Quando foi anunciado que a Coca-Cola seria uma das principais patrocinadoras da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, a COP27, ativistas imediatamente acusaram a empresa de “lavagem verde”.

“Isso é puro e simples greenwashing da Coca-Cola, enquanto ela enche o oceano de plástico e emite enormes quantidades de CO2 na produção de embalagens plásticas”, critica Amy Slack, diretora de campanhas e políticas da organização Surfers Against Sewage, com sede no Reino Unido.

De acordo com os ativistas do movimento global Break Free from Plastics, a Coca-Cola produz anualmente cerca de 120 bilhões de garrafas plásticas. Cerca de 99% são produzidas a partir de combustíveis fósseis, o que contribui para as mudanças climáticas e alimenta a expansão do uso do petróleo na indústria, na contramão da transição para energia limpa, explica o Greenpeace.

Apesar da promessa da Coca-Cola de reduzir em 25% suas emissões até 2030, a maioria de suas embalagens não é reciclada. A Surfers Against Sewage registra que 20% dos resíduos de embalagens coletados em todo o Reino Unido carregam a marca Coca-Cola.

Com tão pouco dos 400 milhões de toneladas de resíduos plásticos gerados anualmente sendo reciclado, a Coca-Cola é a ponta do iceberg de um problema muito mais amplo, afirma o Fórum Econômico Mundial. Nos EUA, por exemplo, apenas cerca de 5% dos resíduos plásticos são reciclados, observou o Greenpeace num relatório divulgado no fim de outubro sobre o “mito tóxico e fracassado da reciclagem de plástico.”

Adeus a “reutilizar, reciclar e compostar”

Enquanto os resíduos plásticos se multiplicam, as empresas que os produzem afirmam há tempos que suas embalagens em breve serão amplamente recicláveis ou biodegradáveis.

Reagindo ao furor sobre o patrocínio da COP27, a Coca-Cola declarou compartilha o “objetivo de eliminar os resíduos do oceano”, planejando, até 2030, “coletar e reciclar uma garrafa ou lata para cada uma que for vendida”.

“Nosso apoio à COP27 está alinhado à nossa meta cientificamente fundamentada de reduzir as emissões absolutas de CO2 em 25% até 2030, e à nossa ambição de emissões líquidas zero até 2050”, prossegue o comunicado.

Os ativistas, contudo, questionam todo o conceito da reciclagem. “Empresas como Coca-Cola, PepsiCo, Nestlé e Unilever têm há décadas trabalhado em diversas frentes para promover a reciclagem como a solução para o resíduo plástico”, relata Lisa Ramsden, do Greenpeace EUA. “Mas os dados são claros: praticamente a maior parte do plástico não é reciclável.”

Contudo, Coca-Cola, PepsiCo e Unilever estão entre as mais de 80 empresas signatárias do Compromisso Global da Nova Economia do Plástico, que visa eliminar o resíduo de plástico ou torná-lo parte de uma economia circular sustentável.

Lançado em 2018 pela Fundação Ellen MacArthur – instituição sediada nos EUA comprometida com a criação de uma economia circular – e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o principal objetivo do compromisso é que os signatários vendam apenas embalagens reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis até 2025.

Entretanto, um relatório de progresso publicado na última quarta-feira (02/11) já adiantou que a meta não será cumprida.

Sem caminho viável para o futuro

O fracasso em atingir a meta principal é generalizado entre os signatários, que representam mais de 20% do mercado global de embalagens plásticas, afirma Sander Defruyt, líder da iniciativa New Plastics Economy, que cogerencia o Compromisso Global.

“Falta um caminho viável para o futuro”, lamenta Defruyt, referindo-se sobretudo à dependência contínua de embalagens flexíveis usadas em snacks, doces e produtos de higiene pessoal. O problema é “a falta de consenso mundial” para encontrar alternativas.

Cerca de 16% das embalagens dos membros signatários do Compromisso Global são invólucros flexíveis “supereficientes” na conservação de mercadorias, mas que permanecem não recicláveis em grande escala, explica Defruyt.

De todas as embalagens plásticas, 40% são flexíveis, como pacotes de salgadinhos ou sachês de xampu descartáveis. “É incrivelmente difícil dar conta disso”, acrescenta Defruyt.

As taxas de reciclagem atingem um pico de cerca de 30% em poucos países da Europa Ocidental. Embora a proibição de plásticos de uso único na União Europeia vá limitar o volume de alguns tipos de invólucros, será difícil proibir os flexíveis “porque são muito difundidos”.

Mesmo que o relatório de progresso do Compromisso Global de 2022 tenha boas notícias, com a participação de conteúdo reciclado pós-consumo subindo de 4,8% em 2018 para 10% em 2021, o uso de plástico virgem aumentou em 2021 após dois anos de declínio.

O aumento indica uma demanda vertiginosa por produtos cujas embalagens plásticas não podem ser recicladas com rapidez suficiente. “Isso reforça a necessidade de as empresas dissociarem o crescimento do uso de embalagens plásticas”, adverte o relatório de progresso do Compromisso Global.

A reciclabilidade e a compostabilidade podem ajudar a criar uma economia mais circular para os resíduos, mas conter o crescimento do uso do plástico exigirá uma “reavaliação fundamental” de como os produtos são vendidos e embalados.

Um relatório de junho da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) projeta que o uso e os resíduos globais de plástico quase triplicarão até 2060. Mesmo que a reciclagem aumente nesse período, a poluição plástica global ainda deve dobrar.

Reciclagem não é solução

“Não vamos sair desse caos reciclando. Precisamos de uma mudança holística do sistema”, urge Inger Andersen, diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Lisa Ramsden observa que as taxas de reciclagem estão “caindo drasticamente” nos Estados Unidos, em parte porque a China parou de aceitar resíduos plásticos americanos em 2019 – o que corresponde a cerca de 7 milhões de toneladas por ano.

Está sendo produzido tanto plástico que é “impossível coletar”. As centenas de bilhões de garrafas plásticas PET produzidas anualmente são teoricamente recicláveis, mas separar o PET de resíduos plásticos diversos – e muitas vezes contaminados – não é economicamente viável. “A solução real é mudar para sistemas de reutilização e recarga”, afirma Ramsden.

Mas, embora a Coca-Cola tenha se comprometido a reutilizar 25% das garrafas plásticas até 2030 – um programa na América Latina já alcançou 16% de reutilização –, Ramsden teme que o avanço seja neutralizado por um aumento maciço da produção de garrafas não reutilizáveis.

Um acordo jurídico global

A resposta final, segundo Ramsden, pode estar no Tratado Global para Acabar com a Poluição Plástica, um acordo jurídico internacional que deve ser negociado em novembro, após a COP27.

Aprovado por grandes poluidores como Coca-Cola, Nestlé e Pepsico, o tratado visa consagrar um regime global de regulamentações e metas de redução de plástico, com potencial de reverter a maré e se tornar “um momento-chave na luta contra o resíduo plástico”, acrescenta Ramsden.

Para DeFruyt, se o princípio da “responsabilidade estendida do produtor” puder ser consagrado no tratado, as empresas poluidoras deverão ficar obrigadas a financiar e implementar programas de reciclagem ou reutilização.