18/11/2015 - 19:18
“Há pouco tempo deixei de duvidar da existência dos universos paralelos”, afirmava Jérôme Cardan na edição nº 4 de PLANETA, de dezembro de 1972. “Todo mundo pensava, e eu era o primeiro, que se havia uma hipótese de ficção científica que não tinha a menor viabilidade de verificação prática, seria a dos universos paralelos.
Agora estou bem menos certo disto.” Ele prosseguia: “Em agosto de 1965, na revista Science, um membro da academia dos cientistas de Nova York, o doutor J. H. Christenson, publicou um artigo intitulado ‘Tempo Reverso’. Nesse artigo, Christenson disse textualmente: ‘Uma hipótese audaciosa sugere que existe um universo fantasma, semelhante ao nosso. Existe apenas uma fraca interação entre os dois universos. Por isso, não podemos ver o universo paralelo’.”
A ligação entre uma ideia associada à ficção, como os universos paralelos, habitados por versões próximas de nós mesmos, e uma hipótese científica estava no cerne da proposta de PLANETA, como frisava Cardan: “(…) A filosofia de PLANETA é acreditar na ‘abertura da ciência’ e partir dela. Com a condição, claro, de que esse ‘acreditar’ não se processe ao nível do sonho, mas tenha uma base lógica, indiscutível.”
Fundamentado nessa premissa, ele examinava fatos que poderiam ser associados a universos paralelos, como aparecimentos e desaparecimentos misteriosos, à luz da ciência de então e da tradição esotérica. E a seguir apresentava dados que poderiam ajudar a explicar tudo isso.
Leis diferentes
Um desses itens é o “méson K”, partícula subatômica cujo comportamento foge ao padrão de simetria entre matéria e antimatéria que seria de se esperar pela teoria, “como se um fenômeno qualquer e sua imagem no espelho pudessem obedecer a leis diferentes”, ilustra o autor. Em seu artigo para a revista Science, Christenson sugeria que o comportamento anômalo do méson K teria a influência de um universo paralelo.
Outro personagem intrigante do elenco subatômico citado por Cardan era o neutrino, presente em desintegrações nas quais surge o méson K. Segundo o articulista, “apesar de conduzir energia, [ele] não se manifesta nem por uma carga elétrica, nem por um efeito fotoelétrico, nem por uma massa, e tem a capacidade de atravessar uma espessura quase infinita de matéria sem reação apreciável”. Essa partícula, que Cardan definia como um “instrumento ideal de investigação dos universos paralelos”, começava então a ser detectada – o primeiro flagrante científico de um neutrino só havia ocorrido em 1965.
A aventura proposta pelo articulista continua atualíssima hoje. Enquanto o enigma do méson K prossegue, a pesquisa dos neutrinos, tema do prêmio Nobel de Física deste ano, teve novidades recentes – a detecção, em um observatório na Antártida, de 21 múons de alta energia, que só aparecem nos raríssimos choques entre neutrinos e outras partículas (PLANETA 514).
No campo teórico, uma teoria do americano Hugh Everett III divulgada em 1954 que propunha a existência de universos paralelos relacionados ao nosso causou inicialmente muita controvérsia, mas aos poucos passou a ser vista de modo diferente pela comunidade acadêmica, e seu conceito básico está presente em outras hipóteses avaliadas hoje. A conhecida teoria das cordas, proposta pelo físico nipo-americano Michio Kaku em 1974, é uma delas.
Kaku diz que os elementos constituintes essenciais de toda matéria, e também das forças físicas do universo (como a gravidade), existem em um nível subatômico. Assemelhados a pequenas tiras, ou cordas, eles se unem para formar quarks (as partículas quânticas), depois prótons, elétrons, átomos, células, etc. É a vibração dessas cordas que vai determinar o tipo de matéria constituída e o seu comportamento. Por essa hipótese, a composição de todos os itens ocorreria em 11 diferentes universos, alguns dos quais bem semelhantes ao nosso. Os cientistas continuam na busca de evidências nessa área, monitorada atentamente por PLANETA.
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Excerto
“A tradição esotérica é particularmente rica nesse assunto, pela razão invocada: a ideia de universos paralelos é uma ideia do século 20 apenas pressentida no século precedente. São necessárias certas condições científicas para que uma ideia possa nascer verdadeiramente.
De todas as lendas a respeito, a única que merece atenção imediata é a do ‘espelho mágico’. Esses espelhos sempre estiveram em poder de mágicos ou sábios dotados de conhecimentos sobre-humanos. Tinham o dom de mostrar cenas que aconteciam não nesta terra ou em qualquer lugar longínquo deste universo, mas num ‘outro mundo’. Que quer dizer isto?
A tradição dos espelhos é rica em implicações. Por quê? Porque os sábios modernos descobriram e construíram o espelho mágico: o acelerador de prótons. E as cenas do ‘outro mundo’ que veem são nada mais nada menos que os vários comportamentos de uma partícula elementar, que os deixa perplexos: o méson K.”
Jérôme Cardan, em “Universos paralelos”,
PLANETA 4, dezembro/1972