16/11/2016 - 17:16
No ritmo acelerado das tecnologias digitais e móveis, o futuro já começou a reorganizar as estruturas tradicionais de emprego e o mercado de trabalho. O que, por si só, já deixa qualquer um inquieto, somado a crises econômicas gera ainda mais preocupação com desemprego em massa e inadequação aos novos modelos. A isso ainda se acrescenta, no Brasil, a acalorada discussão sobre a proposta de reforma trabalhista do governo. Processos estão sendo automatizados, algoritmos e robôs estão substituindo pessoas e a inteligência artificial ameaça até mesmo atividades intelectuais.
Assim como o mercantilismo, no século 16, e a industrialização, no século 19, a atual revolução digital está alterando os modos de produção, as relações comerciais e de trabalho. O Banco da Inglaterra calcula que, nos próximos 10 a 20 anos, as máquinas poderão ocupar 50% das vagas de emprego do país e dos Estados Unidos, incluindo funções administrativas, de escritório e de produção.
A notícia pode parecer ruim, mas não necessariamente. Enquanto alguns ofícios e profissões tendem a se desmanchar, novas atividades e vagas estão surgindo. A conectividade está transformando onde e como fazemos as coisas e criando a economia colaborativa. Apesar de assustadora, a automação promete liberar as pessoas de trabalhos mecânicos e repetitivos para exercer sua criatividade, raciocínio e habilidades sociais em atividades mais interessantes.
“O pagamento por hora – ‘bunda-cadeira’, como eu chamo – tende a ir se extinguindo e os trabalhadores passarão a ser mais cobrados e remunerados pelos resultados que gerarem no seu dia a dia”, afirma Caroline Batista, especialista em autoliderança, uma categoria de coaching que nasceu em função da nova era. “As pessoas precisam assumir a gestão das suas carreiras. Essa é a melhor coisa que você pode fazer para não ser pego de surpresa.”
Seu próximo trabalho
Com tantas tendências redefinindo as relações de trabalho (leia infográfico nas páginas seguintes), surgem também conceitos de carreira. Identificada ainda nos anos 1970, a “carreira proteana” derruba as tradicionais barreiras para prestação de serviços, sem limite de lugar físico nem de exclusividade com o cliente. O profissional é remunerado pelo conhecimento transmitido e pelo resultado gerado.
Já a “carreira inteligente” valoriza a forma de atuar de cada indivíduo. Como o conhecimento técnico todo mundo tem, passam a contar mais a experiência de vida de cada um e as competências que desenvolveu em prol da sua carreira. O profissional se torna uma espécie de mentor e é remunerado por isso.
Na “carreira sem fronteiras”, por sua vez, os profissionais são completamente independentes e trabalham para diferentes países; os pagamentos são feitos por cartão de crédito. Se a concorrência é globalizada, as oportunidades laborais também são.
Caroline lembra, porém, que a legislação brasileira, ainda muito engessada, não está preparada para esses novos formatos. O que a atual reforma trabalhista propõe aponta nesse sentido, mas ainda deixa questões sem resposta e assusta a concepção mais tradicional de emprego. “Além disso, é preciso pensar em um plano de migração para as pessoas que estão sendo substituídas por robôs”, alerta a coach.
Na Suécia estão ocorrendo experiências de redução da jornada de trabalho para seis horas diárias, por enquanto com bons resultados. E na Suíça a população foi chamada, em junho, para um plebiscito que decidiu se se estabelecia, ou não, uma renda básica universal para os cidadãos de todas as idades – independentemente de estarem empregados. Quase 80% rejeitaram a proposta.
Ocupação x realização
A carreira tradicional – tão focada em salário, nível hierárquico e status – vai perdendo lugar para outros critérios de sucesso. Nessa nova cultura em formação, o contracheque perde importância frente à autorrealização e ao sentido no que se está fazendo. Os profissionais de hoje estão interessados em causar impacto positivo na sociedade com seu trabalho.
