01/05/2009 - 0:00
O presidente norte-americano, Barack Obama, tem mostrado, por palavras e atos, que vai dar à questão ambiental um tratamento muito diferente do dispensado por seu antecessor, George W. Bush. O mundo agradece, apreensivo. Se as medidas antipoluição propostas pelos EUA e outros grandes poluidores demorarem a surtir efeito, os cenários desenhados em relatório do Grupo de Trabalho II do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da ONU – responsável por avaliar a vulnerabilidade dos sistemas socioeconômicos e naturais perante as mudanças climáticas e as possibilidades de adaptação a elas – tenderão a, lamentavelmente, tornar-se realidade. Confira a seguir os prognósticos feitos para cada região do mundo.
Redução na pesca (acima) e escassez ainda maior de água vão marcar o cenário africano.
As alterações climáticas devem expor, até 2020, entre 75 milhões e 250 milhões de africanos a uma escassez maior de água. Um aumento da demanda pelo líquido teria graves reflexos em termos de subsistência para a população. A agricultura será duramente afetada. Deverá ocorrer uma diminuição da área adequada para plantio e da duração das épocas de cultivo, o que reduzirá o potencial de produção, em especial nas margens das regiões áridas e semiáridas. Em certos países, a queda na produção agrícola irrigada pela chuva poderá chegar a 50% até 2020. Tudo isso pioraria a precariedade da segurança alimentar e da qualidade de nutrição entre os africanos – um quadro agravado pela redução, devido ao calor, dos recursos pesqueiros dos grandes lagos do continente, já ameaçados pela pesca excessiva. No fim do século, a elevação do nível do mar terá impacto nas regiões litorâneas de baixa altitude e com grandes contingentes populacionais. Os cientistas do IPCC estimam que a adaptação custará entre 5% e 10% do Produto Interno Bruto (PIB) dos países afetados. As alterações nas águas do mar deverão aumentar a degradação de mangues e corais, acarretando consequências negativas para a pesca e o turismo.
Inundações deverão levar transtornos às regiões sul, sudeste e leste da Ásia
O derretimento das geleiras do Himalaia provavelmente aumentará o número de inundações e avalanches (pedras anteriormente presas pelo gelo ficarão desestabilizadas) entre 20 e 30 anos. Essas geleiras abastecem diversas bacias hidrográficas, que deverão apresentar fluxos reduzidos conforme o gelo for diminuindo. As reduções provavelmente afetarão mais acentuadamente as bacias fluviais do centro, sul, sudeste e leste do continente. O incremento populacional e o esforço pela obtenção de melhores padrões de vida poderão levar mais de 1 bilhão de pessoas a enfrentarem problemas ligados à escassez de água até 2050. Inundações causadas pela elevação do nível do mar deverão afetar as áreas litorâneas, em especial as densamente povoadas que ocupam grandes deltas de rios (como Indo, Ganges, Mekong e Yangtsé). Estas últimas também poderão sofrer com eventuais avanços dos rios. Inundações e secas no sul, sudeste e leste deverão incrementar os índices de morbidade e mortalidade endêmicas ligados à diarreia. Outro problema sério de saúde no sul tenderá a ser a cólera, graças à elevação da temperatura da água. Até 2050, a agricultura asiática deverá mostrar mudanças substanciais. As safras poderiam crescer até 20% no Leste e Sudeste, mas cairiam até 30% no Centro e no Sul. Como se prevê que essas regiões continuarão a passar por processos acelerados de aumento populacional e urbanização, há riscos consideráveis de fome em vários países.
