a afirmação por imagens de satélite.
“A ausência de necessidade de desapropriação (de moradores) e o acompanhamento do linhão da Eletronorte aceleram a obra e reduzem o impacto ambiental, evitando avanços sobre áreas de proteção ambiental”, disse Barbalho em junho.
O jornal O Estado de S. Paulo, entretanto, reportou riscos para a fauna local previstos no próprio projeto, citando ainda especialistas e comunidades locais que temem efeitos ambientais e sociais mais amplos. Um dos focos de preocupação é Parque do Utinga, que deverá sofrer com mais poluição, barulho e expansão urbano resultantes da obra de infraestrutura.
Autoridades descrevem o projeto como sustentável por reduzir emissões de carbono, diminuir o tempo de viagem e contar com passagens para animais selvagens, ciclovias e iluminação movida a energia solar.
Protestos de comunidades locais
Embora o governo afirme ter consultado as comunidades afetadas, já foram reportados protestos na região contra a obra. Em outubro de 2024, a construção foi interrompida por dois dias depois que a comunidade local exigiu ser consultada, conforme reportou a agência Pública.
Em julho deste ano, moradores de comunidades extrativistas locais bloqueariam a obra da Avenida Liberdade, exigindo indenização por terras tomadas pelo empreendimento. Segundo os manifestantes, condicionantes de compensação ambiental não foram cumpridas pelo governo do Estado.
“Enxergo esse empreendimento para nós como uma catástrofe ambiental nos aspectos material, moral e também espiritual, porque vamos sofrer com esse impacto pelo resto da vida, que está impactando a fauna, a flora e o meio ambiente”, disse ao portal G1 o presidente da Associação de Moradores da Comunidade Nossa Senhora dos Navegantes, Danielson Costa.
Governo mudou discurso
A primeira a reportar sobre o caso foi a rede britânica BBC, numa reportagem que associou a Avenida Liberdade aos preparativos para a COP30.
Procurada pela DW, a BBC argumentou que a aprovação final para a construção da obra veio em 2024, quando já estava claro que Belém sediaria a conferência.
Entrevistado pela BBC, o Secretário de Infraestrutura e Logística do Pará, Adler Silveira, listou a Avenida Liberdade como um dos projetos em andamento na cidade, tanto para preparar a cidade para a COP30 quanto para deixar um legado para a população. A BBC compartilhou com a DW um trecho mais longo da entrevista que reforça a afirmação.
A rede britânica ainda aponta para um comunicado à imprensa do governo do Pará que foi alterado sem transparência. Uma primeira versão, datada de novembro do ano passado, incluía um parágrafo sobre a Avenida Liberdade como um dos projetos de infraestrutura para a COP30. Uma segunda versão, entretanto, já não continha mais esse trecho do texto. A alteração ocorreu entre 13 e 14 de março deste ano, ou seja, logo após a publicação da BBC.
A DW também entrou em contato com o governo do Pará, mas não recebeu resposta até o momento da publicação.
ht (ots)