01/02/2008 - 0:00
Em 1988, o polonês Jan Grzebski foi atropelado por um trem e entrou em coma. Os médicos lhe deram três anos de vida, mas, para espanto geral, ele foi muito além disso e saiu do coma no início de junho. A volta à consciência representou para Grzebski, hoje com 65 Outra hipótese afirma que a informação inacessível é bloqueada por razões estratégicas. Estudos mostraram que os melhores propagandistas são aqueles que acreditam em suas próprias mentiras, assegurando-se de que não podem deixá-las perceptíveis por meio de contradições ou contrações nervosas. Portanto, é possível programar o cérebro para ocultar dados comprometedores dos processos conscientes responsáveis pelas relações com outras pessoas.anos, uma experiência que lembra o filme Adeus, Lênin. Antes comunista, a Polônia agora é membro da Otan e da União Européia. Em 1988, o consumo de carne no país era racionado e havia filas enormes para abastecer os carros. “Agora, vejo pessoas nas ruas com celulares e há tantas coisas boas nas lojas que fico tonto”, disse Grzebski à TV polonesa.
Para completar a revolução em sua vida, os quatro filhos se casaram durante seu coma e já lhe deram 11 netos.
Casos como o de Grzebski põem cada vez mais em destaque um tema que há muito tempo intriga os cientistas: a consciência. Ligada a tópicos variados, como memória, percepção, sono, aprendizagem e lingüística, ela é um objeto de estudo para lá de complexo. Mas há avanços nessa área, graças especialmente às modernas técnicas de neuroimagem usadas em exames feitos em pacientes em estado de consciência mínima, coma ou estado vegetativo.
Duas perguntas centrais precisam ser respondidas para esse estudo deslanchar de vez, avalia Steven Pinker, professor de psicologia da Universidade Harvard (EUA), no artigo “The Mystery of Consciousness”, recémpublicado na revista norte-americana Time. A primeira delas: qual é a diferença entre os pensamentos conscientes e os inconscientes? Podemos garantir, por exemplo, que os planos para o próximo fim de semana são conscientes, conduzem nosso comportamento. Mas outras informações que circulam no cérebro, como os batimentos cardíacos, não passam pelos circuitos ligados ao raciocínio.
OS CIENTISTAS consideram essa pergunta mais fácil porque já têm uma noção – bem mecanicista, vale dizer – de onde procurar a resposta. As pesquisas na área indicam essa tendência. Exemplo: diversos estudiosos concluíram que a consciência nada mais é do que a atividade fisiológica nos tecidos do cérebro. Eles se baseiam em evidências de que todos os aspectos da consciência podem ser relacionados ao cérebro – a ressonância magnética funcional (fMRI) quase permite “ler” o que alguém está pensando. E já existem vários indícios de que a ação de um fator externo sobre a atividade fisiológica altera fortemente a forma como a pessoa pensa, sente, vê ou ouve.
Estímulos elétricos no cérebro durante cirurgias, por exemplo, podem levar o paciente a ter alucinações indistinguíveis da realidade, e substâncias como cafeína, anfetaminas ou drogas modificam bastante a percepção de seus usuários. Operações que separam os dois hemisférios cerebrais, feitas para tratar a epilepsia, põem à mostra duas consciências no mesmo corpo. Na mesma linha, muitos cientistas afirmam que a intuição de que temos um “eu” no comando do cérebro é ilusória. Para eles, a consciência é só um turbilhão de eventos espalhados pelo cérebro, todos clamando por atenção. Ao racionalizar o resultado dessa algaravia, o cérebro dá a impressão de que um “eu” controla tudo isso.
Por que então existiria a consciência? Uma hipótese dos mecanicistas é a sobrecarga de informação: os circuitos de decisão no cérebro não receberiam todos os dados disponíveis, mas apenas resumos constantemente atualizados sobre o que é mais importante para compreender o mundo e dar os próximos passos. O psicólogo Bernard Baars compara essa situação a um quadro-negro no qual os processos cerebrais escrevem seus resultados e controlam os resultados dos outros.
COMO A CONSCIÊNCIA funciona em meio a uma infinidade de informações disponíveis, os cientistas têm mapeado o cérebro para estudá-la, observando quais partes são ativadas enquanto ela salta de uma experiência para outra. Em uma das técnicas usadas nessa pesquisa, a competição binocular, são apresentadas listras verticais ao olho esquerdo e horizontais ao direito. Como os olhos lutam pela atenção da consciência, o indivíduo vê faixas verticais por alguns segundos, horizontais por outro tanto, e assim por diante.
Os neurocientistas também descobriram uma relação entre a consciência e determinadas freqüências de oscilação observadas no eletroencefalograma – as ondas cerebrais. Em certos estados, quando ficam mais regulares, maiores e vagarosas, elas indicam estado de coma, anestesia ou um sonho sem sonhos. Elas podem ligar a mesma atividade em regiões mais amplas (por exemplo, uma para forma, outra para cor, uma terceira para movimento) de modo a formar uma experiência consciente coerente, tal qual transmissores e receptores de rádio sintonizados na mesma freqüência. Na competição binocular, por exemplo, os neurônios conectados ao olho que está “ganhando” oscilam sincronicamente, o que não ocorre com os demais.
OS AVANÇOS mecanicistas do estudo da consciência são indiscutíveis, mas ainda estão a anos-luz de fornecer pistas sobre a segunda questão citada por Pinker: como a experiência subjetiva aparece em meio a nossos circuitos cerebrais? Como uma pessoa vai além de reconhecer que está ouvindo a Nona Sinfonia de Beethoven e se delicia (ou se irrita, ou mostra enfado) com ela?
Muitos estudiosos, como o filósofo Daniel Dennett, preferem até ignorar esse problema, porque para eles tudo se resume a informações processadas no cérebro. Outros acreditam que o problema existe, e a partir do mapeamento do cérebro será possível desvendá- lo. Mas nossas próprias experiências interiores sugerem que não é exatamente isso o que ocorre, e boa parte dos cientistas acredita que explicar tudo pela fisiologia pura é um reducionismo inaceitável. Na linguagem da informática, é como dizer que os últimos progressos na área foram todos obtidos em termos de máquina, de hardware. Já entender o funcionamento dos programas, dos softwares, é uma meta longínqua – e talvez, como afirmam alguns neurocientistas não-mecanicistas, além de nossa limitada capacidade cerebral.
O potencial das neuroimagens
Uma amostra do papel relevante das técnicas de neuroimagem foi o estudo conduzido pela equipe do neurocientista Adrian Owen, da Universidade de Cambridge (Grã-Bretanha), publicado pela revista Science. Eles usaram a ressonância magnética funcional (fMRI) para avaliar o cérebro de uma jovem lesionado cinco meses antes por um acidente de trânsito. Clinicamente, o estado da moça era vegetativo, mas os exames revelaram que, durante a enunciação de frases,seu cérebro desenvolvia atividades parecidas com as dos voluntários saudáveis do grupo de controle.
Era um indício de que a jovem, mesmo em estado vegetativo, ainda possuía capacidade de processar a língua.
Owen e sua equipe começaram a passar à moça instruções verbais sobre certos procedimentos, como jogar tênis e passear pelos cômodos de sua casa. Mais uma vez, as atividades cerebrais da jovem e do grupo de controle foram parecidas. Para os cientistas, isso evidencia que mesmo no estado vegetativo há um grau de consciência suficiente para seguir as instruções dadas – o que abre a possibilidade de novos tratamentos para casos desse gênero.