31/07/2017 - 8:00
O potencial de geração de energia a partir dos ventos no Brasil é tão grande que, sozinha, essa fonte poderia abastecer todo o território nacional. Mas, mesmo com as evidências visíveis dessa capacidade, como os ventos constantes que sopram no Nordeste, o país – apegado às hidrelétricas e, mais recentemente, ao petróleo do pré-sal – demorou muito para investir na energia eólica: o primeiro leilão nessa área foi realizado apenas em 2009. Desde então, o Brasil tem evoluído satisfatoriamente no setor, com investimentos crescentes, uma indústria cada vez mais consolidada e preços já competitivos em relação à energia mais barata, a hidrelétrica. Na entrevista a seguir, Sandro Yamamoto, diretor técnico da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), traça um panorama amplo da área no país e prevê tempos cada vez melhores para ela.
PLANETA – O Brasil tem tido uma relação um tanto ilógica com a energia eólica, dado seu potencial no setor, e demorou a despertar para o que pode conseguir com ela. Como o sr. avalia as políticas nessa área praticadas nos últimos anos? Estamos enfim aprendendo a trabalhar com essa fonte energética?
YAMAMOTO – A energia eólica tem uma trajetória virtuosa de crescimento sustentável no Brasil, compatível com o desenvolvimento de uma indústria criada praticamente do zero no país. A situação favorável da indústria eólica em nosso país pode ser explicada pela ótima qualidade dos ventos brasileiros e pelo forte investimento das empresas – nos últimos cinco anos, elas construíram uma cadeia produtiva nacional para sustentar os compromissos assumidos e o enorme potencial de crescimento dessa fonte de energia, que acreditamos ser o futuro. É importante mencionar que o Ministério de Minas e Energia vem declarando, em várias ocasiões, que a expansão da matriz se dará pelas renováveis, como eólica, de forma que vemos um brilhante futuro para a energia dos ventos no país.
PLANETA – Qual é a posição atual do Brasil no ranking mundial da energia eólica?
YAMAMOTO – Em maio de 2017, estávamos com 11 gigawatts (GW) – ou 11 mil megawatts – de produção e mais de 440 parques. De acordo com dados do Global Wind Energy Council (GWEC), organização internacional especializada em energia eólica, o Brasil já ultrapassou a Itália e ocupa agora a nona posição no ranking mundial de capacidade instalada desse tipo de energia.
PLANETA – Atualmente, mais de 7% da energia produzida no Brasil é de origem eólica. Até onde se pode chegar nesse sentido, na sua opinião?
YAMAMOTO – O potencial de energia eólica no Brasil é de cerca de 500 GW, muito mais do que o país consome atualmente. Considerando que a matriz de geração de eletricidade deve ser diversificada entre as demais fontes e o Brasil tem um baixo consumo de eletricidade per capita, a energia eólica em nosso país ainda possui muitas décadas de desenvolvimento no futuro. Mas é difícil estimar um percentual, já que outras fontes, como a solar, possuem também um grande potencial de crescimento. É importante salientar que, no ano passado, registramos diversos recordes para a energia eólica no Brasil. Um exemplo: conforme dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), no dia 5 de novembro de 2016, 52% da energia do Nordeste veio das eólicas. No dia 2 de outubro, houve recorde de geração eólica do Sistema Interligado Nacional (SIN): 6.632 megawatts (MW) às 07h56, com um fator de capacidade de 75%. Naquele momento, 15% da energia consumida no Brasil veio de fontes eólicas. Também é importante mencionar que, no ano passado, a geração de energia eólica no Brasil cresceu 55% em relação a 2015, de acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Ao todo, foram gerados 33,15 terawatts-hora (33.150 gigawatts-hora) de energia eólica ao longo de 2016.
PLANETA – A produção brasileira de energia eólica pode abastecer atualmente quantas residências?
