Braceletes, Odete Roitman e funk melody com IA: o passado virou tendência entre jovens e estratégia de marketing entre as marcas.A mais nova tendência no TikTok é o “bracelete italiano”, aquelas pulseiras com peças personalizáveis que foram um sucesso nos anos 2000. Antes disso, os jovens já tinham redescoberto as câmeras analógicas e cybershots e os grandes sucessos da MPB dos anos 1970. Mais recentemente, fizeram-se a mesma pergunta que provavelmente também intrigou seus pais: quem matou Odete Roitman?

O passado desperta o interesse de diferentes gerações por meio da nostalgia que esses produtos ou experiências evocam. Para além de um sentimento comum e tendência nas redes sociais, a nostalgia também se tornou uma estratégia de marketing extremamente rentável nos últimos anos.

“A estética chama atenção, mas o sentimento é o que retém. É por isso que campanhas com memória têm tanto alcance”, explica Amanda Caliari, diretora criativa na agência de influência Chango Digital, uma das principais empresas brasileiras no segmento.

Marcas e influenciadores têm apostado com cada vez mais frequência em revisitar o passado. Mas por quê?

O marketing da nostalgia

Para Pedro Brandão, professor de publicidade e propaganda na Universidade Federal do Ceará (UFC), apostar na nostalgia como estratégia de marketing é “apostar no certo”: recorrer a sucessos do passado com uma nova roupagem no presente é uma forma não só de conter os riscos, mas também de garantir um retorno muito lucrativo para as marcas, baseado em uma relação afetiva com o consumidor.

Para o professor da UFC, a nostalgia como uma tendência e uma estratégia de marketing tem tudo a ver com a contemporaneidade, em que o passado se tornou uma das melhores fontes para referenciar o presente. “Eu saio de casa com uma blusa que faz referência à moda dos anos 1990, um sapato que faz referência à moda dos anos 1970 e um cabelo que é pensado na década de 1960. Em todos nós habitam muitos momentos do passado”, exemplifica Brandão.

Caliari pontua também que revisitar o passado significa entender o contexto em que ele é inserido: o que aquela época representava e o que ela desperta nas pessoas hoje.

Os braceletes citados no começo deste texto, por exemplo, surgiram na Itália nos anos 1980 com a marca florentina Nomination. Nos anos 1990 e 2000, eles se popularizaram entre os turistas, especialmente os norte-americanos. Cabe a cada um decidir como personalizar o seu bracelete, adicionando berloques que lembram lugares, pessoas e momentos especiais, celebram conquistas e contam a história de quem os usa – tudo isso envolto em muita nostalgia.

A Geração Z e a Nostalgia: a Newstalgia

Em 2018, uma pesquisa realizada pela Universidade de Southampton no Reino Unido demonstrou que jovens adultos tendem a simpatizar com as memórias nostálgicas de pessoas de outras gerações. Os pesquisadores coletaram histórias nostálgicas de 40 adultos entre 50 e 83 anos e as apresentaram para jovens de 18 a 28 anos. Os resultados indicaram que os mais novos se sentiam nostálgicos apenas com os relatos lidos, por mais que sequer tenham vivido aqueles momentos.

Isso ajuda a entender por que a Geração Z se sente tão nostálgica. Nascidos entre o final dos anos 1990 e o começo dos anos 2010, os jovens dessa geração cresceram conectados – e ouvindo histórias de como o mundo era melhor antes da internet. Retornar ao passado pré-digital é também uma forma de estabelecer novos vínculos por meio da moda, da música, do cinema.

Caliari observa um alto engajamento de campanhas pautadas na nostalgia entre o público de 25 a 40 anos, mas destaca a Geração Z como a responsável por amplificar e viralizar esse tipo de conteúdo nas redes sociais. “É o encontro entre lembrança e descoberta, e é isso que mantém a nostalgia viva”, salienta a publicitária. Esse movimento é chamado de “newstalgia”: quando algo aparentemente “novo” provoca nostalgia.

Em 2022, por exemplo, a cantora britânica Kate Bush voltou ao topo das paradas globais após uma de suas músicas aparecer na série da Netflix Stranger Things, que se passa nos anos 1980, quando Bush era considerada um ícone do pop alternativo. O sucesso trouxe para a cantora inúmeros novos fãs movidos pela nostalgia de um passado que não viveram.

Nostalgia com um empurrãozinho da IA

Desde julho deste ano, uma releitura do funk “Predador de Perereca” de MC Jhey viralizou no TikTok e no Instagram no mundo inteiro. O “probidão” recebeu uma nova versão no ritmo do funk melody dos anos 1980 produzida por meio de inteligência artificial. Versões de outros funks com ritmo nostálgico têm sido lançadas desde então e acumulam milhões de views e streams.

O desenvolvimento acelerado da IA abre um oceano de possibilidades, até mesmo nas formas de revisitar o passado e gerar engajamento. Caliari acredita que o futuro da criação de conteúdo digital será híbrido, aliando repertório humano e a tecnologia generativa. A publicitária ressalta que o mais importante para marcas e criadores no futuro será estabelecer e manter vínculos, inclusive por meio da nostalgia.

Brandão lembra também que o desenvolvimento de novas tecnologias transforma suas predecessoras em símbolos de uma época: se a câmera analógica portátil já foi a tecnologia em fotografia mais avançada que existiu, hoje ela está ultrapassada. Mas ainda simboliza uma época e isso evoca nostalgia em novos consumidores.

Diante de um futuro imprevisível, reviver o passado é também uma forma de se localizar no presente e na sociedade. Para Brandão, o passado é um grande “campo de batalha”. Ele lembra que nos anos 1990, as pessoas estavam eufóricas com o futuro, com a virada do milênio e com os novos horizontes da humanidade. Mas a tendência mudou.

“Olhar para o passado não é exatamente algo em si ruim, é problema quando só se olha para o passado, não para a frente. E o grande problema é quando se olha para o futuro e quer transformar esse futuro em um passado que não volta mais”, explica o professor. “Eu sou nostálgico de algumas coisas do meu passado e eu instrumentalizo isso para tentar imaginar um futuro diferente. Porque é para frente que se anda, no final das contas”, conclui.