03/04/2014 - 18:37
André Luís Cavalcanti de Albuquerque, da Terra Nova Regularizações Fundiárias, promove acordos em disputas conflituosas nos quais todos ganham. Num país com muitos confrontos sociais, sua profissão ganha valor inestimável.
Filho de uma tradicional família de advogados paranaenses, André Luís Cavalcanti de Albuquerque, 47 anos, decidiu ir além e conciliar o direito com a vocação para mediar conflitos sociais. A sua Terra Nova Regularizações Fundiárias, criada em 2001, não é uma ONG que depende de doações. Trata-se de uma empresa que reúne advogados, urbanistas, assistentes sociais e profissionais que atuam na pacificação de conflitos e na regularização fundiária urbana. Recentemente, um fundo de investimentos nacional investiu na sua reestruturação e as consultorias PriceWaterhouseCoopers e Mattos Filho elaboraram um ambicioso plano de negócios para os próximos cinco anos.
Atuando no Paraná, em São Paulo e Rondônia, a Terra Nova já virou um case. Proprietários de terras ocupadas irregularmente a procuram, assim como ocupantes em busca de uma solução pacífica. Construtoras de hidrelétricas contratam seus serviços para negociar o reassentamento dos afetados pela obra, como a Odebrecht fez na Usina de Santo Antônio.
A empresa busca o valor justo para as partes, evitando a desocupação judicial – quase sempre violenta. Uma vez encontrado o bom preço e homologado um acordo, cuida do loteamento, chama a prefeitura, convoca concessionárias de água e energia, realiza loteamentos e até emite os carnês de pagamento. O proprietário recebe um pouco menos, mas fica satisfeito porque corria o risco de não receber nada; os compradores ficam felizes, pois conquistam ativos financeiros em áreas que não lhes pertenciam; e o poder público respira com alívio. No Brasil de hoje, em que reivindicação é sinônimo de confronto, Albuquerque criou régua e compasso próprios. “Pacificar é minha vocação natural”, diz.
Qual é a origem da Terra Nova?
A empresa nasceu em 2001, quando deixei a Prefeitura de Pinhais, na qual trabalhava na área de regularização fundiária, pacifi cando confl itos entre proprietários e ocupantes de áreas privadas. Em Pinhais, a maioria das áreas ocupadas era particular. Trabalhei mediando os interesses entre proprietários e ocupantes para que os primeiros transferissem suas áreas para os moradores. Quando o novo prefeito da cidade assumiu, em 2001, e descontinuou o trabalho, saí e montei a Terra Nova. Eu sabia que a população tinha interesses e que os proprietários precisavam regularizar e receber, sem a necessidade de recorrer à via judicial. Foi aí que comecei. Reunia os ocupantes, tratava do preço e cobrava uma porcentagem para manter a empresa. Eu sempre tive vocação social, sempre fui um advogado de mediação. Tem advogado que gosta de briga, mas eu gosto é de compor. A vida me colocou nisso e descobri uma fantástica ferramenta de transformação social. Pacifi car é a minha vocação natural.
Existe uma referência de atuação?
A Terra Nova é uma empresa única no país no setor de regularização fundiária urbana. Quando comecei a pesquisar semelhanças em nível internacional, conheci um dos expoentes, Hernando de Soto Polar, um economista e político peruano, criador do Instituto de Liberdade e Democracia, autor de um livro lapidar, O Mistério do Capital. Soto demonstra que existem US$ 9 trilhões nas mãos da população de baixa renda no mundo e que esse valor é composto de ativos mortos. Se forem regularizados, esses ativos vão inserir essa população no capitalismo. É preciso capitalizar essa camada de baixa renda nos países em desenvolvimento. O livro conta que, nos Estados Unidos, quando começou a conquista do Oeste, os desbravadores se apressaram em regularizar terras (muitas tomadas dos índios) e, em vez de fi car plantando agricultura de subsistência, procuraram bancos para levantar dinheiro, oferecendo o ativo das terras como garantia. Eles davam o imóvel como caução, os bancos emprestavam dinheiro e eles começaram a plantar em larga escala, como nas primeiras culturas de algodão. Assim, a economia começou a se alavancar. Só nas cidades brasileiras há 12 milhões de domicílios precários, dos quais 50% estão em áreas particulares. Calcule quanto isso representa em ativos imobilizados. Pense como eles podem impulsionar essas famílias.
Como a empresa atua?
As contas são simples. Imagine uma área ocupada por mil famílias, cada uma num lote sem demarcação de 70 a 100 metros quadrados, numa favela ou assentamento irregular. O proprietário precisa resolver a situação, pois a ocupação já é um fato e conseguir reintegração de posse pode ser difícil. Pesa sobre tudo isso o artigo 1.228, parágrafos 4.º e 5.º do Código Civil, que prevê a ocupação ininterrupta, “de boa-fé”, envolvendo o Judiciário, cuja sentença favorável aos ocupantes – com a devida indenização ao proprietário – vale como título para o registro do imóvel. Entretanto, ocorre que o Estado não tem dinheiro e são raras as vezes em que o poder público desapropria uma área ocupada. Aí a Terra Nova passa a ser útil para todos. Procuramos as mil famílias, por meio de sua associação de moradores – e quando a associação não existe, ajudamos a criá-la –, e combinamos um preço justo, que pode ter sido previamente calculado ou será posteriormente acertado com o proprietário. Tome-se, por exemplo, o valor de R$ 6 mil por lote. São R$ 6 milhões. O proprietário recebe de 50% a 80% do preço acordado e a diferença nós cobramos como remuneração pelo trabalho. Os moradores passam a ter lotes regularizados e pagam à prestação. Os acordos são homologados na Justiça, o que dá segurança jurídica a todas as partes. A nossa remuneração se dá ao longo do tempo do pagamento dos terrenos pelos novos proprietários.