Toda essa transformação começou com a geração Y (nascidos entre 1980 e 1995), também conhecida como Millennials, que entrou no mercado de trabalho questionando os modelos anteriores. Diferentemente da geração X (nascidos nos anos 1960 e 1970), que queria ascender rapidamente e chegar aos 30 anos ganhando muito dinheiro, os Y já não queriam mais se matar de trabalhar, preferiam ter tempo para ser felizes. Agora, com a chegada ao mundo laboral da geração Z (nascidos na era digital), as mudanças são ainda mais demandadas e velozes.
“A geração Z quer ser feliz o tempo todo, quer gostar do que faz como trabalho. É uma geração que vai passar por muitas carreiras na vida”, analisa Caroline. Ela mesma, hoje com 32 anos, já viveu na pele a passagem para outra profissão. Depois de dez anos na empresa de marketing que criou com colegas, não sentia mais vontade de continuar nessa área. “Na época já atuava como coach interno lá dentro, me identificava muito com essa atividade e fui me desenvolver nisso no exterior.”
Para a jornalista Claudia Giudice, demitida depois de mais de 20 anos numa mesma empresa (leia reportagem “Reescrevendo a própria carreira” ao final da reportagem), como parte de um enorme corte de funcionários – algo muito frequente nos dias de hoje –, essas mudanças são um ruído e um susto para sua geração e as anteriores. Para ela, a perenidade no trabalho não faz mais sentido. “A gente conseguia controlar os movimentos, agora não consegue mais.”
O lado bom, a seu ver, é realizar diferentes aptidões e desejos numa mesma vida e não precisar mais se prender a velhos modelos. “Não sabemos para que lado vão as profissões. Temos vidas produtivas mais longas e os jovens de hoje não vão mais começar e terminar a vida profissional na mesma carreira.” Mas reconhece que, para quem gosta de estabilidade e segurança, a situação é desafiadora: “está mais para o filme Apertem os Cintos… O Piloto Sumiu!”
Por isso, ela defende que a melhor forma de lidar com as incertezas de hoje é se manter preparado para as mudanças. “Com o mercado como está, é bom ter à mão uma saída para a situação que se está vivendo.” Mas destaca que empreender não é a única saída. Sua sugestão é que as pessoas apostem no que gostam de fazer, em atividades que sintam prazer em fazer.
A coach Caroline concorda. O fundamental é afastar as imposições familiares e conhecer a si mesmo para descobrir do que realmente se gosta. “Todos têm múltiplos talentos. Ninguém tem que ter nascido para atuar numa coisa só”, instiga. Hoje é possível fazer um hobby render dinheiro, sem necessariamente ter de empreender. Assim como não é mais necessário fazer uma faculdade. “As universidades, aliás, vão ter de evoluir para certificadoras de conhecimento dentro dessa realidade do conhecimento livre e sob demanda, como Harvard e Yale já começaram a fazer.” Para ela, no Brasil, títulos ainda costumam contar mais do que a experiência. “Lá fora é o inverso.”
Choque geracional
Mesmo o empreendedorismo ganha hoje novos contornos. Com 27 anos, Francisco Forbes (leia reportagem “Máquina de empreender” ao final da reportagem) pode falar disso com propriedade. Já pôs de pé três empresas de sucesso e ensina em três universidades. Ainda acha tempo para pilotar helicóptero e estudar saxofone – se declara apaixonado por jazz. “O jazz não é o que, é o como. É a forma como se faz. Posso tocar qualquer música jazz.”
Para ele, a forma de fazer as coisas é o que marca o novo mercado: o sistema de aluguel de acomodações Airbnb e o de transporte de passageiros Uber, por exemplo, fazem basicamente o mesmo que a rede hoteleira e o taxista já faziam, mas de um jeito diferente.
No caso do empreendedorismo, as grandes diferenças com os negócios abertos pelas gerações anteriores é que as empresas iniciantes (startups) de hoje já não estão pensadas para dar lucro, mas sim para durar menos tempo e serem vendidas. “Além de dependerem de injeção de capital para ter um impulso de crescimento”, lembra.
