Fim de ano, de mais um ciclo solar. Tempo de reflexão. Quanto orgulho e quanta insatisfação você está levando desse período vivido? Não responda baseado em suas conquistas materiais, mas na sua evolução pessoal. Quão melhor você está terminando 2017? Quantas vezes você abriu sua mente e repensou suas crenças? Qual foi a última vez que você desafiou seu cérebro a sair do trivial e aprender algo novo?

“O que diferencia o ser humano do chimpanzé e do golfinho, animais extremamente inteligentes, o que nos torna especiais [neste universo imenso] é nossa capacidade de adquirir conhecimento. De fazer com que, amanhã, nossa mente seja diferente do que é hoje. De transformar o mundo. O ser humano se preocupa com o futuro, porque tem o cérebro capaz disso”, afirma Pedro Calabrez, pesquisador do Laboratório de Neurociências Clínicas (LiNC) da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e professor.

Aprender sentindo muda as células do organismo. A sensação é tão boa que o corpo quer mais. O lúdico aguça a vontade de aprender

Embora mexa positivamente com a cabeça, desafiar o cérebro gasta energia, e isso vai contra nossa própria natureza. Afinal, a lei do mínimo esforço se aplica a todos os seres vivos. “Energia é um recurso escasso na natureza. No processo evolutivo, a natureza fez com que as espécies tendam a conservar energia”, diz Calabrez. Superar essa preguiça, entretanto,­ traz benefícios inquestionáveis.

“Aprender todos os dias preserva o cérebro. Conhecer alguma coisa nova é como dar alimento para o cérebro”, afirma a neuropsi­cóloga Mariana Assed. Desafiar-nos a fazer algo diferente do habitual aumenta as “circuitarias” sem uso ou que nem existiam ainda, como ela gosta de definir as conexões cerebrais. Ou seja, aumenta todo o processamento que está acontecendo­ no cérebro. Isso prolonga as funções cognitivas ao longo da vida e, portanto, a autonomia, a inde­pendência e a capacidade de tomada de decisão das pessoas, mesmo em idade mais avançada.

Para manter o cérebro ativo e saudável é preciso exercitar todo o corpo

“Já está comprovado cientificamente que as pessoas com alta escolaridade e hábitos de leitura tiveram declínio muito mais sadio (e tardio) do que as que nunca foram estimuladas. Estas costumam sofrer declínio mais precoce”, afirma. E é bom pensar nisso o quanto antes. A expectativa média de vida no Brasil em 1900 era de 33,7 anos, e em 2014 alcançou 75,4 anos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em conse­quência, a população com 60 anos ou mais deve triplicar até 2050 no país e chegar a 29,3% do total em relação a 2016 (quando representavam 10% da população nacional), informa o IBGE.

Precaução

Até a metade do século também se prevê um crescimento expressivo nos casos de demência, cujo exemplo mais comum é a doença de Alzheimer. Segundo a organização Alzheimer’s Disea­se International, 131,5 milhões de pessoas serão atingidas pela moléstia e quase 70% dos casos devem ocorrer em países de baixa e média renda.
Se antes não se vivia tanto para se chegar a isso com tanta fre­quência, hoje cada pessoa, sabendo dos riscos, deve se precaver. “As pessoas estão vivendo muito mais e querem viver cognitivamente melhor. Indivíduos de 60 têm se preocupado muito mais com o cérebro, porque estão fisicamente muito bem. E estão buscando soluções menos medicamentosas para se cuidar”, diz Mariana. O instituto NeurAcademy, que ela fundou, é especializado na avaliação e no treinamento da performance cerebral. “Se entramos com exercícios direcionados antes ou no momento que acontece o declínio natural das funções cognitivas, no mínimo, conseguimos manter o bom funcionamento do cérebro e postergar o declínio”, explica.

Para manter o cérebro ativo também é preciso desafiar a mente com leitura, jogos e diferentes atividades

Avaliações neurocognitivas e psicológicas permitem identificar problemas com memória, atenção, velocidade de processamento, tempo de tomada de decisão, raciocínio espacial, capacidade de planejamento e habilidades motoras, entre outros itens. Elas detectam ainda se as causas desses problemas são orgânicas ou emocionais. “O estresse, a ansiedade ou um estado deprimido (nem precisa ser depressão) atingem diretamente a memória operacional de curto e longo prazo e prejudica o funcionamento da memória e da atenção.” Para cada questão encontrada são realizados vários tipos de exercícios com a ajuda da tecnologia que estimulam e melhoram – podendo até mesmo ampliar – as funções cognitivas (veja ao final da reportagem em “Em plena forma”).