Na Austrália, as secas tenderão a aumentar
Massa continental mais seca do mundo, a Austrália terá problemas adicionais nesse aspecto até 2030, em especial nas regiões sul e leste (as mais populosas), em virtude da redução das chuvas e do aumento da evaporação. O extremo norte e áreas do leste da Nova Zelândia deverão passar por situação semelhante. Chuvas mais escassas e o aumento de incêndios deverão prejudicar ao longo das próximas décadas as safras produzidas no leste e na maior parte do sul da Austrália e em áreas do leste da Nova Zelândia. Este país, porém, poderá se beneficiar inicialmente com as mudanças climáticas: as regiões ocidental e meridional e as áreas próximas aos maiores rios passarão por épocas de plantio mais longas, mais chuvas e menos geadas. Espera-se até 2020 uma considerável redução da biodiversidade em redutos de grande fartura ecológica, como a Grande Barreira de Corais, o sudoeste da Austrália, o Parque Nacional de Kakadu (na região norte do país), as áreas alpinas e as ilhas subantárticas australianas e neozelandesas. Países cuja população está espalhada sobretudo pelo litoral, Austrália e Nova Zelândia correrão, até 2050, riscos significativos com a elevação do nível do mar e a multiplicação de tempestades mais violentas na costa.
Os europeus irão conviver com riscos maiores de inundações em áreas costeiras
Os cenários previstos são preocupantes. Tempestades mais frequentes e o aumento do nível do mar deverão aumentar os riscos de inundações em áreas costeiras e a erosão. Com a redução das geleiras e da cobertura de neve, as regiões montanhosas tenderão a sofrer grande perda de biodiversidade (se as emissões de CO2 persistirem altas até 2080, ela poderá chegar a 60% até 2080), com prejuízos para o turismo de inverno. A maior parte dos organismos e ecossistemas europeus terá dificuldade em adaptar-se às novas condições. As diferenças regionais em termos de recursos naturais deverão crescer. O sul será bem prejudicado, pois a tendência é de piora da seca e de redução da disponibilidade de água. Com isso, haverá queda na produção agrícola, no potencial de geração hidrelétrica e no turismo de verão. As ondas de calor e o número maior de incêndios florestais deverão multiplicar os problemas de saúde. O índice pluviométrico deverá cair nas regiões central e oriental, com reflexos negativos no abastecimento de água. As florestas tenderão a passar por um aumento no número de incêndios e uma queda em sua produtividade. Temperaturas mais altas permitirão uma produção agrícola maior no norte europeu, assim como o crescimento das florestas. Mas, com o passar do tempo, também se preveem inundações mais frequentes no inverno, aumento da instabilidade do solo e ameaças aos ecossistemas locais. No fim, os efeitos negativos deverão superar os positivos.
A floresta amazônica será uma das grandes prejudicadas com a elevação das temperaturas e as consequentes reduções do volume de água no solo. Nas regiões semiáridas, a flora local dará lugar a vegetais típicos de zonas secas. As terras situadas nos trópicos correrão riscos consideráveis de perda de biodiversidade. A agricultura e a pecuária também tenderão a sofrer prejuízos com as mudanças climáticas, o que tornará mais frágil a segurança alimentar do continente. Mas a soja poderá avançar em zonas de clima mais temperado. O derretimento e o desaparecimento de geleiras, além de mudanças nos índices pluviométricos, deverão afetar consideravelmente a disponibilidade de água para consumo humano, agricultura e geração de energia. Já a elevação do nível do mar trará riscos mais acentuados de inundações em áreas mais baixas e de prejuízos à saúde dos recifes de corais, o que poderá resultar em alterações da localização dos estoques de peixes do sudeste do Pacífico.
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As novas condições do clima favorecerão a ocorrência de incêndios no Norte do Brasil
No Norte, as temperaturas mais quentes levarão a robusta cobertura vegetal do leste da Amazônia a dar lugar a savanas; uma elevação de pelo menos 4ºC poderá matar cerca de 85% das matas. As mudanças incluem ainda aumento de eventos extremos de chuvas e secas no Norte, Centro-Oeste e Sudeste, condições mais favoráveis a incêndios, perdas nos ecossistemas e na biodiversidade (especialmente na Amazônia, no Pantanal e no Cerrado). As ondas de calor e as elevadas taxas de evaporação no Centro-Oeste e no Sudeste poderão prejudicar a agricultura, a geração de energia e a saúde. No Sul, os principais problemas serão as chuvas, em frequência e intensidade maiores, e as elevadas temperaturas, com reflexos na saúde da população e na sobrevivência das araucárias. No Nordeste, prevê-se a progressiva desertificação do semiárido, prejudicando a agricultura e induzindo a população a migrar para cidades. A elevação do nível do mar ameaçará mais as regiões Nordeste e Sudeste.
