04/03/2021 - 12:28
Plataformas de relacionamento conectam milhões de pessoas, mas também as expõem a condutas agressivas. Conhecido por dar a mulheres poder exclusivo de iniciar conversas, Bumble definiu regras claras contra assédio.Anna* utiliza sites e aplicativos de relacionamento desde os 18 anos. E foi por meio de uma dessas plataformas que se conectou com um rapaz na Alemanha, onde vive. Ele “parecia ser ok”, mas revelou-se um “supernacionalista” e um “racista” após conversas online. “Ele começou a xingar, não a mim pessoalmente, mas o imigrante [em geral]. Insinuando que não estou me assimilando o bastante [à sociedade alemã]”, contou à DW Brasil. Anna, de 33 anos, decidiu encerrar as mensagens.
Com o uso cada vez mais comum de aplicativos de relacionamentos no mundo, histórias de experiências negativas se amontoam em meio a casos de sucesso de casais que se conheceram online. Afinal, essas plataformas conectam milhões de indivíduos que, possivelmente, nunca se encontrariam de outra forma.
Em uma postura clara contra o discurso de ódio e o assédio, o aplicativo Bumble baniu no fim de janeiro comentários não solicitados e derrogatórios sobre a aparência e os corpos de outros usuários, como forma física ou tipo de cabelos. A plataforma já havia proibido armas e mantém tolerância zero com linguagem gordofóbica, ofensiva a pessoas com deficiência, racista, homofóbica, transfóbica e símbolos de ódio (suásticas, por exemplo).
O aplicativo, no qual as usuárias detêm o poder exclusivo de enviar a primeira mensagem em relacionamentos heterossexuais, estreou no mercado de capitais com sucesso em fevereiro, atingindo um valor de mais de 13 bilhões de dólares.
“No mundo real, existem leis e consequências para o seu comportamento. Estamos tentando dizer que se você quer se comportar mal, não pode fazê-lo aqui”, disse ao Yahoo! Finance Whitney Wolfe Herd, criadora do Bumble.
O melhor e o pior da internet
“Os aplicativos de namoro pegaram o melhor e o pior da internet. É o melhor porque fornecem uma maneira para pessoas se conhecerem. Mas terão muitos dos mesmos problemas da internet, como a amplificação de vozes hostis e preconceituosas”, afirma Paul Eastwick, professor do Departamento de Psicologia da Universidade da California, Davis, nos Estados Unidos.
Nos Estados Unidos, segundo um levantamento do Pew Research Center , três em cada dez adultos já utilizaram sites ou aplicativos de namoro. Essa proporção varia conforme a idade dos usuários. Quanto mais jovens, maior a presença nestas plataformas: 48% na faixa entre 18 e 29 anos, 38% entre 30 e 49 anos, e apenas 16% acima de 50 anos.
No setor, o Tinder possui mais de 50 milhões de usuários ativos no mundo, Bumble e Badoo (do mesmo grupo empresarial) somam mais de 40 milhões de clientes, e o Grindr (focado no público LGBTI+) supera 3 milhões de usuários por dia. E essas são apenas algumas das opções disponíveis.
Um aspecto interessante desses sites e apps é o porquê de muitos usuários sentirem-se empoderados a agir de maneira agressiva. Nesse contexto, embora outras plataformas também coíbam comportamentos nocivos, as políticas do Bumble se destacam pela clareza, pelos posicionamentos públicos da empresa sobre o tema e por parcerias com organizações contra o discurso de ódio, como a Liga Antidifamação (ADL).
Para Hollis Griffin, professor associado no Departamento de Comunicação da Universidade de Michigan (EUA), cometemos um erro ao dissociar a toxicidade nesses apps daquela presente em namoros “tradicionais”. “Humilhar corpos, desejos e identidades”, diz o acadêmico, sempre foi parte das experiências de muitas pessoas, mas a distância proporcionada pela internet significa que “há menos consequências” para ataques.
A psicóloga Katherine Hertlein, professora no Departamento de Psiquiatria da Universidade de Nevada, Las Vegas (EUA), destaca outro aspecto para a percepção desses apps como espaços tóxicos: pensamos ter muito mais controle sobre o ambiente online do que possuímos. “Talvez não tenhamos o tipo de mecanismo de bloqueio que pensamos ter. Então, o aplicativo se torna mais assustador”, afirma a especialista em tecnologia.