Treinamento cerebral

As sessões de treinamento em academias para o cérebro são muito importantes em termos de promoção de saúde, afirma Antonio de Pádua Serafim, diretor do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq/HCFMUSP). “Porque nos permitem sair daquela concepção de tratar doença ou de só procurar ajuda quando se está esquecendo. É possível melhorar uma série de condições com os exercícios que oferecem.”

Serafim salienta que não é preciso contar com uma orientação técnica para adotar ações e experiências de aprendizado contínuo. “Qualquer um pode criar hábitos e fazer disso uma rotina. O fundamental é que entre no circuito da vida das pessoas de forma prazerosa.” Fazer as coisas com certa rigidez, obrigatoriedade e sem prazer gera ansiedade, um mecanismo de tensão que aumenta a produção de cortisol, o hormônio do estresse – e isso é mais negativo do que positivo para o cérebro. “Quanto mais lúdico e prazeroso for aprender na infância, mais facilidade e interesse a pessoa terá ao longo da vida para saber cada vez mais”, diz.

Exercícios dirigidos permitem manter ou recuperar o bom funcionamento cerebral

Mariana Assed destaca que a leitura é um dos melhores treinos de memória, pois ativa diversas áreas do cérebro. Mas é fundamental mudar constantemente o tipo de leitura – romance, policial, técnico, etc. – para estimular novas emoções e ativar conexões neurais variadas. Como o interessante para o cérebro é não cair na mesmice, fazer palavras cruzadas ou Sudoku pode ajudar, desde que procuremos sempre formatos variados desses desafios.

Envolver sentimento e os sentidos também colabora muito na construção de rotas cerebrais. Por isso, é super-recomendado dedicar um tempo ao desenvolvimento artístico. “É o caso também de quando se aprende um idioma com quem você ama, porque isso vai ser processado de uma forma muito mais marcante”, diz a neuropsicóloga.

Sentimento ao aprender

A coach Fernanda Capellini sugere que devemos sentir ao aprender, para que o aprendizado seja muito mais profundo. “Não é um simples acesso à informação: a pessoa gera um sentimento em relação àquilo e o sentir modifica biologicamente as células do corpo dela. Ela muda de dentro para fora”, afirma. Quando se aprende sentindo, há uma mudança no metabolismo, afirma Fernanda, porque ensinamos o corpo a fazer isso e a sensação é tão boa que o corpo quer mais.

workshop imersivo da australiana Samhri ensina a ser otimista para melhorar o bem-estar e a resiliência

O cérebro é um órgão do corpo que, como os outros, precisa ser exercitado. Quando ele não está exposto a novas experiências e aprendizados, as “trilhas neurais” vão se apagando e enfraquecendo suas potencialidades. Esse é o princípio da chamada neuroplasticidade ou neurogênese. Portanto, para manter a mente saudável, Pedro Calabrez enfatiza que é preciso pensar com o corpo inteiro: exercitar-nos com atividades físicas regulares, aeróbicas e de resistência, e ainda manter uma alimentação saudável. “O corpo é uma máquina, e o que você põe dentro dele vai ditar como ele irá funcionar”, diz. Em terceiro lugar, e não menos importante: dormir bem e horas suficientes. Afinal, o sono é um processo fundamental de regulação biológica do nosso corpo.

Para Calabrez, a atual sociedade veloz, instantânea e imediatista em que vivemos nos afasta da busca pelo aprendizado e pela melhoria contínua de nós mesmos. Mas o sucesso em qualquer dimensão na vida, alerta ele, depende de consistência e esforço. “Lutando todos os dias contra nossas vontades imediatas e preguiçosas é que a gente transforma o mundo. Não se sujeite ao imediatismo de uma sociedade onde tudo se resolve com um aplicativo e dois cliques. Aprenda e continue aprendendo sempre. Desafie seu cérebro a aprender coisas novas o tempo todo. Abra a mente para a diferença, converse com quem pensa diferente de você.”


