“Há pouco tempo deixei de duvidar da existência dos universos paralelos”, afirmava Jé­rôme Cardan na edição nº 4 de PLANETA, de dezembro de 1972. “Todo mundo pensava, e eu era o primeiro, que se havia uma hipótese de ficção científica que não tinha a menor viabilidade de verificação prática, seria a dos universos paralelos.

Agora estou bem menos certo disto.” Ele prosseguia: “Em agosto de 1965, na revista Science, um membro da academia dos cientistas de Nova York, o doutor J. H. Christenson, publicou um artigo intitulado ‘Tempo Reverso’. Nesse artigo, Christenson disse textualmente: ‘Uma hipótese audaciosa sugere que existe um universo fantasma, semelhante ao nosso. Existe apenas uma fraca interação entre os dois universos. Por isso, não podemos ver o universo paralelo’.”

A ligação entre uma ideia associada à ficção, como os universos paralelos, habitados por versões próximas de nós mesmos, e uma hipótese científica estava no cerne da proposta de PLANETA, como frisava Cardan: “(…) A filosofia de PLANETA é acreditar na ‘abertura da ciência’ e partir dela. Com a condição, claro, de que esse ‘acreditar’ não se processe ao nível do sonho, mas tenha uma base lógica, indiscutível.”

Fundamentado nessa premissa, ele examinava fatos que poderiam ser associados a universos paralelos, como aparecimentos e desaparecimentos misteriosos, à luz da ciência de então e da tradição esotérica. E a seguir apresentava dados que poderiam ajudar a explicar tudo isso.

Leis diferentes

Um desses itens é o “méson K”, partícula subatômica cujo comportamento foge ao padrão de simetria entre matéria e antimatéria que seria de se esperar pela teoria, “como se um fenômeno qualquer e sua imagem no espelho pudessem obedecer a leis diferentes”, ilustra o autor. Em seu artigo para a revista Science, Christenson sugeria que o comportamento anômalo do méson K teria a influência de um universo paralelo.

Outro personagem intrigante do elenco subatômico citado por Cardan era o neutrino, presente em desintegrações nas quais surge o méson K. Segundo o articulista, “apesar de conduzir energia, [ele] não se manifesta nem por uma carga elétrica, nem por um efeito fotoelétrico, nem por uma massa, e tem a capacidade de atravessar uma espessura quase infinita de matéria sem reação apreciável”. Essa partícula, que Cardan definia como um “instrumento ideal de investigação dos universos paralelos”, começava então a ser detectada – o primeiro flagrante científico de um neutrino só havia ocorrido em 1965.

A aventura proposta pelo articulista continua atualíssima hoje. Enquanto o enigma do méson K prossegue, a pesquisa dos neutrinos, tema do prêmio Nobel de Física deste ano, teve novidades recentes – a detecção, em um observatório na Antártida, de 21 múons de alta energia, que só aparecem nos raríssimos choques entre neutrinos e outras partículas (PLANETA 514).

No campo teórico, uma teoria do americano Hugh Everett III divulgada em 1954 que propunha a existência de universos paralelos relacionados ao nosso causou inicialmente muita controvérsia, mas aos poucos passou a ser vista de modo diferente pela comunidade acadêmica, e seu conceito básico está presente em outras hipóteses avaliadas hoje. A conhecida teoria das cordas, proposta pelo físico nipo-americano Michio Kaku em 1974, é uma delas.

Kaku diz que os elementos constituintes essenciais de toda matéria, e também das forças físicas do universo (como a gravidade), existem em um nível subatômico. Assemelhados a pequenas tiras, ou cordas, eles se unem para formar quarks (as partículas quânticas), depois prótons, elétrons, átomos, células, etc. É a vibração dessas cordas que vai determinar o tipo de matéria constituída e o seu comportamento. Por essa hipótese, a composição de todos os itens ocorreria em 11 diferentes universos, alguns dos quais bem semelhantes ao nosso. Os cientistas continuam na busca de evidências nessa área, monitorada atentamente por PLANETA.


Excerto

“A tradição esotérica é particularmente rica nesse assunto, pela razão invocada: a ideia de universos paralelos é uma ideia do século 20 apenas pressentida no século precedente. São necessárias certas condições científicas para que uma ideia possa nascer verdadeiramente.

De todas as lendas a respeito, a única que merece atenção imediata é a do ‘espelho mágico’. Esses espelhos sempre estiveram em poder de mágicos ou sábios dotados de conhecimentos sobre-humanos. Tinham o dom de mostrar cenas que aconteciam não nesta terra ou em qualquer lugar longínquo deste universo, mas num ‘outro mundo’. Que quer dizer isto?

A tradição dos espelhos é rica em implicações. Por quê? Porque os sábios modernos descobriram e construíram o espelho mágico: o acelerador de prótons. E as cenas do ‘outro mundo’ que veem são nada mais nada menos que os vários comportamentos de uma partícula elementar, que os deixa perplexos: o méson K.”

Jérôme Cardan, em “Universos paralelos”,
PLANETA 4, dezembro/1972