A região de Évora, no Alentejo, oferece gastronomia, castelos, vinhos e cenários bucólicos para os turistas mais exigentes.

Portugal apresenta um caso singular da saúde econômica vacilante na Europa – a resignação. Em relativamente pouco tempo o país atingiu um estado de bem-estar digno de uma nação europeia moderna. A política dos governos socialistas e social-democratas fez o otimismo subir depois de décadas de repressão encerradas com a Revolução dos Cravos, em 1974. Doze anos mais tarde, a democracia levou Portugal a ingressar na União Europeia e, em três décadas, o país entrou em novo patamar. De 2000 a 2007, o Produto Interno Bruto (PIB) saltou de US$ 151 bilhões para US$ 210 bilhões – 39% de evolução.

Animados com a prosperidade, os bancos aderiram à política de concessão de empréstimos com fundos insuficientes para resistir a possíveis retrações, como a maioria dos mercados financeiros já na última década. Em pouco tempo o déficit público atingiu 3,5% do PIB, quando, pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento da União Europeia, o déficit dos países da zona do euro não deveria ultrapassar 3% do PIB. Em 2008, veio a crise deflagrada pelo colapso do banco norte-americano Lehman Brothers, lançando Portugal em vertigem: para responder à crise os governos de quase todos os países aumentaram as despesas a fim de reanimar a economia, elevando os estoques de dívida pública.

O primeiro-ministro socialista José Sócrates sabia que não podia pagar a dívida crescente. O mercado cambaleou, a confiança nos políticos baixou a zero, e Portugal entrou em recessão. O desemprego e os juros aumentaram. Em 2009, o déficit público subiu para 10%, e a dívida alcançou 90% do PIB. Em maio, a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional (FMI) correram para acertar um empréstimo de 78 bilhões de euros (R$ 177 bilhões) para aliviar a pressão sobre as contas portuguesas. Mas o custo será alto: as medidas de austeridade exigidas, entre as quais aumento nos impostos e congelamento de salários, levarão a economia a recuar 2,2% este ano e menos 1,8% em 2012. Mais de 100 mil postos de trabalho já foram extintos.

Em junho, o governo socialista foi derrotado nas urnas por uma coalizão encabeçada pelo Partido Social Democrata (PSD). Dezesseis dias depois, o líder do PSD, Pedro Passos Coelho, assumiu o cargo de primeiro-ministro e nomeou o economista Vítor Gaspar como ministro das Finanças. Em setembro, depois que a agência de avaliação de crédito Moody’s rebaixou os títulos da dívida portuguesa à condição de junk – papéis sem valor – o governo anunciou um plano radical: vai vender ou fechar 20% das 94 estatais do país, entre elas a Transportes Aéreos Portugueses. Grandes fortunas e empresas pagarão mais impostos. Benefícios sociais serão cortados.

E agora?

Dissipou-se, assim, a sensação de euforia e bem-estar dos anos 80, alimentada pela sensação de que Portugal deixaria de ser um primo pobre da Europa. Os subsídios fornecidos pela União Europeia e o crescente interesse pelos produtos portugueses inebriaram os empresários durante um bom tempo. Os lusitanos celebravam a boa fortuna com compra de carros a prazo, postos para circular em autoestradas novinhas. Entre os mais ricos, um bom número partiu para a compra de imóveis. Empresas portuguesas investiram em outros países. A Portugal Telecom comprou a Telesp Celular brasileira em 1998, e em 2003 adquiriu parte da Vivo, revendida à Telefônica espanhola em 2010. Hoje, a situação é muito diferente. O crédito encareceu. O desemprego aflige 12,4% da população economicamente ativa, e o Tesouro público está quase vazio.

“Ontem tínhamos tudo, visões, planos. E agora temos o quê?”, pergunta Luís Gonçalves, um jovem estudante de psicologia de Lisboa. Com um sorriso melancólico, ele comenta a depressão econômica que atingiu sua geração. Gonçalves ainda é mais afortunado: tem emprego fixo num hotel modesto do centro da capital.

Em Lisboa, tradição religiosa e hábitos antigos sofrem o impacto dos costumes liberais europeus.

“Os jovens europeus não estão preparados para ajustar-se a uma política de economia apertada”, diz. “Não se lembram das dificuldades que seus avós viveram. Os universitários da minha idade não querem aceitar uma oferta de trabalho com remuneração modesta, fora de sua disciplina. Não percebem que o mercado de trabalho não é estático e está mudando rapidamente em todo o mundo.”

É grande o desencanto. “Falta mão de obra no norte de Portugal, mas os desempregados do sul não pretendem se mudar”, diz Gonçalves. “Em vez de fazerem as malas, esperam que os pais lhes deem comida e abrigo, ou que novos subsídios da União Europeia os salvem. A nova geração, que supera a dos pais em competências modernas, requer postos de trabalho dignos e bem remunerados em um reduzido mercado nacional. Nossa oportunidade virá, mas, enquanto isso, cada um tem de ajustar-se à vida como pode.”

Assim como em outros países da União Europeia, Portugal investiu na educação universitária em larga escala durante as décadas de bonança. A economia em expansão sinalizava que, em breve, milhares de jovens bem preparados desfrutariam do resultado de seus esforços. A rápida e inesperada mudança na economia global em 2008 foi um duro golpe, afetando a autoestima de todos e a confiança na política.

A retração econômica desencoraja tanto o povo português quanto os vizinhos mediterrâneos. Até recentemente, os políticos tinham visões e falavam de um futuro estável, rico, pelo qual não podem mais responder. Agora, há uma questão no ar: como expandir uma economia sem abdicar do conceito da democracia – direitos e oportunidades iguais para todos – em uma realidade adversa, que dá alento a um descontentamento irracional?