A seis passos do otimismo

Gabrielle Kelly: a boa notícia é que é possível aprender a ser otimista

Manter o cérebro ativo e sempre em evolução exige não só novas experiências e ações, mas também abrir espaço para atitudes e pensamentos positivos. “Otimismo é uma capacidade crítica para o ser humano. A boa notícia é que é possível aprender a ser otimista”, afirma Gabrielle Kelly, diretora do South Australian Health and Medical Research Institute (Instituto de Pesquisa Médica e de Saúde da Austrália Meridional, ou Sahmri). O Sahmri oferece um treinamento, o Permaplus, voltado para melhorar o bem-estar e a resiliência da população. Ele acontece em empresas e organizações durante dois dias de imersão, e é reforçado com outras ações ao longo de até três anos.

O instituto avalia rotineiramente o impacto dos treinamentos e garante que já existem indicativos da conexão entre a melhora do bem-estar e a redução de faltas e de queixas de estresse dos trabalhadores, além de tempo perdido de trabalho por ferimento e má conduta. Gabrielle resumiu em seis passos as práticas essenciais para desenvolver otimismo:

• Aprenda a ficar atento a seus pensamentos, ou seja, “pense sobre seus pensamentos”

• Como seus pensamentos nem sempre serão corretos ou úteis, encontre pensamentos alternativos que façam você se sentir mais positivo ou construtivo

• Encontre coisas pelas quais seja grato no seu dia a dia (coisas boas que aconteceram, pessoas que cuidaram de você ou aspectos positivos da sua pessoa)

• Comemore suas fortalezas (as coisas em que você é bom) e crie oportunidade para usar essas habilidades

• Compartilhe e comemore as coisas boas que acontecem com as pessoas ao seu redor para criar relacionamentos mais fortes e positivos

• O otimismo realístico ajudará você a lembrar que as dificuldades enfrentadas não são permanentes


Em plena forma

Há três anos, o arquiteto brasileiro Siegbert Zanettini, então com 80 anos, começou a ficar embaraçado em reuniões de negócios, aulas e palestras por causa da dificuldade de guardar nomes, datas, horários e informações úteis para seu trabalho. “Tenho uma vida intelectual muito forte, como professor, arquiteto e palestrante. E sentia que estava perdendo a capacidade de guardar coisas simples”, afirma. Durante uma palestra, por exemplo, não lhe vinha o nome do autor que estava citando. Ou depois de uma reunião não lembrava o nome das pessoas, nem várias das questões que haviam sido discutidas. “Isso me incomodava e atrapalhava muito”, afirma.

Ao comentar sobre essas dificuldades com um amigo médico, este lhe sugeriu fazer testes neuropsicológicos e treinamentos para o cérebro. O arquiteto começou a fazer exercícios duas vezes por semana em um centro especializado em performance cerebral. Nos outros dias, praticava pelo computador as atividades indicadas. Sua recuperação foi significativa. “Não é uma questão de aumentar conhecimento, é questão de não perder a capacidade de articular conhecimento e memória”, diz.

Entre as práticas bem-sucedidas, Zanettini destaca: fazer todos os exercícios (mesmo os que parecem mais simples), registrar o máximo possível de seus encontros de trabalho (nomes, resumos do que foi discutido, andamento de projetos e obras), tomar muita água, regular a alimentação, manter os atendimentos e check-ups médicos em dia e conservar suas coisas sempre organizadas (hoje ele sabe onde está cada coisa sua).

Os horários da ginástica física e cerebral são sagrados para Zanettini. “Precisa ser um trabalho contínuo. É como fazer exercício físico, não pode parar. Quero continuar sempre. O tempo é ingrato, mas não vou me entregar.” Ele confessa que, às vezes, sua ausência faz falta na Zanettini Arquitetura. “Não tocamos um projeto que poderia cobrir alguns custos do escritório. Mas esses compromissos são tão importantes para mim quanto fazer os projetos e entregá-los no prazo.” E seu cérebro pede mais: agora Zanettini quer aprender inglês. “Porque atualmente tenho muito cliente no exterior”, explica, satisfeito.