A obsessão pelo ouro está presente em civilizações há milênios, como demonstração de poder e riqueza, além de ser um investimento seguro. Mas nem tudo o que reluz é ouro – ou considerado de bom gosto.Um vaso sanitário tem dado o que falar. O motivo? Ele é feito de ouro maciço de 18 quilates e foi leiloado na segunda-feira (18) na Sotheby’s, em Nova York, por 12,1 milhões de dólares (R$ 64,5 milhões).

A obra de arte, totalmente funcional, foi criada pelo artista italiano Maurizio Cattelan — também conhecido por sua banana presa com fita adesiva , que foi vendida por 6,2 milhões de dólares (R$ 33 milhões) em um leilão em 2024. Descrita como uma crítica à riqueza excessiva, a peça dialoga com o atual estado das coisas nos Estados Unidos, como indica seu nome: “America”.

O ouro está em alta na Casa Branca. Desde os badulaques que adornam a lareira do Salão Oval até as torneiras e acessórios dourados no banheiro recém-reformado do quarto de Lincoln, passando pelas placas em letra cursiva dourada que aparecem nas paredes e entradas, Donald Trump parece não se cansar do metal precioso.

Embora suas escolhas de estilo sejam questionáveis, sua aparente obsessão pelo ouro tem raízes históricas e culturais profundas. O ouro fascina o mundo há milênios e foi alçado a um significado e a um poder especiais.

Obsessão milenar

Os achados mais antigos de ouro datam de cerca de 6.500 anos. Conhecidos como “ouro de Varna”, foram descobertos em 1972, em um cemitério na Bulgária.

Os artefatos, que incluíam joias, objetos de decoração, ferramentas e armas, e até mesmo uma bainha de pênis dourada, estavam concentrados em apenas alguns túmulos, indicando as primeiras hierarquias sociais. Mesmo naquela época, o ouro significava status, poder e riqueza.

E não apenas na Europa: achados semelhantes em túmulos concentrados do Reino de Mapungubwe, na atual África do Sul, datados de 1050-1270 d.C., mostram que ele também significava posição social.

Os impérios inca e asteca chegaram a restringir legalmente quem podia usar ouro.

“Esses ornamentos [de ouro] serviam, em grande parte, para estabelecer identidades; eram para afirmar status, privilégio, separação e distinção”, escreve Joanne Pillsbury, curadora de Arte Antiga Americana do Metropolitan Museum, em Nova York.

Metal dos deuses

O simbolismo ao redor do ouro também está há muito tempo relacionado ao divino. Em todo o mundo, o metal adornou as insígnias dos governantes, as cúpulas e torres das igrejas e as fachadas dos templos, sugerindo o majestoso, o celestial e o eterno.

Os antigos egípcios acreditavam que a carne dos deuses era ouro, enquanto as antigas civilizações americanas pensavam que usá-lo era uma forma de unir os mundos terreno e sobrenatural.

Os antigos gregos até personificaram o ouro como um deus, Chrysos.

O poeta lírico grego Píndaro escreveu no século 5º a.C.: “O ouro é filho de Zeus; nem a traça nem a ferrugem o devoram; mas a mente do homem é devorada por essa posse suprema”. Naquela época, a loucura pelo ouro já dava as caras.

Indestrutível e maleável

O poder simbólico do ouro está enraizado em seu poder real — suas qualidades únicas. Ele é conhecido como um “metal nobre”, o que significa que resiste à corrosão e ao embaçamento, não é afetado pela maioria dos ácidos e pode ser encontrado na natureza em sua forma bruta. O ouro não precisa de transformação para brilhar; ele simplesmente está lá, brilhando entre as rochas e a terra.

O ouro também é muito denso, pesando significativamente mais por centímetro cúbico do que a prata, o ferro, o cobre e o chumbo. Embora pareça pesado ao toque, é um metal relativamente macio, o que o torna fácil de trabalhar. Pode ser martelado ou prensado até ficar extremamente fino e transformado nos fios mais finos, e conduz tanto o calor como a eletricidade. Derreta um objeto de ouro e ele pode ser imediatamente moldado de novo.

Em suma, é versátil e praticamente indestrutível, uma espécie de super-herói atraente, mutável e eterno entre os metais.

E, é claro, o ouro é raro. Estima-se que todo o ouro já extraído, se reunido, formaria um único cubo medindo 22 metros de lado.

Símbolo de riqueza

Essa escassez ajudou o metal a manter seu valor ao longo da história. É também uma das razões pelas quais é considerado um investimento estável a longo prazo, especialmente em tempos de volatilidade.

Joias e outros itens de ouro são oferecidos em vários momentos da vida, em inúmeras culturas ao redor do mundo — desde pulseirinhas para bebês no Brasil, até símbolos do zodíaco para o Ano Novo Lunar na China e presentes de casamento na Índia. Elas simbolizam não apenas uma bênção e um desejo de felicidade e prosperidade, mas um presente com valor em si mesmo.

Para alguns, como a autora Nadya Agrawal, de Nova York, essa riqueza carrega um simbolismo mais profundo. “Para minhas avós, me presentear com ouro como um investimento para minha segurança futura era o seu feminismo. Era assim que elas mantinham um matriarcado em um mundo fortemente patriarcal”, afirma, em ensaio sobre o costume indiano.

Ouro em excesso

Mesmo metaforicamente falando, nada parece superar o ouro: pense em “garoto/garota de ouro”, “o silêncio é de ouro”, “coração de ouro”, para citar algumas expressões.

No entanto, apesar de sua beleza e valor atemporais, o simbolismo positivo do ouro tem seus limites. Em excesso, aplicado da maneira errada, ele pode perder seu brilho, conferindo uma percepção negativa.

O antigo rei grego Midas é talvez o exemplo mais antigo. De acordo com o mito, os deuses lhe concederam a habilidade de transformar tudo o que tocava em ouro — uma maldição em vez de uma bênção, já que sua comida e até mesmo sua família foram transformadas em ouro.

Exibições ostensivas de ouro podem comunicar falta de bom gosto e até de classe, mesmo sendo uma demonstração explícita de riqueza.

Como o caso do empresário e agiota indiano Datta Phuge, que ficou famoso em 2013 depois de usar uma camisa feita com 3 quilos de ouro, que na época custou cerca de 250 mil dólares. Alguns até admiraram a idumentária, mas ele também foi alvo de chacota pelo ouro em excesso, admitiu ele à BBC, na época.

Mais recentemente, usuários das redes sociais têm zombado das decorações douradas do Salão Oval de Trump – com rumores circulando de que elas são, na verdade, objetos de plástico pintados de dourado.

Durante uma visita ao salão, um apresentador da Fox News confrontou o presidente sobre a suspeita. “Sabe uma coisa sobre o ouro?”, retrucou Trump. “Não dá para imitar ouro, ouro de verdade. Não existe tinta que imite ouro.”

No fim das contas, a melhor definição para o ouro — seu valor atemporal e a cafonice — talvez seja do historiador Peter Bernstein: “Nada é tão inútil e útil ao mesmo tempo.” Diga isso ao futuro dono de um vaso sanitário dourado.