Antes de fala sobre Belém, chanceler federal alemão já havia atraído críticas por outras declarações, incluindo acusar refugiados ucranianos de fazer “turismo social” e pintar alunos imigrantes como “pequenos paxás”.Atual chanceler federal da Alemanha, o conservador Friedrich Merz não é estranho a controvérsias em seu país. Com uma carreira política que remonta ao final dos anos 1980, Merz já atraiu no passado críticas por falas que envolveram imigrantes, refugiados, política externa e homossexuais.

Apenas em 2025, Merz, que assumiu a liderança do governo alemão em maio, esteve no centro de outras polêmicas. E, antes mesmo da sua ascensão ao poder, a imprensa alemã já costumava listar coleções de “gafes” envolvendo o político conservador, que também acumula a chefia do partido União Democrata Cristã (CDU).

Veja algumas das controvérsias envolvendo declarações de Merz:

“Contentes” por voltar à Alemanha após COP30 em Belém

Em novembro de 2025, em um discurso para empresários alemães, Friedrich Merz enalteceu a “beleza” da Alemanha ao mencionar sua breve estadia no mesmo mês em Belém, no Brasil, onde participou da COP30, em declarações que foram interpretadas como uma comparação desfavorável entre o Brasil e o país europeu.

“Senhoras e senhores, nós vivemos em um dos países mais bonitos do mundo. Perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil na semana passada: ‘Quem de vocês gostaria de ficar aqui?’ Ninguém levantou a mão. Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, na noite de sexta para sábado, especialmente daquele lugar onde estávamos.”

A fala, que foi registrada em vídeo e constou em transcrições do evento, gerou críticas de políticos do estado do Pará. O prefeito de Belém, Igor Normando (MDB), chamou a fala de Merz de “infeliz, arrogante e preconceituosa”. O governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), fez declarações semelhantes. “Um discurso preconceituoso revela mais sobre quem fala do que sobre quem é falado”, disse ele em publicação na rede X.

“Problema de paisagem urbana”

Em 14 de outubro de 2025, durante um evento oficial no estado de Brandemburgo, no leste da Alemanha, Merz atraiu controvérsia e acusações de racismo ao responder a uma pergunta sobre sua estratégia em resposta à ascensão do partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD). Na ocasião, ele apontou que os pedidos de refúgio no país haviam caído 60% em agosto em comparação com o ano anterior.

“Mas é claro que ainda temos esse problema na paisagem urbana, e é por isso que o ministro do Interior está ocupado possibilitando deportações e realizando-as em larga escala”, acrescentou, no que pareceu ser uma alusão à presença excessiva de imigrantes nas cidades.

Agravando a controvérsia, houve o fato de a frase em questão não ter aparecido posteriormente na transcrição do discurso enviada pela assessoria de imprensa do governo. Posteriormente, Merz esclareceu que se referia aos migrantes sem autorização de residência e emprego que não cumprem as leis alemãs.

Mas até mesmo colegas de partido de Merz, como o prefeito de Berlim, Kai Wegner, se distanciaram das declarações do chefe de governo alemão. Já políticos verdes, da oposição, acusaram Merz em uma carta de fazer “declarações racistas, discriminatórias, ofensivas e indecentes”. A fala também provocou protestos em várias cidades alemãs.

Apesar da controvérsia política, uma pesquisa divulgada em outubro mostrou que a maioria dos cidadãos alemães concordava com os comentários de Merz. Em levantamento encomendado pela emissora pública ZDF, 63% dos entrevistados disseram concordar com as declarações do chanceler federal, enquanto 29% disseram discordar.

Israel fez “o trabalho sujo por nós”

Em junho de 2025, Friedrich Merz, sofreu fortes críticas de membros da classe política alemão após afirmar que Israel estava fazendo o “trabalho sujo” para o Ocidente ao lançar ataques contra instalações nucleares no Irã.

“Este é o trabalho sujo que Israel faz para todos nós”, disse Merz à emissora alemã de TV ZDF.

A declaração de Merz foi rechaçada por vários políticos alemães, incluindo membros do Partido Social-Democrata (SPD), sigla que compõe o governo de coalizão. Outros políticos consideraram que o chanceler federal desconsiderou as vítimas civis do conflito e fez pouco caso do direito internacional.

Milionário, mas de “classe média”

Em novembro de 2018, quando retornou à política partidária após um hiato de quase uma década, no qual fez fortuna no setor privado, Merz foi alvo de zombaria e críticas ao afirmar que não se considerava um membro da elite. “Eu me consideraria parte da classe média alta”, disse Merz, em uma entrevista, quando à época seus bens incluíam dois aviões e diversas propriedades, segundo a imprensa alemã.