O ambiente organizacional nas startups – até mais do que em outras empresas – enfrenta o choque geracional: os profissionais mais velhos se sentem incomodados de ser liderados por pessoas da idade dos filhos, e os mais novos vêm criando resistência em trabalhar com quem pensa de forma muito diferente da deles. “Mas precisamos nos entender, não vamos conseguir viver de uma geração só. Precisamos das habilidades que os mais velhos podem trazer.”
Esse atrito entre gerações acontece nas empresas e em casa. “Os pais estão claramente discordando de os filhos fazerem essa migração do conforto e estabilidade do emprego tradicional, para o risco do modelo de startup”, comenta Francisco Jardim, sócio-fundador do fundo de investimento SP Ventures. Isso porque as empresas iniciantes oferecem salários mais baixos e quase nada de benefícios, mas dão aos funcionários participação acionária. “É como trocar conforto e benefício de hoje pelo potencial futuro”, diz.
Se as gerações anteriores buscavam bônus semestral e anual, plano de saúde e de carreira, hoje, segundo Jardim, a garotada está pedindo outras coisas. Principalmente: propósito (uma missão no planeta), autonomia (ninguém está mais disposto a ser microgerenciado, querem liberdade para poder criar e pensar) e espaço para exercer o próprio potencial (oportunidade de crescimento pessoal e profissional conjunto). “Um exemplo disso tudo é o Google que, por exemplo, permite aos funcionários dedicarem 20% do seu tempo ao que quiserem.”
O futuro do emprego promete responder às mudanças do mercado e, em grande parte, ao desejo dos profissionais. A revolução que vivemos não é só digital, mas também comportamental.
Reescrevendo a própria carreira
Claudia Giudice começou sua carreira de jornalista com 16 anos e ficou por mais de duas décadas na mesma empresa, escalando a hierarquia corporativa. De repórter estagiária chegou à diretora superintendente de marcas femininas da Editora Abril. E planejava se aposentar ali em 2020, para então assumir a Pousada A Capela, em Arembepe (BA), que abriu em sociedade com uma empresária local, Níl Pereira, em 2012. Mas, em 2014, foi demitida em um grande corte. Experiência que inspirou a criação do seu blog Vida sem Crachá, editado em livro no ano passado.
Apesar de Claudia já ter uma carta na manga, a demissão a deixou desorientada por certo tempo. A primeira atitude foi mudar sua forma de consumir. Cada dinheiro economizado era um tempo a mais para decidir o que ia fazer. Trocou o carro pela bicicleta, cancelou a TV por assinatura, mudou para uma casa menor. “Liberdade individual é proporcional à segurança financeira. A gente descobre que pode viver com muito menos e que é uma delícia.” Diferentemente do que se pode imaginar, Claudia não vê o momento como uma crise, mas como uma “transformação” devido à revolução digital. “Estamos dentro do processo histórico e é difícil avaliar o quanto isso significa. Quero viver mais uns 20 anos para poder falar disso como testemunha ocular da história.”
Menos pressão, mais exigência
Enquanto a sócia cuida da parte mais operacional na pousada, Claudia responde pela gestão das reservas, pelo financeiro e pelo marketing, atividades que pode executar a distância. (Durante a semana, ela geralmente está em São Paulo.) Claudia acredita que trabalha mais como empreendedora do que como funcionária. “Não tenho mais a pressão do chefe. Mas sou mais exigente agora do que era como executiva.” Nem por isso parou por aí. A dupla está abrindo uma loja para vender arte popular e móveis (que já atraíam o interesse dos hóspedes da pousada) e administrar reformas e manutenções, para atender as casas de veraneio da vizinhança. —–
Com música e dentes
O confisco da poupança, em 1990, época em que a inflação passava dos 100% ao mês, levou o então dentista Carlos Althier de Souza Lemos Escobar a perder tudo o que tinha, inclusive sua clínica. “O Brasil me fez fechar as portas e dispensar 17 funcionários”, lembra do episódio ocorrido quando tinha 53 anos de idade. Aquela crise só não tirou a música de Guinga, como é conhecido o violonista de renome internacional.