Espanha, Itália, Reino Unido e os pequenos países bálticos apertam o cinto até o último buraco. Os gregos, à beira da falência, atiram pedras nas ruas. Os irlandeses, que desfrutaram de uma grande lua de mel econômica, estão migrando. Já os portugueses hesitam em embarcar em nova migração, embora muitos voltem a olhar para o Brasil.

No alto, a bela Pousada da Rainha Santa Isabel, em Estremoz. Abaixo, o interior e o serviço da Pousada do Convento de Belmonte.

A possibilidade de viver bem na Europa tem um novo preço: trabalhar mais e mais anos. “Como se obriga um jovem professor desempregado a procurar um emprego qualquer, para não sobrecarregar os pais?” A pergunta vem de Arminda Machado (nome fictício), gerente de hotel em Loulé, no sul de Portugal. “Em uma cidade turística, levávamos a vida modestamente. Nossos filhos puderam estudar. Meu marido e eu esperávamos nos aposentar aos 60 anos. Hoje, porém, trabalho mais do que nunca. Os jovens não levantam um dedo para encontrar trabalho. Eles têm celulares, computador, motocicletas, tudo. Como se resolverá essa situação de que já não se sentem obrigados a contribuir?”

Como medida imediata, a Comissão Europeia enviou aos seus paísesmembros uma receita explícita: tornar o continente o principal destino do turismo mundial. Os europeus se animam com a ideia de desenvolver um turismo-modelo com serviços estupendos, comida sofisticada, vinhos de qualidade e camas confortáveis com lençóis de algodão de 300 fios. E o mais importante: um turismo capaz de oferecer o desfrute da história europeia, dos seus castelos, sua arte, sua música e suas lindas paisagens. O investimento pode render o dobro de cada euro aplicado no negócio, afirmam os economistas.

Há tempos os portugueses possuem uma boa relação com turistas ingleses e escandinavos, mas é impossível competir com as praias da Espanha, da Tailândia ou as ilhas gregas. O que os portugueses possuem são os atrativos dos monumentos das épocas dos domínios romano e árabe, as culturas regionais, os palácios medievais, os claustros e as coleções de arte e artesanatos importantes, tudo isso numa paisagem encantadora, adornada por centenas de aldeias bucólicas que oferecem hospedagens confortáveis, ótimas refeições e bons vinhos. Na União Europeia o turismo gera hoje 5% do seu PIB. Estima-se que possa facilmente dobrar de tamanho e empregar mais de 12% da força de trabalho local.

O cenário rural da Pousada das Três Marias, em Vila Nova de Milfontes. À direita, a última e carente avestruz.

Modelo próprio

A resposta portuguesa não demorou. O país dispõe de um modelo próprio de turismo, baseado nas Pousadas de Portugal, uma rede de instalações hoteleiras de qualidade e conforto controlada majoritariamente pelo Estado, mas hoje administrada por um grupo privado. Atualmente, há 45 desses hotéis espalhados pelo país, muitos em edifícios históricos. Existe também uma unidade fora de Portugal, no Brasil: a Pousada do Convento do Carmo, em Salvador (BA), inaugurada em 2005.

A rede começou a surgir em 1941, quando um decreto governamental obrigou as regiões do país a oferecer aos visitantes boa acomodação e alimentação respeitando o estilo e as culturas locais. Em vez de deixar os castelos e claustros a deteriorar-se ou a usá-los apenas como museus, os governantes os transformaram em pousadas, onde o viajante fica em um ambiente histórico elegante em companhia de poucos hóspedes.

Um exemplo é a renovada Pousada do Convento de Belmonte, cujos quartos dão vista para terras cultivadas há milhares de anos, rodeadas por bosques de mimosas. O bar e o salão – antes partes de uma sala de culto – respiram uma paz eterna. Também no claustro de Évora os dormitórios são modestos, mas os aposentos do bispo impactam, com um banheiro adornado a ponto de fazer um antiquário feliz. O ambiente recende a história eclesiástica, a guerras, a festas e riquezas. Vizinho ao claustro está o templo da deusa Diana, um monumento iluminado, perto de um antigo castelo e da universidade local. Há centenas de castelos, conventos e claustros em Portugal.

“Temos de nos adaptar à realidade das mudanças rápidas”, diz o agricultor suíço Balthazar Trueb, filho de um imigrante português. De volta da Suíça, Trueb comprou terras na região do Alentejo e estabeleceu uma fazenda de carne de avestruz para o mercado europeu de alta demanda. “Cheguei a ter 400 avestruzes”, conta. “Mas a gripe aviária caiu sobre o continente e tive de eliminar as aves. Sobrou-me apenas uma. Ela põe seus ovos todos os dias no cercado, à espera do namorado ausente.”

Apesar da melancolia, Trueb não se mostra desanimado. “Com o novo programa – atrair turistas a todo custo -, transformei minha granja Três Marias, em Vila Nova de Milfontes, num hotel rural com chalés individuais. Não adianta nada se deprimir. O melhor é entrar na onda o mais rapidamente possível: o dinheiro está no turismo. Em breve virão alguns milhões de chineses. Os mediterrâneos que têm apreço por sua história devem saber vendê-la.”

Portugal e Brasil

Os 92.100 km² de território abrigam 11 milhões de portugueses, dependentes de uma economia de pequenas e médias empresas concentradas na produção rural. O Índice de Desenvolvimento Humano da ONU coloca o país em 40º lugar entre 169 nações, e o Brasil, em 73º. Há 119 mil imigrantes brasileiros em Portugal, 26% da população estrangeira. A taxa de desemprego é de 12%, enquanto a do Brasil está em 6%. O português é o quinto idioma mais falado do mundo, com 250 milhões de praticantes.

 

 

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