Em 1950, 30% da população mundial vivia nas cidades. Cinquenta e sete anos depois, o percentual já havia superado os 50% (cerca de 3,3 bilhões de pessoas, em números absolutos), e pode atingir 60% por volta de 2030. Tamanho crescimento urbano, principalmente nos países em desenvolvimento, gera uma imensidão de oportunidades e desafios.

Por definição, megacidades são áreas urbanas com mais de 5 milhões de habitantes. Os cientistas estimam que, por volta de 2015, o mundo terá cerca de 60 megacidades, as quais abrigarão mais de 600 milhões de pessoas. Atualmente, é nessas áreas que ocorre a maior parte do processo de urbanização global.

As megacidades são mais do que apenas grandes cidades. Suas dimensões proporcionam novas dinâmicas e uma diferente complexidade e simultaneidade de fenômenos e processos – físicos, sociais e econômicos. Elas também são palco de interações intensas e intrincadas entre diferentes processos demográficos, sociais, políticos, econômicos e ecológicos. Naquelas que apresentam períodos de elevado crescimento econômico surgem frequentemente oportunidades consideráveis, bem como fortes pressões no sentido de mudanças, geralmente acompanhadas por degradação ambiental.

No mundo em desenvolvimento, as megacidades tendem a crescer mais rapidamente do que o dimensionamento de suas infraestruturas o permitiria. Essa expansão descontrolada pode originar grandes volumes de tráfego, elevadas concentrações industriais e sobrecargas ambientais; pode desregular e inflacionar os mercados imobiliários, levar a um planejamento habitacional deficiente e, em alguns casos, originar o convívio lado a lado de situações extremas de pobreza e riqueza, promovendo tensões sociais.

As megacidades caracterizam-se por uma enorme diversidade demográfica. Nelas coexistem com frequência grupos de várias etnias, comunidades e estratos sociais com diferentes raízes culturais e estilos de vida. Devem ainda ser consideradas as variações de crescimento econômico, a polarização social, a qualidade das infraestruturas e de intervenção pública.

Tal escala e dinamismo, a complexa interação de processos e a concentração absoluta de capital humano tornam as megacidades incubadoras de enorme crescimento e inovação. Elas são os focos da globalização, bem como os motores para o desenvolvimento; é nelas que se encontra um vasto leque de capacidade e de potencial humano, criatividade, interação social e diversidade cultural.

As megacidades são igualmente um foco de risco global. Caracterizam-se por um aumento permanente de sua vulnerabilidade por abrigarem casos de pobreza extrema, desigualdades sociais e degradação ambiental, fatores os quais estão inter-relacionados por intermédio de um sistema complexo de fornecimento de bens e serviços. Os indivíduos oriundos de diferentes grupos socioeconômicos e quadrantes políticos correspondentes poderão ser segregados geograficamente, criando disparidades e conflitos. A densidade populacional aumenta a vulnerabilidade relativa a fenômenos físicos com potencial destrutivo, naturais ou induzidos pelo homem. Assim, as megacidades, expostas ao ambiente global e às mudanças socioeconômicas e políticas, agravam o risco que recai sobre elas.

Em muitas megacidades, uma participação pública deficiente inibe a gestão do território, a regulamentação e gestão da edificação, os serviços básicos (como o abastecimento de água, a rede de esgotos e a distribuição de energia) e o estabelecimento da ordem (incluindo segurança e prevenção de desastres). As administrações atuais e suas estruturas organizacionais podem ter sido ultrapassadas pelo ritmo rápido da expansão urbana e não conseguir lidar com a dimensão de suas novas responsabilidades. É preciso também considerar que atividades e processos informais poderão assumir um papel de extrema importância no desenvolvimento das megacidades.

As megacidades são ideais para pesquisadores nas áreas das ciências sociais, da Terra, do ambiente e da medicina investigarem os impactos das atividades socioeconômicas e políticas nas mudanças ambientais e vice-versa, assim como identificar soluções para os problemas mais graves. Por essas razões, o estudo das megacidades pode contribuir significativamente para a justiça, a paz e a prosperidade global.