As temperaturas mais elevadas se refletirão, como no Ártico, na diminuição da espessura e da área das geleiras e da calota polar. Ecossistemas e hábitats específicos estarão vulneráveis à invasão de espécies antes barradas pelo frio. Segundo estudos recentes, a calota polar na parte ocidental da Antártida pode entrar num processo irreversível de derretimento neste século, caso as concentrações de CO2 continuem a crescer como previsto e a temperatura no mar subir 5 graus centígrados. Esse cenário representaria uma elevação de 5 metros no nível dos oceanos.
O degelo prejudicará ecossistemas no Ártico
O degelo prejudicará ecossistemas na Antártida
A espessura e a extensão de geleiras e da calota polar serão reduzidas, assim como o gelo marinho e o permafrost (área na qual o solo e o subsolo estão permanentemente congelados). Deverá haver ainda um aumento da erosão nos litorais e da profundidade do derretimento do permafrost. Com isso, ecossistemas naturais serão prejudicados. Os seres mais afetados, tanto no Ártico como na Antártida, serão os pássaros migratórios, os mamíferos e, particularmente, os predadores situados em posições mais altas na cadeia alimentar. As mudanças climáticas deverão trazer benefícios e malefícios para as comunidades humanas dessas regiões. As formas de vida tradicionais dos indígenas e a infraestrutura local, por exemplo, seriam afetadas de maneira negativa. Já a abertura de rotas de navegação e a queda nos custos de aquecimento representariam vantagens.
Em qualquer latitude, as pequenas ilhas deverão ser as porções de terra mais vulneráveis ao aquecimento global. A elevação do nível do mar e o aumento de eventos climáticos extremos, como tempestades e furacões, tenderão a castigar as áreas litorâneas, erodindo praias, branqueando corais e prejudicando fazendas de pescado. Temperaturas mais altas favorecerão invasões de espécies animais exóticas. A infraestrutura local também poderá ser afetada severamente, com efeitos muito danosos para o turismo. Em geral com recursos hídricos limitados, essas ilhas correrão o risco de ter uma demanda de água superior à oferta durante os períodos mais secos. De modo geral, a subsistência ficará bem mais difícil.
A elevação da temperatura deverá diminuir a cobertura de neve nas cadeias montanhosas do oeste, além de favorecer a ocorrência de inundações no inverno. A escassez de água se agravará em regiões que já a consomem excessivamente, como a Califórnia, e haverá risco de competição por esse líquido. As florestas poderão ser assoladas por pragas e pelo fogo; o período de risco de incêndios será mais longo e as áreas queimadas tenderão a ser ampliadas. A agricultura seria, em princípio, favorecida por uma mudança moderada no clima. A produtividade das culturas irrigadas pela chuva cresceria entre 5% e 20% no geral, mas os resultados seriam bem variados nas diversas regiões. Os cultivos cuja temperatura local já se aproxima de seu limite máximo de calor e os que dependem do uso intensivo de irrigação deverão passar por grandes desafios. O número, a intensidade e a duração das ondas de calor em centros urbanos deverão subir durante o século, com reflexos negativos para a saúde, especialmente para a população de terceira idade. As regiões litorâneas, nas quais se espera aumento populacional, infraestrutura cada vez mais onerosa e índices de poluição crescentes, terão sua vulnerabilidade ampliada com eventos extremos, em especial o aumento no número de tempestades tropicais.