26/10/2025 - 19:12
China vê estes minerais como “recurso estratégico” e domina a cadeia de suprimentos há duas décadas. Oferta de outros países esbarra em baixa capacidade de processamento e refino.O conflito comercial reacendido entre os EUA e a China colocou novamente no centro das atenções o grupo de metais conhecidos como elementos de terras raras, onipresentes nas tecnologias modernas, de smartphones a aviões de combate.
A China domina todas as etapas da cadeia de suprimento de terras raras, controlando quase 70% da mineração global e produzindo até 90% dos elementos processados no mundo.
Um relatório publicado esta semana pela Agência Internacional de Energia (AIE) destacou que essa “alta concentração de mercado” deixaria as cadeias de suprimento globais em setores estratégicos, como energia, automotivo, defesa e centros de dados de IA, “vulneráveis a possíveis interrupções”.
No início deste mês, Pequim endureceu o controle sobre o fornecimento de terras raras. A partir de 1º de dezembro, empresas estrangeiras em qualquer lugar do mundo precisarão da aprovação do governo chinês para exportar produtos que contenham mesmo pequenas quantidades dos minerais críticos que tenham origem na China ou que tenham sido produzidos usando tecnologia chinesa.
A medida foi uma resposta à expansão, pelos EUA, da lista de empresas chinesas impedidas de acessar chips semicondutores americanos de última geração e outras tecnologias.
A decisão da China levantou preocupações sobre possível escassez de suprimentos que poderiam afetar a produção de outros produtos, como veículos elétricos, equipamentos de defesa e sistemas de energia renovável.
O Representante de Comércio dos EUA, Jamieson Greer, criticou as novas medidas de Pequim como “incrivelmente agressivas” e “desproporcionais”, enquanto o chefe de comércio da União Europeia, Maros Sefcovic, as chamou de “injustificadas e prejudiciais”.
Em retaliação, os EUA impuseram novas tarifas de 100% contra produtos chineses. Neste domingo (26/10), porém, os dois países discutiram a estrutura de um acordo comercial para pausar tanto as tarifas extras americanas e quanto os controles de exportação chineses de terras raras. Os termos serão posteriormente negociados em um possível encontro entre o presidente americano Donald Trump e o chinês Xi Jinping.
Por que as terras raras são tão importantes?
Os elementos de terras raras se tornaram parte essencial da vida moderna devido às suas propriedades físicas, magnéticas e químicas únicas. Eles são fundamentais para a produção de ímãs que mantêm suas propriedades magnéticas indefinidamente sem necessidade de energia externa.
Esses metais são ingredientes essenciais em todos os tipos de produtos de alta tecnologia, incluindo smartphones, laptops, carros híbridos, turbinas eólicas e células solares, entre outros.
Também possuem aplicações importantes na defesa, como motores de caças a jato, sistemas de orientação de mísseis, defesa antimísseis, satélites espaciais e sistemas de comunicação.
Apesar do nome, as terras raras são abundantes na crosta terrestre, algumas até mais comuns que substâncias como cobre, chumbo, ouro e platina.
No entanto, raramente são encontradas em concentrações altas o suficiente para serem extraídas economicamente. Além da China, depósitos de metais de terras raras podem ser encontrados em países como Canadá, Austrália, EUA, Brasil, Índia, África do Sul e Rússia.
Os elementos estratégicos são tipicamente divididas em duas categorias conforme o processo de separação. A China tem quase um monopólio sobre o processamento da categoria de terras raras pesadas.
De acordo com a Benchmark Mineral Intelligence, empresa britânica de pesquisa e precificação de minerais para transição energética, empresas chinesas respondem por até 99% do processamento global de terras raras pesadas.
Uso estratégico dos minerais críticos
Os Estados Unidos já foram autossuficientes em terras raras, mas nas últimas duas décadas a China passou a dominar sua produção. O controle do país asiático sobre esses materiais estratégicos se tornou evidente há uma década.
Muitos suspeitavam que Pequim poderia usar isso como uma moeda de troca em disputas geopolíticas. Em 2010, por exemplo, a China interrompeu as exportações de terras raras para o Japão devido a um conflito territorial.
No auge da disputa comercial EUA-China em 2019, durante o primeiro governo de Donald Trump, a mídia estatal chinesa sugeriu que as exportações de terras raras para os EUA poderiam ser cortadas em resposta às medidas americanas.
Na época, Xi Jinping chamou os elementos de “um recurso estratégico importante”.
EUA buscam aumentar produção
Os esforços para reduzir a dependência das terras raras chinesas até agora avançaram pouco. Para combater o domínio da China, a administração Trump tentou fechar acordos com parceiros para garantir o fornecimento de terras raras. O tema incide inclusive sobre as negociações com o Brasil.
Mas especialistas dizem que o verdadeiro desafio para diversificar a oferta está em aumentar a capacidade do Ocidente de refino e processamento.
“A primeira coisa que os Estados Unidos precisam fazer é priorizar o ‘midstream’, que é o processamento e refino,” disse Karl Friedhoff, especialista do Chicago Council on Global Affairs, em um blog publicado em 16 de outubro.
“Sem controle do midstream, temos os minerais brutos, mas ainda precisamos enviá-los à China para serem processados,” explicou, ressaltando a necessidade de instalar fábricas de processamento e refinarias em outros países.
Isso, no entanto, viria com “uma série de problemas, especialmente no lado ambiental,” acrescentou.
Quais são os desafios para autossuficiência?
O avanço no processamento de terras raras carrega um alto custo ambiental e social.
A mineração envolve riscos ambientais e à saúde humana, já que os minérios contêm elementos radioativos como urânio e tório, que podem contaminar o ar, água, solo e lençóis freáticos.
Os desafios também incluem instalar plantas de processamento que cumpram rígidas normas ambientais em países ocidentais, o que pode ser mais caro e demorado.
O processamento também consome muita energia e água, o que gera oposição pública nas regiões onde tais instalações são planejadas.
Além disso, a China mantém forte liderança tecnológica com décadas de experiência na área, pessoal treinado e um ecossistema industrial difícil de replicar.
De acordo com um relatório do Center for Strategic and International Studies (CSIS), dos EUA, publicado em julho, a China possui “expertise técnica incomparável no processamento de terras raras, especialmente na extração por solvente” – uma etapa crítica e complexa na separação desses minerais críticos.
“As empresas ocidentais têm enfrentado dificuldades devido a limitações na força de trabalho, pesquisa e desenvolvimento, e regulamentações ambientais,” afirma o relatório.
Diversificar a oferta exige nova infraestrutura
Diversificar a oferta de terras raras chinesas exigiria não apenas ativar novas minas fora da China, mas também novas instalações de refino, mão de obra qualificada e incentivos econômicos para empresas.
Os autores do relatório do CSIS incentivaram os EUA a desenvolver uma estratégia para reconstruir a expertise técnica em terras raras e estabelecer centros de processamento. “É necessário garantir acesso confiável a energia de baixo custo, infraestrutura de transporte eficiente, tecnologias avançadas de processamento e mão de obra qualificada e acessível”, observaram.
Mesmo que todas as medidas fossem implementadas, os especialistas acreditam que a China continuaria a dominar o setor no futuro próximo.
“Sem ação rápida e coordenada, a janela para combater o domínio enraizado da China continuará a se estreitar, colocando tecnologias críticas, indústrias e interesses de segurança em risco contínuo.”