A qualidade de vida depende das percepções individuais, das atitudes, aspirações e sistemas de valores. Esses aspectos variam com a idade, a etnia, a cultura e a religião, bem como com os estilos de vida, a educação e o passado cultural. Contudo, para muitos moradores das megacidades, sejam eles ricos ou pobres, a qualidade de vida é habitualmente reduzida. A poluição do ar, da água e dos solos, as deficiências nos abastecimentos de água e de energia, o congestionamento do tráfego, os problemas de saúde ambiental, a exiguidade dos espaços verdes, a pobreza e a má nutrição, a segurança social e os problemas de segurança pública e social resultam em várias preocupações e restrições aos habitantes.

Um Ano Internacional dedicado ao planeta

A União Internacional das Ciências Geológicas (IUGS, na sigla em inglês), que representa cerca de 250 mil geocientistas de 117 países, proclamou um Ano Internacional do Planeta Terra 2007-2009 com o subtítulo “Ciências da Terra para a Sociedade”. Os propósitos salientam a relação entre a humanidade e o planeta, e demonstram quanto os geocientistas são importantes na criação de um futuro equilibrado e sustentável.

Proclamado através da ONU, o Ano Internacional foi considerado atividade central pela Divisão das Ciências da Terra da Unesco. Ele também é apoiado por organizações congêneres da IUGS, como a União Internacional de Geodesia e Geofísica (IUGG, na sigla em inglês) e a União Geográfica Internacional (IGU, na sigla em inglês), além do Conselho Internacional para a Ciência (ICSU, na sigla em inglês).

Pelas diretrizes da ONU para a proclamação de anos internacionais, os assuntos elegíveis devem corresponder a uma “preocupação prioritária de direitos políticos, sociais, econômicos, culturais, humanitários ou humanos”, envolvendo “todos os países (ou a maioria deles), independentemente do sistema econômico e social”, e deve “contribuir para o desenvolvimento da cooperação internacional na resolução de problemas globais”, dando especial atenção aos temas que afetam os países em desenvolvimento.

Nas megacidades do mundo em desenvolvimento, o planejamento urbano precisa se adaptar às diversas condições socioculturais, levando em conta as atividades informais, frequentemente dispersas e dinâmicas, que enriquecem essas comunidades. Novas perspectivas e instrumentos de gestão inovadores são agora necessários para melhorar a qualidade de vida num contexto intercultural.

Como poderemos alcançar megacidades mais sustentáveis, mais seguras e onde se verifique uma utilização mais equilibrada dos recursos? Elas precisam de recursos naturais e humanos para a energia, indústria, construção, infraestruturas e manutenção, e carecem desses recursos em tal quantidade que acabam por gerar elevados impactos locais e globais – a chamada “pegada ecológica” da megacidade.

O sucesso de uma megacidade deve ser medido em termos da sua produtividade econômica, equidade social e diversidade ambiental. Este último aspecto, que abrange vários tipos de uso do solo e de biótopos (áreas com condições ambientais uniformes que abrigam uma ou mais comunidades animais e vegetais, das quais são o hábitat) naturais e artificiais, torna as megacidades mais atrativas e estáveis. No entanto, as consequências do sucesso e das elevadas densidades populacionais incluem poluição, consumo de energia e desperdício. Esses aspectos levam a impactos ambientais locais e mesmo globais que precisam ser cuidadosamente entendidos, geridos e constantemente reduzidos.

A dispersão protagonizada pelas megacidades invade com frequência as áreas de condições menos favoráveis, mais sujeitas a acidentes naturais, como inundações ou deslizamentos de terra. Isso faz com que tanto o investimento inicial como a manutenção a longo prazo sejam mais dispendiosos. Os efeitos das mudanças ambientais e socioeconômicas mundiais podem agravar os riscos e prejudicar a qualidade de vida de muitas pessoas.

Uma densidade populacional crescente pode corresponder a maiores riscos para pessoas e bens, em face de acidentes naturais ou induzidos pelo ser humano. O progresso econômico traz prosperidade individual e social e bem-estar material (embora muitas vezes à custa de maior estresse individual, social e ambiental). Contudo, em momentos economicamente menos favoráveis, as consequências nos níveis do desemprego, da perda de coesão social, do colapso da segurança social e do desleixo ambiental podem ser dramáticas para os grandes aglomerados populacionais.

