09/01/2024 - 11:21
Com o aquecimento global, inundações são cada vez mais frequentes e podem devastar cidades e campos. Elas são um fenômeno natural com um lado benéfico, mas cujo efeito destrutivo é potencializado pela ação humana.As imagens de casas e plantações alagadas, cada vez mais frequentes, tornam difícil acreditar que haja algo benéfico em enchentes. De fato, na União Europeia, entre os anos de 1980 e 2022, os maiores prejuízos, entre os eventos climáticos extremos, foram causados por inundações. Ainda assim, as consequências delas para o meio ambiente nem sempre são negativas.
Na verdade, muitos ecossistemas dependem da elevação sazonal das águas para a ocorrência de processos ecológicos naturais, como a distribuição de nutrientes pelo solo, explica o diretor do Programa Global para a Água da União Internacional para Conservação da Natureza, James Dalton.
“Os sistemas fluviais são úteis para um suprimento constante no fluxo de nutrientes que enriquece os ecossistemas mais abaixo no sistema fluvial, mas também flui para estuários e deltas, que são as partes biologicamente mais produtivas do mundo. Precisamos de enchentes, porque elas liberam sedimentos e nutrientes e também certas espécies, que são extremamente importantes.”
Ao recuar, as águas das enchentes deixam para trás sedimentos e nutrientes que fornecem um fertilizante rico e natural, melhorando a qualidade do solo e estimulando o crescimento vegetal.
O solo fértil é, aliás, um dos motivos por que muitas cidades surgiram e cresceram ao redor de rios. Além de fornecer a tão necessária água e de ser um meio de transporte de mercadorias, os rios, quando transbordam, também fornecem nutrientes que enriquecem o solo para a agricultura.
As enchentes também são úteis para reabastecer os reservatórios de água subterrânea. Embora o processo ocorra naturalmente em algumas regiões, na Califórnia, por exemplo, os órgãos reguladores estão planejando desviar o excesso de águas das enchentes para ajudar a reabastecer os reservatórios subterrâneos naturais e assim armazenar água para os períodos de seca.
Um problema para a vida selvagem
Mas, para além da ordem natural das coisas, num mundo onde as temperaturas globais continuam subindo, causando padrões pluviais mais intensos e chuvas muitas vezes imprevisíveis em algumas regiões do mundo, os impactos não são tão benéficos.
“Estamos vendo as enchentes se tornarem mais destrutivas, durarem mais e terem um impacto mais rápido devido às mudanças nas chuvas”, explica Dalton. “E isso está tendo um impacto sobre a biodiversidade.”
Um dos impactos mais óbvios das enchentes sobre a vida selvagem é que algumas espécies não conseguem fugir da elevação das águas com a rapidez necessária. Em 2012, por exemplo, centenas de animais, incluindo rinocerontes-indianos, uma espécie ameaçada de extinção, morreram quando o Parque Nacional de Kaziranga, na Índia, foi atingido por graves inundações.
E mesmo quando os animais conseguem escapar, as enchentes podem destruir seus habitats e locais de reprodução. As plantas também podem ser afetadas pelas águas das enchentes quando estas contêm pesticidas agrícolas, produtos químicos industriais ou esgoto. Se os animais comem plantas contaminadas, ingerem toxinas e impurezas que também entrarão na cadeia alimentar.
Quando a enchente causa erosão
E nem sempre as enchentes são benéficas para o solo. Correntezas fortes costumam deixar um rastro de destruição, podendo levar consigo uma camada de 5 a 10 centímetros de espessura de terra rica em nutrientes.
“Numa inundação, o solo pode simplesmente ser levado embora, e nada sobra, a camada mais preciosa se foi. Ele não pode ser reconstituído por humanos e é a base da produção de alimentos”, diz o consultor de agricultura sustentável Michael Berger, do WWF da Alemanha.
A erosão do solo também destrói habitats e paisagens. Na condição de habitat mais rico em espécies do mundo, o solo é essencial para preservar a biodiversidade. De acordo com um relatório publicado pela Fundação Heinrich Böll, ligada ao Partido Verde da Alemanha, a terra saudável pode armazenar mais dióxido de carbono do que as florestas.
Além disso, a erosão do solo também impede que a terra absorva água quando há grandes inundações, agravando o problema. “Precisamos de solos saudáveis para nos adaptarmos à crise climática. Eles podem armazenar até 3.750 toneladas de água por hectare e liberá-la novamente conforme necessário”, explica a diretora da Fundação Heinrich Böll, Imme Scholz.
Limitar os impactos
Mas há como limitar os impactos das inundações, que costumam ser piores do que deveriam devido à presença de construções no caminho das torrentes ou nas planícies de inundação.
A falta de moradias a preços acessíveis em cidades de todo o mundo resulta em cada vez mais construções, autorizadas ou não, em planícies aluviais. Ou seja: residências estão sendo erguidas em locais potencialmente perigosos.
“Reconstituir como os rios funcionam, retornar à forma como deveriam estar serpenteando e se conectando, direcioná-los às suas planícies aluviais, ligar as águas subterrâneas às águas superficiais: tudo isso é importante porque essa é a rede que permite o fluxo de água”, observa Dalton.
A diversificação da agricultura, deixando de lado os métodos industriais para passar a usar práticas como a agrofloresta, que integra árvores à agricultura, também pode minimizar os impactos das enchentes. “Isso pode diminuir a velocidade da água quando houver uma inundação. E quanto mais lenta for a água, menor será a erosão”, explica Berger.
“Nós, como seres humanos diante das mudanças climáticas, com todos os seus eventos de inundação ou seca, deveríamos definitivamente optar por soluções baseadas na natureza em vez de aplicar concreto por toda parte e acreditar que podemos resolver tudo com nossa tecnologia”, adverte o consultor da WWF.