Experiências negativas e positivas
De acordo com o Pew Research Center, 37% dos usuários de sites e apps de relacionamento nos EUA continuaram a ser contatados mesmo após demonstrarem não ter mais interesse, 35% receberam fotos ou mensagens explicitas não solicitadas, 28% foram chamados de nomes ofensivos, e 9% receberam ameaças físicas.
“Você conversa com alguém, fala que não tem interesse e recebe uma foto nua do nada. Ou então a pessoa já vem perguntando se você quer fazer sexo a três. Não tem nem o interesse de saber quem você é”, conta à DW Brasil Mariana Pinheiro, de 25 anos.
“Não entendo o que algumas pessoas buscam nesses aplicativos se estão apenas enviando fotos ou mensagens questionáveis. Elas destroem a atmosfera desses apps”, diz Sebastian Schubert, de 35 anos, que conheceu a ex-namorada em uma plataforma online.
Por outro lado, nem todos os usuários têm histórias negativas a contar. Na verdade, segundo o Pew, as experiências com sites e aplicativos de namoro foram positivas para 57% dos entrevistados. Embora quatro a cada dez tenham considerado as suas aventuras online como negativas até certo ponto.
Anna, por exemplo, fez diversos amigos via apps e destaca que lida bem com pedidos inapropriados. “Não gosto de receber e ou enviar fotos nuas. Quero o encontro em pessoa. Se alguém pede fotos nuas para se encontrar, essa não é a pessoa para eu encontrar.”
Ambiente hierárquico
A postura do Bumble contra comportamentos nocivos, argumenta Eastwick, reflete uma crescente percepção das empresas do setor de que, para serem bem-sucedidas, precisam regular condutas agressivas e tóxicas a fim de tornar esses espaços mais seguros para os usuários.
Eastwick, que também coordena o Laboratório de Pesquisa de Atração e Relacionamento, diz que os apps e sites de relacionamentos online possuem uma estrutura complicada por natureza, na qual os usuários essencialmente podem apenas compartilhar fotos e talvez um pouco de texto para expressar quem são. “Isso cria um ambiente muito hierárquico, onde os indivíduos muito atraentes recebem a maioria das mensagens”, explica.
Pela natureza das informações compartilhadas ser amplamente baseada em fotos, prossegue o acadêmico, isso “já não reflete bem a forma como o acasalamento humano funciona”. “[Na vida real], esse é um ambiente menos hierárquico, mais plano. Há muitas divergências sobre quem é desejável e quem não é.”
“No final das contas, esses aplicativos são feitos para aproximar as pessoas e para dar dinheiro aos seus criadores. E se isso os ajudar a ganhar mais dinheiro, acho [que todas essas plataformas] deveriam introduzir algumas medidas para criar um ambiente saudável e também ajudar os usuários a produzir melhores resultados, seja em amizades ou relacionamentos”, afirma Schubert.
Medidas eficazes?
Usuária do Bumble há dois anos, Pinheiro acredita que as medidas são “um passo inicial”. “Pelo aplicativo ser claro sobre o que não é permitido, isso deve evitar comportamentos tóxicos.” Já para Anna, regras contra assédio, violência e discriminação são o mínimo que essas companhias devem ter.
As empresas do setor têm meios para proteger usuários de condutas predatórias. O problema, diz Griffin, é implementar tais políticas. Hertlein, porém, acredita que comportamentos inadequados estão mais ligados com educar o público. As empresas poderiam, por exemplo, oferecer links de pesquisas sobre relacionamentos online para que os usuários estejam “cientes das vulnerabilidades” e vantagens do sistema.
Tentativas de tornar os apps de namoro mais éticos e tolerantes são bem-vindas. Mas Griffin mostra-se alarmado com o controle de conteúdo por empresas. “Preocupa-me que entidades privadas tenham tanto poder sobre o discurso público. Neste caso, essas regulamentações são feitas em nome da justiça. E se fossem usadas para fins opostos?”
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*O nome da entrevistada foi alterado para manter sua privacidade.