Para ser sustentável, o desenvolvimento deve ser encarado como investimento, e não como despesa. Apenas dessa forma poderá haver capital disponível para um futuro reinvestimento. No seio de uma megacidade, as autoridades devem controlar o tecido urbano e os padrões de ocupação do solo, no sentido de minimizar os efeitos ambientais negativos, quer para a própria cidade, quer para o espaço geográfico dela dependente. Isso requer uma gestão integrada dos recursos, da logística (tráfego) e dos resíduos, com a recuperação efetiva do investimento realizado, a reciclagem de lixo e de matérias em geral e, na medida do possível, a redução dos riscos para a saúde.

Diversas megacidades parecem já ter atingido seus limites físicos e de administração, e em muitas outras isso ocorrerá mais tarde ou mais cedo. Quando elas extravasam seu espaço geográfico próprio, os preços dos terrenos urbanos tornam-se proibitivos, levando à superexploração do uso do solo com o crescimento da altura das construções e a exploração de áreas subterrâneas. Os arranha-céus das megacidades do Velho e do Novo Mundo demonstram que operamos não só em duas dimensões, mas em três. Muitas dessas cidades, que experimentaram um crescimento dinâmico envolvendo a expansão e a construção rápida de arranhacéus, demonstram a influência de uma quarta dimensão (o tempo) no funcionamento das megacidades.

O desenvolvimento na superfície necessita de fundações seguras. Arranhacéus, viadutos, telecomunicações, corredores de energia e de eletricidade e muitos locais onde as pessoas vivem, fazem compras, se divertem e trabalham são construídos sobre e sob essa superfície. A concentração de infraestruturas e atividades pode reduzir a qualidade de vida e essas áreas podem tornar-se mais vulneráveis aos fenômenos físicos mais violentos, quer naturais, quer induzidos por ação antrópica. Na superfície, algumas dessas infraestruturas e empreendimentos, associados à degradação ambiental ou outras atividades indesejáveis, podem ser construídas em profundidade, melhorando- se significativamente a qualidade de vida na superfície.

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O espaço no subsolo pode providenciar também um ambiente mais seguro para algumas atividades públicas e comerciais, assim como fornecer abrigo face a intempéries. Contudo, tais empreendimentos podem afetar o equilíbrio natural nos sistemas subterrâneos, levando a desastres capazes de condicionar ou comprometer o desenvolvimento no futuro.

O desenvolvimento requer planejamento e gestão do uso do solo, apoiados pelo conhecimento das condições e processos subsuperficiais, bem como suas interações com o uso e a gestão do solo urbano. O planejamento pode ser melhorado através de uma visualização tridimensional das áreas superficiais e subterrâneas, mapeando seus recursos e perigos, utilizando detecção remota de alta resolução e recorrendo a técnicas modernas de simulação.

No âmbito do Ano Internacional do Planeta Terra (AIPT), serão identificados e divulgados exemplos de gestão urbana equilibrada e segura, em associação com as administrações locais, organizações e moradores nas maiores megacidades do mundo. Esses exemplos poderão servir como modelos para o futuro.

Geógrafos e geocientistas têm um importante papel a desempenhar na gestão sustentável das megacidades. Sua contribuição trará um conhecimento mais aprofundado da complexidade dos processos socioeconômicos, uma gestão mais sensata dos recursos humanos e econômicos e a redução do risco natural e de origem antrópica.

Autores: Frauke Kraas (Departamento de Geografia da Universidade de Colônia, Alemanha), com Surinder Aggarwal (Departamento de Geografia da Delhi School of Economics, Índia), Martin Coy (Departamento de Geografia da Universidade de Innsbruck, Áustria), Grant Heiken (National Committee for Geology, EUA), Eduardo de Mulder (TNO Built Environment and Geosciences, Geological Survey of the Netherlands, Holanda), Brian Marker (presidente do IUGS/GEM International Working Group on Urban Geology, Londres), Keijo Nenonen (Geological Survey of Finland, Finlândia) e Woo-ik Yu (Departamento de Geografia da Universidade Nacional de Seul, Coreia do Sul).

PARA SABER MAIS

Site: www.yearofplanetearth.org