04/11/2025 - 15:05
Observadores dizem que interesses de potências estrangeiras aprofundaram conflito que vem resultando numas das piores catástrofes humanitárias em andamento no mundo.Sem apoio externo, nenhum dos lados na guerra civil do Sudão teria conseguido prolongar o conflito que fez com que o país se tornasse palco de um dos piores desastres humanitários do mundo e, mais recentemente, de assassinatos em massa e atrocidades contra civis em Al-Fashir, capital do estado de Darfur do Norte.
A guerra começou em abril de 2023, quando a milícia Forças de Apoio Rápido (RSF) e as Forças Armadas Sudanesas (SAF) não se entenderam sobre a integração da RSF ao Exército regular.
Há apenas estimativas sobre o número de mortos, que organizações de ajuda humanitária e a ONU calculam em mais de 140 mil, e os EUA, em mais de 150 mil. Cerca de metade da população do Sudão, de 51 milhões de habitantes, depende de ajuda humanitária, e mais de 13 milhões tiveram de abandonar suas casas. A fomee as doenças são generalizadas e grande parte da infraestrutura e das terras agrícolas do país foi danificada.
Observadores afirmam que o governo internacionalmente reconhecido do Sudão, liderado pelo general Abdel-Fattah Burhan, recebe apoio de Egito, Arábia Saudita, Turquia, Rússia e Irã. Os egípcios e sauditas negam fornecer armas a quaisquer grupos sudaneses.
Já as Forças de Apoio Rápido, que os EUA já acusaram de genocídio, tiveram vários fornecedores de armas e combustível durante a guerra, mas um fornecedor central continua sendo os Emirados Árabes Unidos (EAU), dizem especialistas.
O papel dos Emirados Árabes Unidos
Os Emirados Árabes Unidos sempre negaram que apoiam as RSF, afirmando que se trata de uma campanha midiática das Forças Armadas Sudanesas e exigindo um pedido de desculpas.
Na quinta-feira passada, o governo em Abu Dhabi também condenou as atrocidades cometidas pelas RSF contra civis e anunciou 100 milhões de dólares em ajuda humanitária.
Apesar das negativas, a ONU e organizações de direitos humanos frequentemente encontram sinais de fornecimento de material militar proveniente dos Emirados Árabes Unidos. Analistas independentes concluem regularmente que as armas e munições usadas pelas RSF são de origem emiradense.
O material inclui drones avançados de fabricação chinesa, juntamente com armas leves, metralhadoras pesadas, veículos, artilharia, morteiros e munição, disseram funcionários da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA e do Departamento de Estado ao jornal The Wall Street Journal.
Além disso, um relatório da ONU de janeiro de 2024 afirmou que milícias alinhadas ao general líbio Khalifa Hiftar usam rotas de contrabando já existentes para fornecer combustível, veículos e munição às RSF.
“Sabemos que os Emirados Árabes Unidos contrabandearam armas diretamente através da fronteira líbia para o Sudão, mas também via Chade e Uganda”, diz a pesquisadora Hager Ali, do think tank alemão Giga.
Em troca, os Emirados Árabes Unidos, tradicionalmente o maior importador de ouro sudanês, mantêm seu acesso ao ouro do Sudão.
Para as RSF, os ricos recursos auríferos do Sudão, que se encontram principalmente em território sob seu controle, tornaram-se uma moeda fundamental para a compra de armas e contornar sanções.
“É seguro presumir que as armas que estão sendo usadas no Sudão não são de meia dúzia de fornecedores, mas foram traficadas em todo o Sahel”, continuou Ali, acrescentando que a entrega de armas no campo de batalha é frequentemente realizada pelo Africa Corps, a divisão africana do Grupo Wagner, da Rússia.
Em janeiro, o governo do então presidente Joe Biden impôs sanções a ambos os lados. Na época, o Departamento do Tesouro também sancionou sete empresas dos Emirados Árabes Unidos e as acusou de fornecer armas e dinheiro às RSF.
Outros países com interesses
O Egito tem sido um importante apoiador das Forças Armadas Sudanesas e reconhece o governo de Burhan no Sudão. O think tank americano Institute for the Study of War afirmou que o Egito também treinou pilotos das SAF e forneceu drones, o que o governo no Cairo nega.
O Egito espera que o conflito não ultrapasse a sua fronteira com o Sudão e quer um dia repatriar os milhões de refugiados sudaneses.
Quem também apoia as SAF é o Irã, que forneceu drones. O regime em Teerã espera garantir uma base naval no Mar Vermelho que o ajudaria a continuar apoiando a milícia Houthi no Iêmen. O Sudão se tornou conhecido como centro logístico para os houthis.
A Turquia também forneceu drones às SAF, além de mísseis. O interesse de Ancara é garantir seu acesso ao Mar Vermelho.
Apesar do apoio do Africa Corps às RSF, a Rússia desempenha um papel relativamente menor no Sudão, observa o especialista Achim Vogt, da Fundação Friedrich Ebert. “Eles têm interesses econômicos no que diz respeito às exportações de ouro e ao porto da cidade de Porto Sudão, mas deixaram relativamente claro que não têm interesse em interferir no que chamam de conflito interno”, diz.
Negociações em Washington fracassam
Os quatro países que formam a chamada Iniciativa Quad (Estados Unidos, Egito, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) seriam os que poderiam exercer influência real no Sudão, apesar de suas alianças com um dos dois lados. O objetivo da iniciativa era um roteiro para o fim da guerra ou no mínimo uma trégua humanitária.
Vogt afirmou que, se esses países se unissem, talvez com o apoio de nações europeias, poderiam promover o retorno ao direito internacional humanitário, o fim das violações dos direitos humanos e uma melhora na situação humanitária da população civil.
Porém, em 26 de outubro, as negociações do grupo em Washington, que tinham como objetivo reunir as partes em conflito para se chegar a um acordo de cessar-fogo de três meses, terminaram sem resultados. No mesmo dia, as RSF assumiram o controle de Al-Fashir após um cerco de 18 meses e intensificaram os assassinatos em massa e outras atrocidades.
ONG e também a ONU denunciaram execuções sumárias, assassinatos, violência sexual, tortura e mesmo limpeza étnica durante a tomada de Al-Fashir, que acolhia centenas de milhares de deslocados e era o último bastião do Exército sudanês na região.
Cobrança por sanções às RSF
Analistas políticos cobram agora consequências para a liderança das Forças de Apoio Rápido e seus apoiadores. “Principalmente os Emirados Árabes Unidos, que continuaram a fornecer apoio apesar das evidências claras de crimes”, declarou a diretora da Human Rights Watch para o Chifre da África, Laetitia Bader, diante da gravidade dos abusos mais recentes em Al-Fashir e arredores.
“Gostaríamos de ver o Conselho de Segurança da ONU avançar imediatamente com sanções contra os líderes das Forças de Apoio Rápido”, disse Bader. “Apelamos à comunidade internacional para que garanta a responsabilização política e criminal.”
Na sexta-feira, diante da indignação internacional com os massacres e outros crimes, as Forças de Apoio Rápido prenderam vários de seus próprios combatentes. Mas observadores dizem que as atrocidades continuam.