E o Estado?
O Estado também sai ganhando, pois com a área regularizada as moradias passam a receber água, esgoto e energia elétrica. Isso signifi ca o fi m dos “gatos” de água e de luz, que representam prejuízo financeiro para o poder público. O Estado passa a ser remunerado pela infraestrutura e pelos impostos que podem ser recolhidos. As famílias donas de lotes, pelos quais pagam durante determinado tempo, de acordo com suas possibilidades, passam a ser oficialmente incluídas na sociedade e ganham cidadania. O Estado se compromete no acordo por meio de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) ou alguma negociação extrajudicial. E quem continuar com a ocupação irregular e não aderir ao acordo? Não pagou, não leva. Uma eventual ação de reintegração de posse passa a valer para aquele que não quer pagar. Ninguém é obrigado a aderir. Fazemos um preço bom para todos. Em dez anos de atuação, nunca tiramos ninguém de sua casa, mas já aconteceu de haver ação de reintegração de posse para quem não quis aderir.
E quem não tem dinheiro?
Nosso preço é sempre viável, mas não nos esquecemos dos mais frágeis economicamente. Montamos uma câmara técnica, estendemos o prazo do carnê, definimos uma parcela que caiba no bolso. Acaba sendo bom. Vocês têm técnica ou formação específica em negociação? Temos é prática de negociar. Atuamos junto à associação de moradores ou ajudamos a organizar uma. É difícil não existir uma associação, mesmo fraca. Até na Amazônia os ribeirinhos têm suas associações. O tráfico de drogas costuma agir em áreas ilegais. Não dificulta? Em todas as áreas em que entramos há tráfico de drogas. Mas nunca conversamos com eles. Normalmente, é a associação de moradores que promove o diálogo. Há um caso a relatar. Quando a Terra Nova entrou na Casa Branca, uma grande favela no bairro do Grajaú, na zona sul de São Paulo, havia muita gente armada circulando. Perguntei ao presidente da associação: “Os caras sabem que estamos aqui?” E ele: “Sabem, já falei com eles, não vai haver problemas.” Como é para a melhoria do bairro, da população, o tráfico não se mete. Ele não está interessado em impedir o desenvolvimento das pessoas ou que elas melhorem de vida. Sei de pessoas ligadas ao tráfico que pagam lotes à vista. Eles têm dinheiro e nós não temos nenhum problema com isso. O problema deles é com a polícia e a Justiça. Nós não negociamos com eles, nunca fizemos nenhum tipo de acordo. Nada. A Terra Nova atuou no Pinheirinho, em São José dos Campos (SP), ocupado em 2004 e violentamente desocupado pela polícia em 2012.
O que deu errado?
Estávamos atuando na regularização da área, pertencente à massa falida do empresário Naji Nahas, onde viviam 1,6 mil famílias. Nosso trabalho foi boicotado por um dos líderes dos moradores, Valdir Martins (conhecido como Marrom), dirigente do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), que dizia ser obrigação do Estado garantir moradia a quem dela precisa. Cheguei a convocar a associação de moradores para explicar nosso método e como eles poderiam regularizar a área, pois havia interesse da massa falida e do Judiciário em resolver a questão. Mas não apareceu ninguém na reunião. Houve radicalização e aconteceu o pior.
Qual é a cidade brasileira com maiores problemas fundiários?
São Paulo, sem dúvida. Calcula-se que 13% da sua área não seja regularizada. São 3 mil ocupações e 100 mil famílias. Não é pouco.
E Brasília?
Fomos para lá na gestão do governador do Distrito Federal José Roberto Arruda, mas desistimos. Brasília é muito complicada. Lá, os invasores de terrenos são gente com muito dinheiro. Só numa área chamada Colorado existem 60 condomínios fechados em situação irregular.
Quantos acordos a Terra Nova já promoveu?
Até agora são 21 acordos, no Paraná, em São Paulo e Rondônia. Beneficiamos 22 mil famílias, atualmente vivendo em 2,5 milhões de metros quadrados de lotes próprios. Com a recomendação de um fundo de investimentos que deu fôlego financeiro à empresa, resolvemos concentrar nossa atuação em Curitiba e em São Paulo, onde há muitas ocupações a regularizar. Isso por ora. Temos um plano estratégico para expandir nossas ações para todo o Brasil.
Se a Terra Nova fosse chamada a atuar como mediadora em conflitos agrários, você aceitaria?
Sim. Gosto de atuar em grandes conflitos. Gostaria de ajudar a humanidade a se pacificar.