Seu caso com o violão era antigo, mas foi interrompido pelo consultório. Já com 16 anos, Guinga acompanhava artistas como Beth Carvalho, Clara Nunes e Cartola. Como músico mal pago que precisava se sustentar, decidiu viver como doutor quando entrou na faculdade de odontologia, aos 20 anos. “Não me arrependi de ter mudado. Tive muitos anos de estabilidade e pude formar minha família.” De forma alguma a vida foi fácil. Trabalhava de 6h30 às 22h, de segunda a sábado, sem nunca tirar férias. Mesmo assim, nunca deixou de tocar. “Quando a gente quer, sempre arranja tempo. Compunha muito no consultório. Mas minha ideia era voltar para a música só quando tivesse meu cavalo amarrado na sombra.”
Ele reconhece que a situação hoje não está boa. “No Brasil, o mercado sempre foi complicado.” Por isso aprendeu a diversificar. Só no primeiro semestre deste ano foi três vezes à Europa e uma aos Estados Unidos para fazer shows. “Hoje, com 66 anos, tenho nome firmado; não vendo muito, mas sou bem-sucedido e respeitado.” —–
Máquina de empreender
Ainda no ensino fundamental, Francisco Forbes começou a programar e desenvolver sites. O pagamento era feito na forma de permutas com as empresas que atendia. Apesar de ter se formado arquiteto no Brasil e estudado cinema nos Estados Unidos, nunca trabalhou com nada disso. Ligou-se cada vez mais ao mundo digital e se tornou um empreendedor em série.
Depois de trabalhar com marketing digital nos EUA, voltou ao Brasil, em 2007, decidido a abrir sua própria empresa na área. Driblou as dificuldades se tornando o braço digital de grandes agências de propaganda. “Em um ano já tinha 70 funcionários. Aprendi errando de todas as maneiras possíveis. Descobri o que era imposto, tomei processo trabalhista e levei golpe”, conta.
Quando fundos de investimento ao estilo norte-americano vieram para o Brasil, Forbes participou de uma série de startups, como Groupon, Dafiti, Submarino, assim como dos próprios fundos. Logo um desses fundos comprou sua agência e, com outros dois negócios, montou a Infracommerce, da qual Forbes foi vice-presidente por dois anos. Hoje, ela é o maior distribuidor de tecnologia e desenvolvimento para comércio eletrônico da America Latina, com clientes do porte de Danone, Unilever e Ray-Ban.
Forbes saiu de lá em 2014 para montar a Seed, empresa que leva ao varejo físico a mesma inteligência das métricas usadas no e-commerce. Um robozinho instalado na porta da loja e integrado ao caixa conta quantas pessoas entraram, se compraram, o que compraram, se voltaram outro dia, etc. “Com essas informações, varejistas como Ponto Frio, Centauro, Ri Happy, bancos e aeroportos podem tomar decisões sobre promoções, investimentos em marketing, reformas físicas e otimizações.”
Cultura da horizontalidade
Apesar do extenso currículo, Forbes ainda tem 27 anos. “A barreira do tempo acabou. Hoje tenho mais valor – do ponto de vista de geração de dinheiro e de receita – do que muito executivo com 20 anos de empresa”, diz. Ele destaca que sua geração está criando uma nova cultura marcada por horizontalidade, colaboração, transparência e ética. “As notícias correm muito rápido – para o bem e para o mal. Antes era preciso sair nos jornais, hoje basta o Facebook.”
Recentemente, ele foi convidado a ser sócio de uma cervejaria. Mas alerta que o sucesso não vem fácil: é preciso trabalhar muito. “VIvo uma constante angústia de liquidez, não controlo minha agenda e já fui parar no hospital por estresse.”