Posteriormente, ao ser criticado, Merz tentou elaborar por que no máximo se considerava “classe média alta”.

“Meus pais me ensinaram os valores que caracterizam a classe média, incluindo trabalho árduo, disciplina, decência, respeito e a consciência de que devemos retribuir à sociedade se tivermos condições financeiras para isso. Quando penso na classe alta ou na elite, penso em pessoas que herdaram dinheiro ou uma empresa e aproveitam a vida graças a isso. Esse não é o meu caso”, disse Merz, que revelou ainda que seus ganhos anuais somavam 1 milhão de euros.

À época, a fala original e a justificativa geraram artigos ácidos em jornais alemães, além de críticas de rivais políticos. Mas alguns aliados e economistas também partiram em sua defesa, argumentando que a fortuna de Merz estava bem distante da riqueza de outros políticos do exterior, como Donald Trump e Mike Bloomberg.

“Pequenos paxás”

Em janeiro de 2023, Merz, então líder da oposicionista União Democrata Cristã (CDU), afirmou em uma entrevista que a Alemanha enfrentava problemas com jovens de origem imigrantes que não se integravam à sociedade alemã ou que “não seguiam as regras” da Alemanha.

Na sequência, ele afirmou que isso era um problema que também acontecia em escolas, e argumentou que professores vinham se sentindo acuados em disciplinar alunos por temerem a reação de pais. “[Isso ocorre] especialmente quando se trata de professoras, que repreendem esses filhos, os pequenos paxás. É aí que tudo começa”, disse Merz.

O uso da expressão “paxás”, um título usado para líderes do antigo Império Otomano, para se referir a alunos de origem estrangeira, foi especialmente visto como controverso por políticos de esquerda e parte da imprensa. Neste caso, Merz defendeu suas falas e se recusou a pedir desculpas.

Refugiados fazendo “turismo de bem-estar social”

Em setembro de 2022, meses após a Rússia invadir a Ucrânia e provocar uma onda de refugiados na Europa Central, Merz, então líder da CDU, foi alvo de pesadas críticas ao acusar ucranianos em fuga de se aproveitarem do estado de bem-estar social alemão.

“O que estamos vendo é um turismo de bem-estar social por parte desses refugiados para a Alemanha, de volta à Ucrânia, para a Alemanha, de volta à Ucrânia”, disse Merz, acusando ainda ucranianos de “tirarem vantagem” do Estado alemão.

A fala provocou fortes críticas, tanto na Alemanha quanto na Ucrânia, e Merz acabou pedindo desculpas. “Lamento ter usado a expressão ‘turismo de bem-estar social’. Foi uma descrição imprecisa de um problema observado em casos individuais”, afirmou Merz.

Acusado de associar gays e pedofilia

Em 2020, quando disputava a liderança da CDU, Merz foi acusado de associar homossexualidade com pedofilia em declarações feitas em uma entrevista. Inicialmente, quando questionado se via como problemático que um homem homossexual pudesse se tonar chanceler federal, Merz respondeu que “não” e que seria uma situação “completamente normal”. No entanto, em seguida, Merz provocou controvérsia com comentários adicionais.

“Eu diria que a questão da orientação sexual não é da conta do público. Desde que esteja dentro dos limites da lei e não afete crianças – nesse ponto, para mim, há um limite absoluto –, não é um assunto para discussão pública”, disse Merz.

Os comentários atraíram críticas até mesmo de membros da conservadora CDU, incluindo o então ministro da Saúde Jens Spahn, que era assumidamente gay. Já o político social-democrata Kevin Kühnert afirmou que as declarações de Merz mostravam que Merz não aceitava “a normalização da homossexualidade”.

Um porta-voz de Merz reagiu afirmando que as falas haviam sido interpretadas de maneira “maliciosa” e “falsa”. Posteriormente, Merz também defendeu suas declarações, afirmando que a conexão entre pedofilia e homossexualidade “não aparecia em suas falas”. Mas, uma reportagem da revista Der Spiegel publicada à época, apontou que Merz não explicou por que passou para o tema da pedofilia na sequência da pergunta sobre um possível chanceler homossexual.

Quase duas décadas antes, Merz já havia feito uma declaração controversa envolvendo o social-democrata Klaus Wowereit, então prefeito de Berlim e que ganhou notoriedade no início dos anos 2000 ao quebrar tabus políticos e se assumir publicamente homossexual.

Em 2001, quando questionado em uma entrevista à revista Bunte sobre a decisão de Wowereit de assumir publicamente sua sexualidade, Merz respondeu: “Desde que ele não se aproxime de mim, eu não ligo”. Em 2020, em meio à controvérsia sobre a fala sobre gays e pedofilia, vários veículos da imprensa alemã resgataram a antiga declaração sobre Wowereit.