YAMAMOTO – De acordo com a resenha mensal publicada pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o consumo médio residencial no Brasil em 2016 foi de 161,8 quilowatts-hora por mês. Portanto, na média, foram abastecidas 17 milhões de residências por mês, o equivalente a cerca de 51 milhões de habitantes. Esse número significa um crescimento de 54% em relação ao ano anterior, quando a energia eólica abasteceu 33 milhões de pessoas.
PLANETA – A energia eólica tem sido responsável por uma considerável geração de empregos no mundo. Qual é a situação brasileira nesse setor?
YAMAMOTO – A cada megawatt são gerados 15 empregos em toda a cadeia. No ano passado, foram cerca de 30 mil postos. É importante lembrar que a cadeia produtiva do setor é 80% nacionalizada.
PLANETA – A área está enfim recebendo o nível de investimento adequado ao seu potencial?
YAMAMOTO – Nos últimos seis anos, o investimento feito pelas empresas da cadeia produtiva de energia eólica no Brasil foi de R$ 48 bilhões. Só em 2016 foram US$ 5,4 bilhões. Se contarmos de 1998 até hoje, já somamos cerca de R$ 60 bilhões investidos. Os investimentos são calculados em relação aos megawatts instalados. De 2017 a 2020, por exemplo, calculamos um investimento de cerca de R$ 50 bilhões, considerando o que está previsto para ser instalado com os contratos que já temos, que somam 7 GW.
PLANETA – O Nordeste tem carência de energia hidrelétrica e já se pensou até em construir usinas nucleares ali. Mas tem um enorme potencial eólico. A energia eólica poderia suprir totalmente a demanda da região?
YAMAMOTO – Hoje já registramos recordes de dias em que mais de 50% do Nordeste é atendido por energia eólica – foi o caso de 5 de novembro de 2016, como havíamos mencionado. É importante entender que toda a energia gerada é injetada no SIN, sendo distribuída para o país inteiro através das linhas de transmissão que interligam as regiões, mas consumida preferencialmente perto de onde foi gerada. Por isso, temos esse recorde regional, mas não porque exista um sistema apenas para o Nordeste. Com o crescimento da eólica, vamos cada vez mais presenciar o peso dessa fonte energética aumentando no Nordeste e no abastecimento nacional. Para o Brasil, é importante que a matriz tenha um crescimento diversificado, uma vez que a fonte eólica é complementar às demais fontes de geração, permitindo maior segurança de suprimento para o futuro.
PLANETA – Queixas frequentes sobre as turbinas eólicas no mundo têm sido as de que elas afetam o voo das aves e enfeiam a paisagem. O problema com os pássaros é insolúvel? E como anda a aceitação das turbinas como componente da paisagem?
YAMAMOTO – A questão das aves é algo resolvido. No Brasil, por exemplo, antes da implantação de um parque eólico, o empreendedor precisa fazer um mapeamento completo de fauna e flora daquela região, seguindo a legislação dos órgãos ambientais. Isso antes de obter uma licença prévia para conseguir autorização de implantação. Caso obtenha aprovação para prosseguir com o projeto, o empreendedor terá de fazer um monitoramento constante da fauna depois que o parque estiver funcionando, o que servirá para aprovar a continuidade da operação do empreendimento. Para esses trabalhos, são feitos estudos específicos que costumam ser produzidos por empresas especializadas, que estão sempre atualizadas em relação ao desenvolvimento de novas pesquisas nessas áreas. É importante mencionar que os parques eólicos não podem ser instalados em rotas migratórias, conforme consta na legislação. Além disso, tecnologias mais avançadas com maiores alturas de aerogeradores, por exemplo, têm contribuído nesse tema. É importante lembrar que a fonte eólica é a única que já tem legislação ambiental específica e é considerada de baixo impacto. Com relação à paisagem, desconhecemos essa questão no Brasil – inclusive sabemos que, em diversos pontos, os aerogeradores transformam cidades em pontos turísticos.
PLANETA – Fazendas eólicas no mar são uma opção para o Brasil?
YAMAMOTO – O Brasil possui um dos melhores ventos do mundo e um grande potencial para parques eólicos em terra (onshore). Não há, portanto, necessidade de se pensar nisso agora.